Política
|
19 de dezembro de 2023
|
14:35

Ex-diretor de terceirizada denuncia suposto esquema de propina no Dmae

Por
Duda Romagna
[email protected]
A denúncia e evidências foram apresentadas nesta segunda-feira (18) pelo vereador Roberto Robaina (PSOL) e pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL) em coletiva de imprensa com o denunciante na Câmara Municipal. Foto: Duda Romagna/Sul21
A denúncia e evidências foram apresentadas nesta segunda-feira (18) pelo vereador Roberto Robaina (PSOL) e pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL) em coletiva de imprensa com o denunciante na Câmara Municipal. Foto: Duda Romagna/Sul21

O empresário Luiz Augusto Pinto França, ex-diretor executivo da MG Terceirização, empresa que prestava serviços para a Prefeitura de Porto Alegre, denunciou um suposto esquema de propina para que o então diretor-geral do Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae), Alexandre Garcia, interviesse em processos administrativos do contrato em 2021. A empresa, hoje extinta, era propriedade do empresário Marcos Aurélio Garcia e havia sido contratada para manutenção do esgoto pluvial da Capital por aproximadamente R$ 1,2 milhão por mês.

A denúncia e evidências foram apresentadas nesta segunda-feira (18) pelo vereador Roberto Robaina (PSOL) e pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL) em coletiva de imprensa com o denunciante na Câmara Municipal. De acordo com o empresário, esta é a segunda vez que ele busca denunciar o ocorrido, com a primeira acontecendo ainda em dezembro de 2021, diretamente à Secretaria da Transparência e à corregedoria da Prefeitura (SEI 22.0.000022019-5). O processo corre em sigilo e ele alega não ter sido informado de quaisquer andamentos.

França afirma que, em janeiro de 2021, a terceirizada sofria retenção de repasses por parte do Executivo e seus funcionários estavam paralisados por falta de pagamento. Por isso, ele procurou Alexandre para tentar resolver a questão junto ao Dmae. Na conversa, o diretor do Dmae teria afirmado que não se sentia “confortável” em pagar funcionários que estivessem parados. França teria argumentado que o serviço já havia sido prestado e o pagamento seria para a empresa responsável por aqueles funcionários.

Na conversa, Alexandre teria se referido a um conhecido em comum entre ele e França, Valnei Tavares. No dia seguinte a essa conversa, França diz que recebeu uma ligação de Valnei, colocando o filho, Fabrício Tavares, à disposição para resolver os impasses no Dmae.

 

Esquema apresentado pelo vereador. Foto: Reprodução

Na denúncia, França alega que Fabrício colocou a questão de pagamento de propina, fixada em 5% do valor dos contratos, para que as retenções nos pagamentos à empresa fossem resolvidas. Ao todo, a empresa pagava em torno de R$ 60 mil por mês, tendo repassado, no mínimo, R$ 400 mil em propinas em espécie. Somente uma transação, de R$ 5 mil, foi feita por transferência bancária.

 

Comprovante de transferência bancária apresentado pelo denunciante. Foto: Reprodução

Em meio ao esquema de propina, o Executivo municipal aplicou glosas à empresa, ou seja, descontos no valor do contrato mensal como forma de “punição” por desconformidades parciais, o que incomodou Marcos Aurélio.

“Com uma responsabilidade do tamanho que eu tinha, como número 2, digamos assim, com decisões limitadas e sempre voltadas ao dono da empresa, eu tinha um certo receio [de ser demitido]. Eu só protelei isso, que acabou acontecendo, mas, efetivamente, eu tinha que produzir prova. Eu não tinha como denunciar um esquema desse tamanho sem prova robusta”, afirma o ex-diretor.

No evento desta segunda, áudios de WhatsApp de conversas entre o intermediário e França foram apresentados.

Fabrício informa França sobre as glosas restantes:

França confronta Fabrício quanto aos valores da “parceria”:

Fabrício pede satisfações a França sobre o fim do acordo:

“Os áudios, embora sendo do telefone funcional de propriedade da empresa, eu guardei. E aí, me permitam, eu não vou usar ‘suposto’. Não vou porque eu sei, tenho consciência, ele [Fabrício] foi o intermediário de toda a propina que o Alexandre e outras pessoas devem ter recebido.”

Segundo França, o proprietário da empresa, Marcos Aurélio, desapareceu, deixando para trás por volta de 2 mil processos trabalhistas de empregados da terceirizada. “Eu vejo ele não como um empresário. Ele pisa na cabeça de todo mundo e não quer saber. Foram cinco anos e meio de trabalho e eu não recebi um centavo, eu saí de lá e comecei sozinho, de novo”, relatou o denunciante.

O Dmae rescindiu unilateralmente o contrato com a MG Terceirização em 4 de fevereiro de 2022 por irregularidades, como o não pagamento dos funcionários, falta de mão de obra e equipamentos. A empresa prestava serviços à Prefeitura desde abril de 2019. Na rescisão a Prefeitura afirmou que reteve pagamentos à empresa, já que ela não acertava salários.

Em maio de 2022, um acordo no Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Cejusc-JT) da Justiça do Trabalho garantiu o pagamento de parte das verbas rescisórias de mais de 170 trabalhadores da MG Terceirização que foram despedidos após o rompimento com o Dmae, sem receber os valores devidos. Segundo informações do Tribunal Regional do Trabalho, o valor totalizou pelo menos R$ 234,9 mil.

Hoje, França tem outra empresa terceirizada, a Benetton, e afirma que sofre com a concorrência desleal por não aceitar acordos como o denunciado por ele. Ele reforça não ter sido sócio da MG Terceirização, mas funcionário contratado. Atualmente, o Dmae é dirigido por Maurício Loss, ex-secretário adjunto da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smamus). Alexandre Garcia deixou o posto no Dmae em fevereiro de 2023.

 

Luiz França denunciou o caso pela primeira vez ainda em 2021. Foto: Duda Romagna/Sul21

“Não sou o arauto da honestidade, mas não prejudiquei ninguém nunca. A verdade tem que vir à tona, chega. Talvez essa denúncia seja um grão de areia numa praia gigantesca, mas cada um tem que fazer a sua parte”, afirma o empresário. “Não tem como as empresas montarem um cartel sozinhas, fazerem o que fazem sozinhas, se não tiverem o apoio do agente público. Tudo que eu vi até agora, que eu li, tem a participação de alguém do sistema. Nos municípios acham que podem porque acham que estão longe dos olhos, longe das luzes”, completa.

Na apresentação dos fatos, o vereador Robaina informou que pedirá a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso e apurar a possível participação de agentes públicos e danos ao erário. Para a instalação da CPI, são necessárias 12 assinaturas dos vereadores. “Essa denúncia é muito grave e, como parlamentares, temos de trazer à tona. Vamos buscar a investigação profunda do que nos chegou para que isso seja esclarecido”, ressaltou.

Em nota, a Prefeitura de Porto Alegre informou que a denúncia chegou ao Executivo em 16 de fevereiro de 2022 e o prefeito Sebastião Melo determinou “a imediata investigação à Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria”. “A pasta abriu uma Investigação Preliminar Sumária (IPS), composta por um procurador e dois servidores, com o objetivo de verificar eventuais irregularidades. O relatório da IPS foi encaminhado ao Ministério Público, em 4 de abril de 2022, e também enviado ao Tribunal de Contas e à Polícia Civil, diante da necessidade de investigação aprofundada com os instrumentos dos órgãos de controle e de segurança”, diz a nota.

A reportagem não conseguiu contato com Marcos Aurélio Garcia. Já Fabrício Tavares e Alexandre Garcia não responderam até o momento da publicação.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora