Meio Ambiente
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27 de junho de 2024
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07:26

IPH alerta para riscos e altos custos de desassoreamento de rios para combate a cheias

Por
Luís Gomes
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Desassoreamento de rios é uma das medidas discutidas para o enfrentamento de novas cheias | Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Desassoreamento de rios é uma das medidas discutidas para o enfrentamento de novas cheias | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

O governador Eduardo Leite (PSDB) apresentou nesta quarta-feira (26) o caderno dos Projetos Estruturantes do Plano Rio Grande — o programa de Reconstrução, Adaptação e Resiliência Climática do Rio Grande do Sul — ao Comitê Científico, que tem como atribuições prestar consultoria e sugerir alternativas para o enfrentamento de futuras cheias no Estado. Elaborado pela Secretaria da Reconstrução Gaúcha, o caderno dos projetos estruturantes compõe os primeiros passos para o enfrentamento dos desafios climáticos, mas já apresenta uma série de áreas prioritárias, como: sistemas de proteção de cheias para proteção das cidades, desassoreamento de rios e córregos, nova urbanização de cidades, soluções para resiliência dos municípios, saneamento básico universal, entre outras.

O termo desassoreamento é usado para se referir à remoção de areia, lodo e outros sedimentos do fundo de rios e lagos. Esse processo ocorre, em geral, por meio da dragagem, que é o procedimento de escavação para a retirada de sedimentos, sendo realizado por meio das dragas, embarcações voltadas para esse tipo de atividade.

Listado no segundo capítulo do caderno, intitulado Resiliência, o desassoreamento de rios e córregos é dividido em duas partes: (1) pequenos rios e córregos e (2) estudos, avaliação e desassoreamento de grandes rios. Quanto ao primeiro, o documento diz que medidas já estão em andamento na Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA) com o objetivo de “proporcionar soluções eficientes para o desassoreamento desses pequenos corpos d’água, melhorar o fluxo hídrico, prevenir inundações, enchentes e alagamentos, aumentando a capacidade de drenagem”.

Por meio da Instrução Normativa SEMA/FEPAM n° 2/2024, a secretária já autorizou, com dispensa de outorga, em caráter “excepcional e temporário”, o desassoreamento em leitos de rios ou cursos d’água. O documento diz ainda que estão sendo organizados os processos de capacitação dos técnicos/profissionais e o aporte financeiro para contratação de maquinário pelos municípios.

Já em relação aos grandes rios, que o documento delimita como os “rios principais e seus grandes afluentes”, o caderno destaca que o governo do Estado vem trabalhando para coletar informações e compilação de dados existentes com o objetivo de estabelecer um processo de avaliação contínua desses corpos hídricos e um cronograma para execução de obras de desassoreamento, contenção, limpeza e outras que sejam necessárias à manutenção do fluxo. O objetivo da política, também sob responsabilidade da Sema, é “garantir o desassoreamento e manutenção do fluxo hídrico dos recursos, evitando as inundações dos territórios lindeiros”.

O caderno destaca que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) irá lançar um termo de referência para contratação de estudos específicos, ponderando ainda que o Estado irá contratar estudos complementares para trechos de interesse que podem não ser contemplados pelo DNIT. O documento destaca como trechos de interesse o Canal São Gonçalo, o Canal do Guaíba, o Delta do Jacuí, a Lagoa Mirim e a Lagoa dos Patos.

O tema do desassoreamento dos rios como medida de redução das cheias no Rio Grande do Sul foi alvo de uma nota técnica divulgada por professores do Instituto de Pesquisa Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS) no dia 11 de junho, que aponta uma série de questões que precisam ser analisadas antes da realização de processos do tipo. A nota parte justamente da discussão de propostas que estão sendo apresentadas para dragagem do Guaíba, Jacuí, Taquari, entre outros rios, como medida para redução dos efeitos de uma nova cheia.

Os professores ponderam que a dragagem é uma medida positivo para pequenos rios e córregos e que também pode ser positiva para grandes meios, mas que, nesses casos, é necessário demonstrar a necessidade por meio de medições ao longo do leito do rio. “No momento não temos, ou não está disponível publicamente, este tipo de informação para recomendação desta medida”, diz a nota.

Também destacam que a dragagem é um serviço caro nos rios citados, que custaria até centenas de milhões de reais, e que pode ser rapidamente prejudicado pelo fato de que rios mudam naturalmente o seu leito a cada período, dinâmica que leva ao assoreamento dos trechos dragados em curto intervalo de tempo. Além disso, destacam a importância da realização de estudos abrangentes de impacto ambiental dos processos de dragagem, uma vez que os efeitos podem ser duradouros e gerar problemas ambientais diversos, incluindo inundações locais.

“Não se pode confundir o processo de dragagem de canais de navegação, que é uma atividade rotineira de manutenção do calado de hidrovias e executada em uma área limitada e com colocação do material dragado dentro do corpo hídrico, com processos de desassoreamento para controle de cheias com maior abrangência espacial e com retirada do material dragado para fora do corpo hídrico. Sendo assim, a dragagem como medida para prevenção de efeitos das novas cheias não deve ser executada apenas com base em suposições e em observações subjetivas únicas do
sistema natural, sem estudos técnicos detalhados, evitando desperdício de recursos financeiros públicos e impactos ambientais negativos”, diz a nota.

Os professores pontuam que ao menos três questões precisam ser respondidas antes de a dragagem ser considerada uma medida eficaz para o controle de cheias. São elas: 1) Houve assoreamento? 2) Em caso positivo, a dragagem vai ser eficaz em termos de redução dos níveis e duração da cheia? 3) Em caso positivo, a medida é boa do ponto de vista econômico e ambiental comparada com outras alternativas? Eles ainda postulam uma quarta questão, que questiona se uma análise de longo prazo indicaria a necessidade de dragagens periódicas no futuro.

Diante destas questões, a nota técnica estabelece três medidas que devem ser adotadas durante a discussão de processos de desassoreamento dos grandes rios. São elas:

1) Realização de levantamento batimétrico completo de toda a área de interesse com disponibilização pública, para verificação e comprovação de possíveis locais de assoreamento e erosão do corpo hídrico. A batimetria deve incluir, inclusive, toda a extensão a jusante que promova efeitos de remanso significativos sobre as áreas em que se pretende reduzir os níveis de cheias.

2) Realização de estudos de modelagem hidrodinâmica através de simulações físicas ou computacionais que integrem dados da batimetria da área e que permitam a verificação da influência do leito e de outras feições do sistema natural sobre os níveis máximos e duração das cheias. O modelo hidrodinâmico deve ser devidamente validado com observações de níveis d’água de eventos passados, com avaliação de sua incerteza.

3) Avaliação dos benefícios e custos destas propostas de intervenção e comparação com outras ações de prevenção de riscos de desastres, em um planejamento de longo prazo, que leve em conta a necessidade de refazer a dragagem periodicamente, caso seja demonstrada necessária e eficaz.

A nota indica ainda que devem ser considerados estudos hidrossedimentológicos para análise da duração do efeito da dragagem devido a possíveis assoreamentos futuros e avaliação de impacto da dragagem na estabilidade das margens de rios e de ilhas, com caracterização representativa do sedimento de fundo e em suspensão.


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