Meio Ambiente
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7 de dezembro de 2023
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10:26

PLs querem flexibilizar legislação tornando barramento de água ‘de baixo impacto ambiental’

Por
Marco Weissheimer
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Fenômenos climáticos extremos colocam na ordem do dia a gestão do uso da água pela sociedade. Foto: Sema/RS
Fenômenos climáticos extremos colocam na ordem do dia a gestão do uso da água pela sociedade. Foto: Sema/RS

No ano em que o Rio Grande do Sul enfrentou novamente fenômenos climáticos extremos, tramitam na Assembleia Legislativa do Estado projetos de lei relacionados ao uso e armazenamento da água que podem fragilizar ainda mais a legislação ambiental no Estado. O alerta foi feito pela Associação dos Servidores da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (ASFEPAM) em um documento que analisa os possíveis impactos desses projetos apresentados por parlamentares ligados ao agronegócio, propondo novas flexibilizações na legislação ambiental, que permitiram, entre outras coisas, a intervenção em Áreas de Preservação Permanente (APPs) para a construção de barramentos.

A entidade chama a atenção, em especial, para quatro projetos, os PLs 204/2023 de autoria do deputado Adolfo Brito (PP); 151/2023, de autoria do deputado Delegado Zucco (Republicanos); 433/2021, de autoria do deputado Ernani Polo (PP) e 218/2023, de autoria do deputado Gustavo Victorino (Republicanos). Os três primeiros apresentam propostas de alterações nas leis estaduais 15.434/2020 e 10.350/1994 com o objetivo de incluir a irrigação na lista de atividades consideradas de utilidade pública e as áreas de plantio irrigado como sendo de interesse social. O PL 204/2023 já teve parecer favorável aprovado, dia 5 dezembro, na Comissão de Constituição e Justiça, por 9 votos favoráveis e 3 contrários (PT e PSOL votaram contra). Já o PL 151 está na Ordem do Dia para ser votado no plenário na próxima terça-feira (12).

Intervenção de Áreas de Preservação Permanente

Esses projetos, observa a ASFEPAM, querem incluir a reservação de água (inclusive por meio de barragens) como uma atividade de utilidade pública, classificando os reservatórios de água como atividades de “baixo impacto ambiental”, dando prioridade na análise do pedido de outorga para esses reservatórios. As mudanças de legislação propostas nesses projetos abririam a possibilidade de intervenção em APP’s para a instalação de barramentos, por meio do uso do conceito de utilidade pública, justificando as alterações como uma forma de garantir a segurança alimentar e hídrica no Estado.

No entanto, afirma a Associação dos Servidores da FEPAM, “os legisladores que deveriam trabalhar para criar leis que dão segurança jurídica à sociedade, trazem proposições que sabidamente são inconstitucionais”. A definição do que se enquadra em utilidade pública e interesse social, observa a entidade, é dada pela Lei Federal, nº 12651/2012, que determina que qualquer atividade a ser declarada como de utilidade pública será definida por ato do poder Executivo federal, ou seja, não é competência do Estado ou dos municípios fazer essa determinação. Os três projetos de lei em questão, acrescenta a entidade, têm como ponto central incluir a irrigação como atividade de utilidade pública. Essas propostas, sustenta a ASFEPAM, “além de ter uma visão que não busca alternativas sustentáveis”, estão na contramão do que o mundo vem trabalhando e com o discurso ambiental do governo do Estado, não tem base legal e trarão maior insegurança jurídica e mais conflitos em torno do uso da água.

Redução de exigências legais para suprimir vegetação

Esses projetos, diz ainda a associação, menosprezam “aspectos como a flagrante redução nas exigências legais e de análise técnica para a intervenção em APPs, facilitando a supressão de vegetação e degradação de matas ciliares”, com “potencial proliferação de represamentos e alteração na hidrodinâmica das bacias e microbacias hidrográficas e potencial aumento nos conflitos entre usuários da água. A direção da ASFEPAM reconhece que os períodos de estiagem e seca são prejudiciais à sociedade e que a reservação de água e irrigação são meios para minimizar perdas sociais e econômicas. No entanto, alerta que o Estado do Rio Grande do Sul está negligenciando a questão ambiental e “não fez o mínimo em termos de concretizar políticas públicas para proteção de mananciais; uso, manejo e conservação do solo; recomposição de APPs; recomposição da Reserva Legal; proteção do Pampa; análise e homologação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA); regularização do pagamento por serviços ambientais, entre outros”.

Na avaliação das ASFEPAM, o PL 218/2023 “mostra o habitual anseio por conferir maior celeridade no licenciamento ambiental, especificamente de empreendimentos de infraestrutura estratégicos e de interesse social”. O projeto prevê, entre outras coisas, a instalação de um comitê formado por outros órgãos, além da FEPAM, e atuaria no licenciamento determinando novos prazos para o rito processual. “Os legisladores, mais uma vez, demonstram desconhecimento acerca dos ritos do licenciamento, criando fluxos de processo que tornam mais burocrático o licenciamento”.

Além disso, acrescenta a entidade dos servidores do órgão ambiental do Estado, o projeto em questão ignora que muitos dos licenciamentos dessas atividades são regrados por Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), que possuem um rito definido em resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que não pode ser alterado por uma lei estadual.

Agapan pede retirada de projetos da tramitação na AL

A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), em maio de 2022, manifestou-se por meio de uma nota alertando para o impacto do PL 433, que pretende flexibilizar ainda mais a legislação ambiental com a finalidade de facilitar a construção de obras de armazenamento de água, seja pelos proprietários rurais ou pelos municípios. Esse projeto que trata da questão do armazenamento de água, observa a entidade, é defendido por entidades do agronegócio em razão da seca que atingiu o RS no verão de 2022. Em que pese a importância do assunto, assinala a Agapan, esse debate “é bem mais profundo do que fazem supor alguns parlamentares e lideranças do agro”, não podendo ser tratado com uma flexibilização ainda maior da legislação ambiental.

A proposta de permitir que os municípios possam determinar, por ato próprio, obras de baixo impacto ou utilidade pública e social apresenta maiores riscos à proteção ambiental, alerta a Agapan. “Consideramos inaceitável a flexibilização para construção de barramentos de cursos d’água. Imaginem se todos os proprietários quiserem barrar um curso d’água, em que situação ficariam os demais e a bacia hidrográfica como um todo? Isso só poderia ser feito com planejamento estratégico e muito cuidado”, sustenta. Em uma carta aberta dirigida ao governador Eduardo Leite (PSDB) e aos parlamentares, a Agapan pede que esses projetos sejam retirados de tramitação da Assembleia Legislativa.


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