Meio Ambiente
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19 de novembro de 2021
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17:25

Autolicenciamento ambiental no RS: bióloga critica ‘tratoraço’ no Conselho Estadual do Meio Ambiente

Por
Luciano Velleda
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Criticado por ambientalistas no RS, o governador Eduardo Leite esteve na Escócia, na COP26, defendendo sua agenda ambiental. Fotos: Maurício Tonetto/Palácio Piratini
Criticado por ambientalistas no RS, o governador Eduardo Leite esteve na Escócia, na COP26, defendendo sua agenda ambiental. Fotos: Maurício Tonetto/Palácio Piratini

A reunião do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) da última quinta-feira (11) está longe de ser bem digerida por entidades ambientalistas do Rio Grande do Sul. Na ocasião foi aprovada a minuta de resolução que regulamenta e estabelece os critérios da emissão de Licença Ambiental por Compromisso (LAC) para as atividades passíveis de licenciamento ambiental no Estado. A medida permite que 49 atividades econômicas, sendo 31 com alto e médio potenciais poluidores, sejam autorizadas imediatamente, independente do seu porte.

Dentre as atividades produtivas que poderão emitir o autolicenciamento estão as usinas de concreto e de asfalto, criação de bovinos semiconfinados, a silvicultura com pínus e eucalipto, as centrais de beneficiamento de dejetos de animais, entre outras.

O modelo teve 17 votos favoráveis, sete contrários e duas abstenções, em sessão presidida pelo secretário estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, Luiz Henrique Viana.

Na avaliação do Centro de Estudos Ambientais (CAE), sediado em Pelotas, a aprovação do Consema representa o “maior retrocesso ambiental promovido por um governo nesse colegiado”. A ONG diz que o órgão, atualmente, está dominado por uma aliança anti-sociedade e anti-natureza, reunindo o governo estadual e o agronegócio, a indústria e a construção civil.

Durante a reunião do Consema, a bióloga Lisiane Becker apresentou parecer contrário à proposta, representando o Instituto Mira-Serra. Ela explica que o parecer se baseou em vários elementos, a começar pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre o autolicenciamento ambiental, interposta pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e que está para ser julgada no Supremo Tribunal Federal (STF).

No RS, o autolicenciamento foi aprovado, com muitas críticas de ambientalistas, no novo Código Estadual Ambiental sancionado pelo governador Eduardo Leite (PSDB) em janeiro de 2020. O tema está sob análise do ministro Ricardo Lewandovski.

“Foi um dos primeiros questionamentos que fiz. E se ele (Lewandovski) der razão à ADI?”, questiona.

De acordo com a presidente da Fepam, Marjorie Kauffmann, se houver decisão contrária ao autolicenciamento no STF, o modelo pode ser revisto no RS. A hipótese é criticada pela coordenadora do Instituto Mira-Serra, enfatizando haver danos ambientais que podem ser irreversíveis.

“Aí dizem que podem voltar atrás… não é assim, o dano não volta atrás”, critica Lisiane. Em função do tema estar no STF, a bióloga avalia que o Consema não deveria nem sequer estar discutindo a proposta da Licença Ambiental por Compromisso (LAC).

A coordenadora do Instituto Mira-Serra diz que também chamou a atenção a falta de referencial técnico e teórico da proposta para ser discutida na Câmara Técnica do Consema. Ela destaca que a própria Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (Anamma) já se posicionou contra a Licença Ambiental por Compromisso (LAC), que também tramita em outros Estados e cidades do País.

Para aprovar o LAC no RS, o governo estadual apresentou como exemplo positivo as experiências semelhantes em vigor na Bahia, Santa Catarina e São Paulo. Na reunião do Consema, o procedimento desses Estados foi citado pela presidente da Fepam, Marjorie Kauffmann.

“O licenciamento ambiental por compromisso já vem sendo praticado há muitos anos em alguns estados como Bahia, Santa Catarina e São Paulo. Para incluir esse artigo no novo código, nós avaliamos todos os formatos, suas experiências bem e mal sucedidas, para construirmos um modelo de acordo com as nossas necessidades e com a segurança técnica ambiental e jurídica mais adequada para o Rio Grande do Sul”, disse a presidente do órgão.

Tais experiências, porém, foram criticadas pela coordenadora do Instituto Mira-Serra. “A Bahia tem 10 anos (de auto-licenciamento) e 10 anos de coisas erradas. A Bahia só tem exemplos negativos, principalmente na fiscalização”, afirma Lisiane.

Para embasar sua opinião, ela apresentou dados sobre a fiscalização do autolicenciamento no Estado do Nordeste. Entre 2012 e 2015, houve 1.901 licenças emitidas e 151 fiscalizadas, sendo que destas, 135 apresentaram pendências e somente 16 estavam regulares – o que representa 0,9% do total de licenças expedidas no período.

Já entre 2016 e 2019, foram 1.404 licenças emitidas e somente 80 fiscalizadas (6% do total). Dentre as 80 fiscalizadas, 71 apresentaram pendências ou irregularidades (89% das fiscalizadas) e 9 estavam regulares (0,6% do total). Mais recentemente, entre 2019 e 2021, foram emitidas 1.044 licenças e apenas 152 fiscalizadas, 8% do total.

“Então esse argumento de que vai haver maior fiscalização, não é exatamente o que acontece. Aliás, ouvimos essa mesma história quando houve delegação de competência para os municípios no ano 2000”, pondera a coordenadora do Instituto Mira-Serra, lembrando do pioneirismo do RS na descentralização do licenciamento ambiental com impacto local, com exceção da Mata Atlântica.

“O discurso era exatamente esse, de que os municípios iriam se estruturar pra ficar melhores, mais atuantes, e que iria melhorar a fiscalização por parte do Estado porque estava sendo delegada essa competência para os municípios. Melhorou?”, indaga Lisiane. “Temos 10 anos da experiência da Bahia em números, não são especulações.”

Na visão da coordenadora do Instituto Mira-Serra, tem havido um “tratoraço” no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). “Estou há mais de 10 anos no Consema e nunca tinha presenciado uma postura como a que agora está sendo vista”, afirma.

A resolução aprovada define a Licença Ambiental por Compromisso (LAC) “como um procedimento eletrônico autorizando a localização, a instalação e a operação da atividade ou do empreendimento, mediante Declaração de Adesão e Compromisso (DAC) do empreendedor aos critérios, pré-condições, documentos, requisitos e condicionantes ambientais estabelecidos pela autoridade licenciadora e respeitando as disposições definidas”.

Conforme o documento, a LAC valida em uma única etapa a viabilidade ambiental do empreendimento, assim como autoriza a sua instalação e operação. Segundo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), para isso deverão ser “observados, implementados e mantidos os controles ambientais impostos para a atividade potencialmente poluidora”.

O prazo de validade da LAC deverá ser de, no mínimo, 5 anos e no máximo 10 anos, conforme as características da atividade econômica e a critério do órgão ambiental competente.

Sobre a fiscalização, a resolução destaca que, além dos casos previstos na legislação, o órgão ambiental licenciador, “mediante decisão motivada”, poderá “suspender, cancelar ou anular uma licença expedida, quando identificada informação falsa, omissa ou enganosa de temas determinantes para a emissão da licença”.

As responsabilidades técnica, administrativa, civil e criminal sobre as informações e documentos anexados ao processo de licenciamento para obtenção da LAC são do empreendedor e de seu responsável técnico.


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