![Coletivo Corre Preto. Foto: Divulgação](https://sul21.com.br/wp-content/uploads/2024/11/Corre-Preto-1087-450x300.jpg)
Motivados pela falta de inclusão racial na prática de esportes, grupos de atletas negros se reúnem em Porto Alegre para treinar e enfrentar barreiras históricas, criando comunidades de incentivo mútuo. Coletivos como o Wakanda Triathlon e o Corre Preto demonstram que a prática de atividade física é uma forma de resistência ao racismo.
O triathlon, esporte que une natação, corrida e ciclismo, exige equipamentos e uma rotina de treinos – por isso, se torna elitizado. Foi pensando nisso que o grupo Wakanda Triathlon surgiu em 2019. “Com a questão do racismo estrutural, a gente via poucas pessoas negras participando. Infelizmente, ainda é muito forte a cultura de que o negro tem menos condições por todo o processo histórico. Resolvemos criar esse grupo para nos ajudar a continuar praticando o esporte”, relata a bombeira e atleta Anny Ambrósio. “O mais importante é mostrar que os negros podem estar no lugar que eles querem, que a gente trabalha, que a gente tem conquistado a mesma coisa que as outras pessoas”, diz.
Longe de ser uma assessoria paga ou uma equipe que treina sempre junta, o Wakanda é uma comunidade. Só no grupo de WhatsApp, são 115 participantes de todo o Brasil trocando experiências sobre treinos e provas. “Nos incentivamos diariamente”, resume Anny.
Criado há cinco anos, o nome do grupo é inspirado no país fictício das histórias da Marvel Comics. A Wakanda dos quadrinhos e filmes é o lar do super-herói Pantera Negra, localizada na África subsariana. Já os atletas de Triathlon costumam se encontrar nas provas país afora, mas quem mora em Porto Alegre acaba treinando no mesmo lugar. A Orla do Guaíba é palco desses encontros.
“Só a gente sabe realmente quais são as dificuldades que a gente passa”, desabafa Anny. “Se eu estiver pedalando e furar um pneu no meio do caminho, não vai ser qualquer pessoa que vai parar pra me ajudar. Mas é muito provável que, se for outra pessoa negra ou uma pessoa que estiver participando do Wakanda – nós criamos um uniforme e nos identificamos desta forma –, ela vai com certeza parar. Por causa do racismo, isso não acontece com qualquer pessoa. Mas sei que posso contar com os demais que estão participando do Wakanda”.
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Em 2023, o corredor Vitor Hugo Oliveira decidiu juntar um grupo de pessoas negras para praticar corrida. O intuito também veio da falta de representatividade: “ele percebia que não tinha pessoas pretas onde ele corria”, afirma a psicóloga Monique Machado, atualmente uma das coordenadoras do coletivo. O primeiro encontro do Corre Preto, no final ano passado, teve sete pessoas; em 2024, o projeto ganhou corpo e já tem mais de 2 mil inscritos para a corrida alusiva ao Dia da Consciência Negra.
“No mundo do esporte, é grande o número de atletas negros – não necessariamente brasileiros. Além do futebol, as pessoas negras correm. É um lugar de acesso para sair da pobreza. Mas, falando em Brasil, quem tem condições de pagar um tênis caro e uma assessoria são as pessoas não negras”, explica Monique.
Para além da representatividade, o Corre Preto carrega a causa da saúde da população negra. Monique explica que as consequências do racismo reverberam até hoje e, por isso, problemas como diabetes e hipertensão são mais comuns entre os negros. Além disso, o grupo étnico sofre com questões de saúde mental e pessoas negras são as que mais desenvolvem deficiências em consequência de problemas de saúde. Um dos motivos disso, segundo a psicóloga, é que pessoas pretas têm menos acesso à atividade física.
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“Os espaços que validam e valorizam a prática de atividade física são em bairros nobres. Nas comunidades, não tem espaço para que as pessoas possam praticar esportes. Se tem, é sem uma boa estrutura ou policiamento. São resquícios do racismo que acabam influenciando nisso”, afirma Monique. “O esporta é uma forma de ir contra o genocídio de corpos negros. Muitas pessoas acham que o genocídio é só quando um jovem negro é assassinado, mas é também a má alimentação e a falta da prática de atividades físicas. Queremos fazer com que as pessoas pretas se movimentem”.
Os eventos de corrida são gratuitos e acontecem uma vez por mês, com inscrição lançada 20 dias antes pelas redes sociais. Aberto a todo tipo de atleta – do iniciante ao avançado, com qualquer idade, inclusive pessoas cadeirantes – os treinos acontecem em espaços públicos. “A ideia é fazer circular o Corre Preto. Já treinamos no Anfiteatro Pôr do Sol, e este mês o encontro vai sair da escola de samba Imperadores. Queremos ocupar esses espaços”, salienta a coordenadora.
Uma das inspirações para o Corre Preto, o vencedor da primeira Maratona Internacional de Porto Alegre foi um homem negro. Adão Camões venceu a prova em 1983. Hoje com quase 70 anos, ele não pratica mais o esporte, mas o legado persiste e seu filho participa do coletivo de corrida.
“Ver que sim, apesar de todas as intercorrências, a primeira pessoa a vencer a maratona é negra, é muita representatividade para nós. Apesar do racismo nos impedir de ter muitas coisas, a gente consegue enfrentar isso e ser campeão de uma maratona. Ele foi campeão com quase 30 anos, e fez isso muitos anos atrás, para hoje podermos ter essa liberdade de participar da maratona e correr na orla. Ele abriu portas”, diz a coordenadora do projeto.
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