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18 de maio de 2024
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10:14

Marketing ou impacto social? Empresas ajudam de formas diferentes na tragédia das enchentes no RS

Ambev promoveu o envase de água potável em fábrica de cerveja em Viamão | Foto: Divulgação/Ambev
Ambev promoveu o envase de água potável em fábrica de cerveja em Viamão | Foto: Divulgação/Ambev

Fabio Canatta

Como diversas empresas, a Ambev está ajudando as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. A produção de cerveja na planta de Viamão foi paralisada para o envase de água potável. A decisão foi divulgada para a imprensa, que transformou o ato de solidariedade em notícia publicada amplamente em portais de todo o País. Do dia 5 ao dia 16 de maio, foram mais de três milhões de litros. E a produção segue por tempo indeterminado. Para um Estado devastado pelas cheias e com bairros da Capital e cidades inteiras do interior ainda sem abastecimento de água, a doação, sem dúvida, é fundamental.

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A Ambev é a maior fabricante de cervejas do Brasil. Em 2023, apenas a unidade de Viamão produziu 990 milhões de litros da bebida. Se considerarmos o tempo levado para envasar cerveja como parâmetro, a doação de água neste período de onze dias equivale em litros a um dia de produção da fábrica. As latas para o envase são uma colaboração da Ball, uma empresa parceira da cervejeira, e direcionadas à Defesa Civil, à ONG Instituto da Cidadania e às lojas do Hipermercado Zaffari, que ofereciam quatro unidades para quem passasse por elas. Embora aquelas pessoas que estão sem água em casa e também não têm condições financeiras de adquirir, dificilmente façam suas compras nos hipermercados da rede.

“A gente percebe que a visibilidade de algumas ações não está necessariamente relacionada ao seu impacto. Há iniciativas muito focadas na resolução de problemas e outras mais atraentes do ponto de vista da visibilidade. Também é possível perceber o esforço e investimento feito por muitas empresas para que essas notícias circulem, o que se relaciona ao quanto ganham notoriedade no debate público.” A análise é do professor do Curso de Relações Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Diego Wander Montagner.

Diego liderou uma pesquisa que mapeou iniciativas de ajuda aos gaúchos promovidas pelas 50 maiores empresas do Brasil. O levantamento evidencia ações empreendidas por essas organizações, desde o resgate e apoio aos desabrigados até doações financeiras e de insumos feitas até o dia 9 de maio. No que diz respeito a recursos financeiros, a lista é liderada pela Petrobrás – empresa mista de capital aberto, cujo maior acionista e controlador é a União – com R$5,6 milhões, destinados ao financiamento de ações do Movimento União BR. A gigante petroquímica Braskem, que tem unidade em Triunfo, e se diz uma das maiores empresas do Estado, aparece no outro extremo da lista. A empresa não tem qualquer registro de doação financeira, de insumos ou mesmo atuação de ajuda humanitária. O levantamento considerou as informações anunciadas pelas companhias nos seus sites e nas suas redes sociais.

Consultada pela reportagem, a Braskem informou que, hoje, já soma R$ 5 milhões em doações de matéria prima para os seus clientes que podem contribuir no auxílio àqueles que mais precisam neste momento. Além disso, a empresa distribuiu duas mil cestas básicas e dois mil kits de higiene e limpeza para as comunidades de Triunfo, Montenegro e Nova Santa Rita – localizadas no entorno do Polo Petroquímico, onde a empresa opera no Estado.

“Tem estudos no campo da reputação que mostram o quanto empresas que conseguem se colocar bem no enfrentamento de situações de calamidade como essa acabam ascendendo em termos reputacionais muito rápido. Então, o retorno que se tem desse investimento acaba sendo muito mais qualificado se comparado com outras iniciativas de publicidade, de comunicação e de marketing. Então, muitas enxergam e acabam buscando ganhos de imagem e reputação neste momento”, explica Diego. Por outro lado, ações mal sucedidas podem potencializar prejuízos.

A Grendene, uma das maiores fabricantes de calçados do mundo, teve que vir à público explicar um e-mail enviado aos seus funcionários da fábrica localizada em Farroupilha, cuja prefeitura decretou situação de calamidade pública diante dos estragos provocados pelas chuvas. A empresa, que é dona de marcas como Melissa, Ipanema e Rider, enviou a seguinte mensagem aos seus colaboradores: “Neste momento difícil, onde passamos pela pior tragédia de nossa história, que tal doar os itens da sua cesta básica para as pessoas que mais precisam agora? Ponto de coleta: almoxarifado” O print do e-mail foi parar nas redes sociais e as críticas à iniciativa se multiplicaram.

Em nota para o Sul21, a empresa explica que o departamento de Recursos Humanos aproveitou a comunicação sobre a entrega das cestas básicas dos funcionários “para orientá-los sobre como as doações poderiam ser realizadas e que posteriormente a empresa se encarregaria da entrega”. E garante que “em nenhum momento solicitou que doassem as suas cestas básicas”.

Sobre a participação na ajuda aos desalojados, a Grendene informa que cedeu estrutura física para receber donativos e doou cerca de 40 mil itens – entre calçados, galochas, toalhas, meias, brinquedos e almofadas -, 50 mil litros de água e 500 mil embalagens de quentinhas.

 

Muitas empresas dizem ter contribuído com as operações de resgate | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

O Ranking da Revista Amanhã lista as 100 maiores empresas do Rio Grande do Sul a partir de critérios como patrimônio e receita. A reportagem do Sul21 entrou em contato com as cinco primeiras e traz as principais ações e recursos financeiros investidos na ajuda humanitária. As informações foram fornecidas pelas assessorias de imprensa de cada uma das companhias.

Como a quinta colocada é o Banrisul – uma empresa pública -, começamos pela sexta colocada: Instituto SLC, do Grupo SLC, do ramo do agronegócio. Além de auxiliar com equipamentos, logística e captação de verba, fez uma doação em espécie para a campanha de auxílio ao Rio Grande do Sul: R$ 500 mil ao Banco de Alimentos.

Em quarto lugar, a Lojas Renner, uma das maiores varejistas de moda do Brasil. Segundo a assessoria, a empresa financiou o aluguel de barcos na Capital e na Região Metropolitana que teriam feito 900 resgates. Além disso, as doações somam 80 mil roupas, 75 mil litros de água, cinco mil peças de roupas de cama e toalhas, 14 mil cobertores, 14 mil itens de higiene e limpeza, além de 15 toneladas de alimentos. Por fim, o Instituto Lojas Renner está promovendo uma campanha de doação na qual promete dobrar o valor arrecadado para as cidades mais atingidas pelas enchentes.

A CMPC, que aparece em terceiro lugar no ranking, é uma das maiores do setor florestal. No Rio Grande do Sul, está presente na cidade de Guaíba através da Unidade da Celulose Rio Grandense. A empresa informa ter usado caminhões, retroescavadeiras e um helicóptero no resgate de pessoas e animais. Além disso, a companhia doou quatro mil cestas básicas, dezenas de banheiros químicos e cerca de 750 colchões para abrigos de Guaíba.

A produtora de fertilizantes Yara Brasil, segunda colocada no ranking das maiores empresas do RS, não respondeu às nossas mensagens e também não divulgou qualquer ação ou doação em seu site e redes sociais. Em primeiro lugar na lista, aparece o Sicredi, cooperativa do setor financeiro presente em 397 municípios do Estado. Através da sua fundação, a instituição informa que está organizando uma campanha de doações, além de apoiar parceiros em centros de distribuição de donativos, mas não realizou até o momento doações. Para os associados, divulgou uma série de medidas, entre elas: a postergação do vencimento das parcelas dos empréstimos e dos financiamentos, além do bloqueio dos protestos e negativações automáticas de títulos.

“É sempre importante considerar as condições de cada empresa, da sua realidade. O quanto tudo isso impactou no seu faturamento, na sua estrutura de distribuição, de logística, nos preços dos seus insumos, nos seus estoques, etc. Por isso, fica difícil avaliar se é muito ou pouco. Como a gente não sabe, a priori, toda ajuda é positiva, toda ajuda é bem-vinda”, é o que defende o professor Alessandro Donadio da Faculdade de Economia da UFRGS.

Outras empresas se destacam no ranking por liderar os seus setores de atuação e até obterem destaque nacionalmente. É o caso da CIA Zaffari, que ocupa o primeiro lugar no ranking dos maiores supermercadistas do Rio Grande do Sul e o 12º lugar em nível nacional, com faturamento anual de R$ 7,6 bilhões. A sua colaboração às vítimas da tragédia que assola o Estado foi de 450 toneladas de alimentos e 500 mil litros de água, encaminhados através de entidades assistenciais e da Defesa Civil. A empresa auxiliou ainda com logística e espaços físicos que dão suporte para outras ações, além de mobilizar outras doações através de marcas parceiras.

No setor da construção civil, a Melnick não mencionou doação de valores, mas garante ter dado apoio logístico; oferecido estrutura de apoio para donativos, abrigos e para o ponto de saída e chegada de embarcações instalado na Usina do Gasômetro; colaborado com combustível usado em resgates; financiado caminhões pipa para abastecimento de hospitais; entre outras iniciativas.

A MRV Engenharia doou R$ 30 mil para o Instituto Cultural Floresta e R$ 50 mil em parceria com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) para o Governo do Estado. Junto com o clube Atlético Mineiro, promoveu um treino solidário, no qual os R$660 mil arrecadados com a venda de ingressos foram revertidos para o Rio Grande do Sul, além de dez toneladas de donativos. A Cyrela decidiu não responder à reportagem. Em seu site e nas suas redes sociais também não há qualquer informação sobre ajuda ou doação.

As duas maiores redes de farmácias do Estado anunciaram uma série de medidas. A Panvel realizou uma campanha com os clientes, com a qual já arrecadou R$ 1 milhão, sendo R$ 500 mil doados pela população e outros R$ 500 mil pela empresa. Estes últimos, foram revertidos em medicamentos, itens de higiene e primeiros socorros. A empresa também reduziu os preços dos produtos mais procurados pela população nas lojas para doação e mantém congelados os preços dos medicamentos.

A Rede de Farmácias São João criou um programa que oferece 80 tipos de medicamentos de uso contínuo de graça para os gaúchos dos municípios mais atingidos pelas enchentes até o dia 31 de maio. São remédios contra a hipertensão, asma e diabetes, além de anticoncepcionais. As informações sobre os municípios e os medicamentos que integram o programa podem ser consultadas no site da empresa. Além disso, a São João ajudou também na logística, com caminhões e aeronaves que transportaram inclusive oxigênio para hospitais.

Donadio avalia que o trabalho desenvolvido pelos voluntários e também pelos setores empresariais têm um papel bastante importante na recuperação do Rio Grande do Sul. Porém, chama a atenção para para um processo de supervalorização, de ascensão de um discurso equivocado de que o “povo vai salvar o povo”. Para ele, as pessoas físicas e as empresas são fundamentais especialmente num primeiro momento, numa etapa de muitas urgências simultâneas, principalmente pela capacidade de rápida mobilização de forças e de ação. “Mas nada disso substitui o Estado. Só o Estado com a sua capacidade de planejamento, de ação e de investimento de recursos extraordinários consegue dar a resposta necessária. Inclusive, induzindo e influenciando o setor privado. O protagonismo da reconstrução que a gente tem pela frente, precisa fazer e vai conseguir fazer, é e precisa ser do Estado”.


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