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23 de maio de 2024
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18:06

‘Eu não teria aberto as comportas’, diz ex-diretor do DEP e do Dmae

Por
Bettina Gehm
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Comporta foi retirada na tarde de sexta (17). Foto: Alex Rocha/PMPA
Comporta foi retirada na tarde de sexta (17). Foto: Alex Rocha/PMPA

Diante dos novos alagamentos em Porto Alegre nesta quinta-feira (23), ex-diretores do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) e do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) criticaram a medida da Prefeitura de derrubar comportas do Guaíba na semana passada para que a inundação pudesse ser escoada. Em coletiva de imprensa na sede do Sindicato dos Engenheiros (Senge), os especialistas voltaram a reforçar a necessidade de manutenção das comportas e das casas de bombas da cidade.

Mestre em Planejamento Urbano e Regional, a engenheira Nanci Giugno explicou que a cidade conta com dois sistemas: o de comportas e o de drenagem. “Os dois não funcionaram. Hoje vemos água da chuva, da bacia como um todo, que não consegue sair da cidade porque estamos sem a proteção da inundação e sem a eficiente drenagem interna da cidade”.

As casas de bombas da cidade ainda estão operando parcialmente, algumas com auxílio de geradores. Na semana passada, o grupo de especialistas havia sugerido fazer uso de bombas flutuantes para recuperar o sistema nesse meio tempo.

“Eu não teria aberto a comporta do muro. Quando se abre a comporta do muro, perde-se o controle da relação lago-cidade”, afirmou o engenheiro Augusto Damiani. Ex-diretor do DEP e do DMAE, Damiani tem 40 anos de experiência em drenagem urbana.

O engenheiro Vicente Rauber, que já dirigiu a CEEE e o DEP, afirmou que as soluções imediatas seguem sendo as mesmas que os especialistas já defenderam na semana passada. O grupo chegou a se reunir com o prefeito Sebastião Melo (MDB) na última sexta-feira (17) para sugerir que fossem vedadas as comportas e as tampas violadas dos condutos forçados Polônia e Álvaro Chaves, entre outras medidas emergenciais.

Rauber defendeu ainda que havia tempo para realizar a manutenção do sistema depois da enchente de novembro do ano passado. “A própria natureza mostrou o que tinha que ser consertado nas comportas. As casas de bombas têm operadores 24 horas por dia, que avisam os problemas da casa para os chefes. Certamente o fizeram, e elas também não tiveram seus problemas resolvidos a tempo”.

No manifesto que assinaram em 13 de maio, 42 engenheiros fizeram o primeiro alerta de que o sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre é robusto, eficiente e fácil de operar e manter – mas falta uma manutenção permanente, especialmente em relação às comportas.

“A manutenção não é só física, é de gestão. Se um modelo é desenvolvido para uma cidade com x habitantes, ele funciona. Mas se toda a área de várzea é ocupada com construções, a condição de permeabilidade muda”, acrescentou o engenheiro Darci Campani, membro do conselho diretor da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES).

Campani também defendeu a importância da gestão pública de órgãos como o Dmae. “Empresas privadas competentes existem, mas para conhecer o sistema de drenagem não pode ser um funcionário que é admitido hoje e demitido amanhã. Tem que ser funcionário público, tem que ter história”.

Quatro diques externos (Na Freeway, na Av. Castelo Branco, na Av. Beira-Rio e na Av. Diário de Notícias), além do Muro da Mauá, somam aproximadamente 60 km. Já os diques internos da cidade são formados pelas margens dos principais arroios que deságuam no Guaíba, especialmente o Dilúvio. Ao longo do sistema existem 23 casas de bombas, que também possuem comportas.

Os engenheiros explicam que esse sistema, quando totalmente fechado, impede o extravasamento das águas sobre Porto Alegre e evita a inundação até a cota de 6 m. As águas geradas dentro da cidade são retiradas através do bombeamento das casas de bombas, diques internos e condutos forçados (dutos completamente fechados que levam as águas para o Guaíba desde os pontos mais altos). Ou seja, os dois sistemas – de proteção e de drenagem – precisam funcionar de forma integrada.

Tanto as comportas ao longo do Muro da Mauá e abaixo da Av. Castelo Branco, quanto as que ficam junto às casas de bombas carecem de manutenção, segundo os especialistas. Os vazamentos observados nesta enchente estão em boa parte das comportas sem manutenção.

No ano passado, quando o sistema foi acionado durante as inundações com início no Vale do Taquari e que também inundaram a Região Metropolitana, as deficiências nas comportas ficaram visíveis. De acordo com o manifesto, “fáceis de serem sanadas, mas não foram”. As próprias casas de bombas, bem como as Estações de Bombeamento de Água Bruta (EBABs) ficaram inundadas neste mês de maio. Além disso, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) atua em situação que os engenheiros consideram “muito desfavorável”, com o quadro de funcionários reduzido.


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