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21 de maio de 2024
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16:07

Especialistas dizem a Melo que recriação do DEP é essencial para enfrentar futuras enchentes

Por
Luís Gomes
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Vicente Rauber (à esquerda do prefeito Melo) participou da reunião e conversou com o Sul21 | Foto: Arquivo Pessoal
Vicente Rauber (à esquerda do prefeito Melo) participou da reunião e conversou com o Sul21 | Foto: Arquivo Pessoal

Em reunião realizada na última sexta-feira (17) com o prefeito Sebastião Melo (MDB), representantes dos signatários de um manifesto assinado por ex-diretores do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), do extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) e da recém privatizada Corsan, em conjunto com outros especialistas na área, defenderam a recriação do DEP como uma das medidas essenciais para o enfrentamento de futuras enchentes em Porto Alegre. A extinção do DEP foi proposta pelo ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) e aprovada pela Câmara em 2017, primeiro ano da gestão anterior.

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O manifesto, divulgado no dia 13 de maio, sugeria uma série de medidas a serem adotadas para reforçar o Sistema de Proteção Contra Inundações de Porto Alegre e facilitar o processo de vazão da atual inundação que atinge a cidade, bem como medidas futuras para a prevenção de novas enchentes. Representante dos signatários no encontro ao lado da engenheira Nancin Begnini Giugno, o engenheiro Vicente Rauber, especialista em planejamento energético e ambiental, ex-diretor do DEP e da CEEE, entre outras entidades, destacou que o objetivo da reunião foi apresentar essas medidas e sugestões ao prefeito.

Vicente diz que o tom do prefeito foi cordial, mas que ele pontuou que o sistema de proteção era muito antigo e que várias gestões anteriores não haviam realizado a manutenção, o que contraria o posicionamento dos 48 signatários do manifesto, que defendem que o sistema é “robusto, eficiente e fácil de operar e manter”, bem como foi planejado para proteger a cidade para eventos como a enchente de 1941 por um período de 100 anos.

“Nós tivemos que retrucar dizendo que o sistema foi projetado na década de 60, construído a partir da década de 70 pelo então DNOS [antigo Departamento Nacional de Obras de Saneamento], com o projeto de engenheiros alemães que projetaram o tempo de recorrência de 100 anos. É a expectativa que você tem que neste período, não significa que exatamente esse tipo de evento possa voltar a ocorrer. E então foi projetado um sistema na cota de 6 metros. Esse sistema, como nós colocamos no nosso documento, é robusto, eficiente, fácil de operar e fácil de manter, explicamos isso. Agora, evidentemente, houve falhas muito sérias de manutenção nas casas de bombas e nas comportas que deveriam ter sido feitas. Aliás, elas ficaram muito claras na inundação do ano passado e não se fez nada. Então, houve sim, enquanto existia o DEP, manutenção deste sistema e que agora não foi feita”, diz Vicente.

Segundo o engenheiro, durante o encontro, Melo e outros representantes da Prefeitura presentes não admitiram falhas da atual gestão e defenderam que o Dmae teria capacidade para resolver os problemas de contenção da cheia apresentados. “Eu imagino que estejam fazendo a sua própria defesa, mas não é só o nosso documento que aponta coisas que deixaram de ser feitas. Por exemplo, vazaram documentos internos do Dmae e da Prefeitura onde os engenheiros haviam alertado profundamente quais as coisas que tinham que ser corrigidas imediatamente, e não foram corrigidas. Portanto, essa opinião não é só nossa, todas as pessoas que conhecem o sistema e que têm algum acompanhamento deste sistema estão dizendo o que nós estamos dizendo”, afirma.

Para Vicente, uma das principais medidas que precisam ser tomadas no futuro é a recriação do DEP, uma vez que uma cidade que tem 40% de sua área no mesmo nível da cota de inundação do Guaíba (de 3 m) precisaria de uma estrutura voltada especificamente para a drenagem urbana e para manutenção das 23 casas de bombas existentes. “A extinção do DEP fez com que não se tivesse o devido cuidado, não tivesse manutenção, que não é cara, mais que precisa ser feita permanentemente”, diz.

Segundo ele, o prefeito questionou no encontro se os representantes dos técnicos defendiam a recriação do departamento ou alguma estrutura semelhante. “Eu disse: ‘Prefeito, não precisa perguntar isso para nós, basta você olhar o que está acontecendo na cidade, aí você tem a resposta”.

O problema da antiga estrutura e funções do DEP estarem subordinadas ao Dmae, segundo Vicente, é que são departamentos com objetivos diferentes e vincular a drenagem urbana ao abastecimento de água faz com que a fonte de financiamento da primeira acabe sendo a conta dos consumidores, o que exige que o custo da drenagem esteja na tarifa de água. Ou, por outro lado, que a drenagem urbana fique sem recursos, como aconteceu nos últimos anos. “Não é compatível administrativamente você juntar os dois departamentos, porque precisa de um olhar específico, precisa de um trabalho específico para esta atividade. Através do DEP, a cidade de Porto Alegre tinha a única estrutura de primeiro Escalão a cuidar desta atividade”, pontua.

No manifesto, os especialistas apresentaram cinco medidas emergenciais para auxiliar na redução das enchentes em Porto Alegre — o nível do Guaíba ainda estava na casa dos 5 m quando o documento foi redigido. Eram elas:

1) Através de mergulhadores vedar as comportas do muro e Av. Castelo Branco, com sacos permeáveis à entrada de água preenchidos com areia misturada com cimento, borrachas e parafusos. Sugerimos prioridade para a comporta 14 que invadiu o bairro Navegantes;

2) Também com mergulhadores vedar as comportas e colocar ensecadeiras nas casas de bombas com stop logs, solda sub-aquática e bolsas infláveis de vedação;

3) Vedar hermeticamente as tampas violadas dos condutos forçados Polônia e Álvaro Chaves;

4) Com as casas de bombas secas e protegidas por ensecadeiras, reenergizá-las, o que pode ser realizado com redes paralelas de cabos isolados pela Equatorial. Se assim não for possível, utilizar diretamente nas casas de bombas geradores movidos a combustível;

5) Caso não seja possível operar imediatamente as casas de bombas, utilizar bombas volantes de grande vazão para drenar o Centro Histórico e os bairros da região norte da cidade. No caso do bairro Sarandi, onde as águas superaram a cota de 6 m e a casa de bombas nº 10 está completamente inundada, é certo que serão necessárias bombas volantes.

Segundo Vicente, algumas das medidas sugeridas foram sendo adotadas aos poucos, como as referentes às casas de bombas. “O que não está sendo feito e que nós sugeríamos que também emergencialmente se fizesse foi eliminar ainda debaixo d’água, através de mergulhadores, os vazamentos que existem nas casas de bomba. Eles, na prática, estão apostando que a água vá baixar rapidamente e daí não seria mais necessário isso”, diz.

Para além das medidas emergenciais, o manifesto também apresentou cinco propostas a serem adotadas quando as águas baixarem, o que inclui a recriação do DEP. “É preciso, tão logo as águas baixarem, tratar de consertar todas as comportas do sistema, tanto essas que estão ao longo do muro da Mauá, debaixo da Avenida Castelo Branco, bem como as comportas junto às casas de bombas e os reparos urgentes nas casas de bombas. Isso precisa ser feito ontem. E depois, temos outra sugestões, como por exemplo, retomar o plano de ampliação e modernização das casas de bombas, cujo dinheiro que já havia sido conseguido junto ao governo federal a fundo perdido foi perdido, mas o plano continua lá, ele pode ser executado”, afirma o engenheiro.

Vicente diz que a reunião teve curta duração, uma vez que o prefeito tinha outros compromissos, mas que ele se comprometeu a continuar conversando.

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura para pegar um posicionamento sobre a recriação do DEP e os temas discutidos na reunião, mas não obteve retorno até o fechamento.


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