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1 de março de 2023
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09:23

Trabalhadores denunciam histórico de assédio moral, transfobia e racismo na Fase

Por
Luís Gomes
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Apesar de acordo firmado há 10 anos, assédio moral continua sendo um problema grave na Fase, segundo trabalhadores. Foto: Divulgação/Fase
Apesar de acordo firmado há 10 anos, assédio moral continua sendo um problema grave na Fase, segundo trabalhadores. Foto: Divulgação/Fase

Denúncias de assédio moral contra trabalhadores há anos acompanham o funcionamento da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase). Há dez anos, a fundação já foi obrigada a firmar um acordo para adotar medidas para coibir os rotineiros casos denunciados, que vão desde ameaças de transferência para servidores que questionam ordens, até práticas de transfobia e racismo. Oficialmente, a direção da entidade diz que não tolera nenhum tipo de assédio, discriminação ou perseguição, e que adotou uma série de programas para combater tais práticas. No entanto, trabalhadores afirmam que o discurso não tem efetividade para coibir a recorrência do problema.

De acordo com o Semapi, que representa os trabalhadores de fundações estaduais, o assédio moral continua sendo um problema grave na Fase. Em manifestação divulgada no início do mês, o sindicato afirmou que as denúncias de assédio na instituição e na Fundação de Proteção Especial (FPE) vêm crescendo nos últimos anos.

“A combinação de um ambiente em que há pouco investimento em Recursos Humanos e estrutura, aliada à gestão incompetente do governo do Estado, tem resultado em problemas de saúde, afastamentos e mesmo pedidos de demissão de colegas. Percebidos em diversos níveis hierárquicos, os diferentes tipos de constrangimentos cobram um preço alto de trabalhadores e trabalhadoras, afetando diretamente a prestação de serviço de excelência das fundações”, diz.

De acordo com o Samapi, o assédio moral é o elemento mais denunciado por trabalhadores, seguido por machismo e racismo. O sindicato também destaca que chefias, coordenações e direções, de modo recorrente, aproveitam de sua posição de poder para penalizar quem aponta erros na gestão das unidades ou faz críticas à condução dos trabalhos, mesmo em casos em que as denúncias apontam irregularidades nas ações de superiores.

Um episódio relatado em um documento do Semapi que compila denúncias de trabalhadores aponta que um homem em posição de chefia de unidade tem o costume de abraçar funcionárias e passar o braço em suas cinturas, deixando-as desconfortáveis. O mesmo chefe é acusado de estabelecer a obrigatoriedade do uso de jaleco para as servidoras mulheres com o objetivo de que os internos do sistema socioeducativo não “olhassem para o corpo delas”, regra que inexiste na fundação.

Em julho de 2013, foi firmado um Termos de Ajuste de Conduta (TAC) entre o MPT-RS e a Fase, com obrigações pensadas para impedir a ocorrência de assédio moral no ambiente de trabalho. Atualmente, o MPT está apurando denúncias de possível descumprimento do pactuado nesse acordo. Contudo, o órgão informou ao Sul21 que as diligências ainda estão em estágio inicial e que não poderia se manifestar sobre o processo, sob pena de prejudicar o andamento das investigações e também para proteger os denunciantes.

Em 22 de novembro de 2022, o Semapi já havia publicado que tinha tomado ciência de que trabalhadores da Fase estavam sendo vítimas de “condutas hostis, humilhantes e excludentes em repetidos contextos”. Na nota, o sindicato aponta que relatos envolvem situações de transfobia, homofobia e racismo e que acionou a direção da fundação para tomar medidas cabíveis.

No dia seguinte, o então presidente da Fase, José Antônio Matos Reus, encaminhou um e-mail para todos os funcionários da Fase em que afirma que “sistematicamente adota medidas administrativas para fortalecer relações interpessoais no ambiente de trabalho”. A manifestação do presidente, coassinada pela diretora de Qualificação Profissional e Cidadania, Ledi de Oliveira Teixeira, diz que a gestão da Fase também repudia qualquer manifestação de assédio.

O e-mail informa que a gestão tem tomado medidas para melhorar o ambiente de trabalhado, citando como a exemplo a realização, no segundo semestre de 2022, de um curso específico para tratar do tema do assédio, em que foram abordados tanto o tema do assédio moral e psicológico, como do assédio sexual. Por outro lado, minimiza os relatos de denúncias feitas pelo sindicato, argumentando que, em uma reunião que tratou do tema do assédio moral, apenas uma “situação pontual” fora mencionada, com o entendimento de que o tema já estaria sendo apurado pela Corregedoria da Fase.

Na tréplica, o sindicato argumenta que as medidas de enfrentamento ao assédio na Fase se mostraram insuficientes e questiona o teor da manifestação da presidência da Fase, considerando que ela “buscou desmoralizar o sindicato frente à categoria e validar a reunião realizada às pressas”.

Um dos casos mais graves relatados à reportagem diz respeito a uma situação de transfobia vivida por Lúcia*. Psicóloga e servidora do quadro da fundação, Lúcia iniciou o seu processo de transição de gênero em 2016. Contudo, ela conta que, mesmo após avançar no processo, permaneceu sendo chamada e mencionada no masculino e por termos como “rapaz” e “senhor”. Em uma ocasião, diz, foi chamada de “traveco sem caráter” por uma colega durante um dia de visitas na Fase.

Diante da recorrência dos fatos, ela ajuizou uma denúncia contra a fundação. Em depoimento em audiência judicial sobre o caso, uma das pessoas apontadas por Lúcia como responsáveis pelas manifestações transfóbicas se referiu à servidora dizendo que ela utilizou da “transição de gênero como mera desculpa para justificar transferência para local de trabalho de sua preferência”.

Este fato foi usado pela defesa de Lúcia como uma prova de que existe “brutalidade no local de trabalho”. Lúcia conta que este agressor, que ocupava à época uma posição de chefia, afirmou que ela poderia vir vestida como homem para o trabalho e “fazer a sua sem vergonhice de noite”.

Em sentença de 15 de dezembro de 2020, a primeira instância deu ganho de causa a Lúcia, reconhecendo o direito dela de trabalhar em regime de teletrabalho e condenando a Fase a pagar uma indenização por dano moral no valor de cinco salários dela.

O depoimento que questionou a transição de gênero foi inclusive repudiado pelo juiz na decisão. “(…) Percebe-se a partir de seu depoimento completo desconhecimento a respeito da disforia de gênero e dos distúrbios a ela associados, como por exemplo ansiedade, depressão e irritabilidade. A testemunha chegou a atribuir à autora faltas injustificadas e a utilização da transição de gênero como mera desculpa para justificar transferência para local de trabalho de sua preferência. Se um profissional técnico com missão constitucional de administrar a justiça se refere à autora da forma como ocorrido em audiência, é razoável se admitir que existe brutalidade no local de trabalho, qualificado como machista, discriminatório, homofóbico e transfóbico pela (…)”.

A decisão da primeira instância salientou que a determinação pelo teletrabalho independia do contexto da pandemia e que a modalidade de trabalho deveria ser o home office. “Tendo em vistas as peculiaridades que envolvem a lotação da reclamante em unidades de internação, o atendimento telepresencial é autorizado independentemente do contexto da pandemia e das diretrizes do Conselho de Psicologia”, diz a sentença.

A Fase recorreu, solicitando a manutenção do trabalho presencial, mas a decisão foi mantida.

No entanto, Lúcia foi notificada em 12 de setembro de 2022 para retornar ao trabalho presencial. A decisão passou por uma reinterpretação do jurídico da Fase, que considerou que ela deveria cumprir o trabalho remoto dentro das instalações da fundação. Isto é, que fosse afastada da unidade, mas que fosse lotada na sede administrativa da Fase.

Em pedido de liminar impetrado em 6 de outubro de 2022 para exigir o retorno imediato ao trabalho remoto, a defesa indica que a determinação da Fase foi baseada na Resolução 004/2022, que trata do retorno presencial pós-pandemia, mas alega que isto não deveria se aplicar ao caso de Lúcia, que estava em teletrabalho por decisão judicial. A ação argumenta que a Fase descumpre a sentença judicial a partir de uma “tese jurídica interna” que só vale para Lúcia, o que considera como “mais uma forma de perseguição em desfavor desta empregada”.

A defesa ainda aponta uma contradição da instituição, que, em documentos internos, define teletrabalho como modalidade fora das dependências da organização por meio de equipamentos e tecnologias que permitam o trabalho remoto, mesmo entendimento que consta na CLT. Neste sentido, argumenta que não cabe outra interpretação que não seja a de que o trabalho remoto deve ocorrer fora das dependências do empregador, e solicita que a Justiça restabeleça o teletrabalho de casa para Lúcia.

Além disso, a ação argumentou que a decisão administrativa da Fase colocava novamente em risco a integridade física e psíquica de Lúcia. “Isto porque, desde o início de sua transição de gênero, foi perseguida, humilhada e agredida dentro das dependências da Fundação-Ré [Fase]”, diz o documento.

O pedido de liminar chegou ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), sendo posteriormente encaminhado para o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT).

Contudo, a determinação do retorno ao trabalho presencial não foi o último revés sofrido por Lúcia. Ela conta que o assédio recomeçou e vem sofrendo seguidos episódios de transfobia e medidas que podem ser consideradas como retaliação pelo processo judicial. Em 16 de janeiro deste ano, Lúcia enviou um documento à Secretaria dos Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS) relatando oito tipos de assédio pelos quais vem passando.

1) Quando retornou ao presencial, o nome no sistema da Fase foi alterado para o nome morto de Lúcia, o que já não ocorria anteriormente. O problema foi resolvido posteriormente.

2) Lúcia explica que desde que retornou ao presencial até o dia 15 de janeiro, véspera de enviar o documento, estava sem qualquer função, pois a Fase a retirou de suas atividades, mesmo determinado o retorno ao presencial. “Meus dias se resumem a ir para lá, passar por situações de assédio, realizar tratamentos médicos em decorrência disso e retornar para casa”, escreveu. Acrescentou ainda que apenas após dois meses a fundação criou um login presencial para ela.

3) Aponta que tem recebido o tratamento inadequado, pelo nome morto, e que é “simplesmente aniquilador ser chamada de ‘rapaz’ pelas pessoas”.

4) Diz que sofreu agressões físicas, relatadas em instâncias internas da Fase. Contudo, afirma que não estava confortável para falar sobre isso.

5) Lúcia informa que tem medo diário de encontrar com seu principal algoz — o responsável por questionar a transição de gênero em depoimento –, que seria conhecido de todos e hoje estaria em um cargo de maior poder dentro da Fase, responsável, por ironia, de analisar denúncias feitas pelos trabalhadores, e com outras pessoas que a assediaram de alguma forma.

6) Explica que passou por uma tentativa de invalidação de atestado médico que a diagnosticou com o quadro de “Reação Aguda ao Estresse, relacionada a situações vivenciadas em ambiente de trabalho por atitudes de outros funcionários”, com o médico concedendo 14 dias de afastamento para ela.

7) Conta que foi chamada no masculino pela advogada da Fase em reunião para tratar de sua situação.

8) Conta que é vítima de piadas diversas. “Não raro quando me desloco pela sede (…), algumas pessoas têm o hábito de ficar falando coisas do tipo ‘será que tem cobra?’, ‘Acho que tem viu…’”.

Ela finaliza o documento justificando que estava se manifestando em razão de “vivências cuja insistência, repetição e constância leva-me por vezes ao desespero”.

Em conversa com o Sul21, Lúcia afirmou que as consequências dos assédios diários têm sido profundamente graves e que tem crises de ansiedade, que a obrigaram a voltar a utilizar medicações psiquiátricas “para conseguir suportar o dia a dia de assédios”.

“Eu estou há muito tempo em transição, já troquei o nome, está tudo certo. E, depois de tudo pronto, eu ter que me deparar com isso de novo, me arrumar de manhã sabendo que alguém vai me chamar de rapaz. Eu estou sendo obrigada a ir para a Fase diariamente para não ter nada de função e passar por esse assédio”, diz.

A respeito da denúncia de transfobia contra a Fase, o MPT-RS informou que está em análise no momento “justamente para verificar se o TAC anteriormente mencionado teria sido descumprido de alguma forma”. No entanto, informa que não poderia passar novas informações em razão do processo estar em etapa de diligências.

A deputada estadual Luciana Genro (PSOL) encaminhou na última quinta-feira (23) um ofício ao secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Luiz Henrique Viana, solicitando a tomada de providências urgentes e imediatas para assegurar o retorno da servidora ao regime de teletrabalho. Ela pontua que o retorno de Lúcia ao trabalho presencial foi baseado no entendimento da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) que atribuiu a decisão sobre o caso à “conveniência e oportunidade” da Fase.

No ofício, a deputada diz que “não se vislumbram elementos suficientes para colocar a ‘conveniência e oportunidade’ da Fundação acima da saúde e segurança da servidora, uma vez que, segundo o informado, desempenhou suas funções, ao longo desses dois anos, com maestria e dedicação, atendendo às expectativas de produtividade”. Além disso, pontua que a decisão judicial “visou afastar Lúcia* de um ambiente de trabalho hostil que a colocava em risco e em situação de violência diariamente” e que, portanto, a interpretação pelo retorno ao trabalho presencial não se sustentaria.

Foto: Reprodução

Outro caso grave ao qual a reportagem teve acesso foi uma denúncia de racismo feita ao Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) por um servidor negro nomeado em 2022. No documento, o jovem* diz que foi vítima de racismo por um superior direto em outubro passado. “O mesmo [o superior] contou uma ‘piada’ como trocadilho para se referir ao corpo de uma mulher. A (…) entrou na sala para perguntar uma informação (…), após ela sair da sala o mesmo disse assim: ‘onde os negros se escondiam? Quilombo’, e deu gargalhadas”, diz a denúncia feita ao MPT.

O jovem segue o relato pontuando que o superior em questão tem um histórico de piadas degradantes e grosserias. “A primeira vez que ele me dirigiu a palavra foi de forma totalmente agressiva, me perguntando se eu sabia dar socos, pois, segundo ele, seria requisito para trabalhar lá”, diz o relato.

O jovem conta que, a partir do episódio de racismo, em que o superior se desculpou, em sua avaliação, “de uma forma ignorante” e “fazendo pouco caso”, passou a receber ordens para realizar funções que resultavam apenas em perda de tempo, pois o trabalho era descartado posteriormente, ou para atividades que não seriam de sua competência, como cuidar do e-mail pessoal do superior.

Ele então expôs a situação nas esferas internas da Fase. Em uma primeira esfera, ouviu que a denúncia poderia prejudicar ele próprio, pois ainda estava em fase de estágio probatório. Em um segundo momento, o jovem foi trocado de setor. Posteriormente, foi proposto resolução ao caso por meio de um “círculo de conversa”, o que não resultou em medidas concretas.

“Ao me deparar com uma falta de compreensão, visto que, mesmo que eu fale, atitudes não são tomadas; a parte certa e ofendida da história é quem saí do setor, e a parte ofensora continua na chefia, me sentindo impotente faço essa denúncia para o Ministério Público do Trabalho”, diz o documento.

Após o episódio de racismo, analistas do quadro efetivo da Fase formalizaram uma manifestação de repúdio. “Assinalamos que causa espanto que o fato tenha sido anunciado pelo empregado, seguindo as esferas hierárquicas, sem que tenha havido qualquer contraponto da gestão; ao contrário, houve leniência no tratamento da questão. Não aceitaremos nenhum ato de preconceito praticado contra quem quer que seja no ambiente institucional. É com indignação que observamos nos últimos meses o crescente aumento de práticas outrora contidas, cujos relatos estão chegando até nós de diversas formas: assédio, machismo, misoginia, racismo, homofobia e transfobia. Não podemos e não iremos silenciar!”, diz a manifestação.

 

Foto: Reprodução

Uma das signatárias do documento, Ângela* pontua que o superior que assediou o jovem já tinha tentado lhe agredir no passado. “Nessa reunião que ele tentou me agredir, tinha mais umas 16, 17 pessoas junto. Eu tenho testemunha à vontade disso”, diz.

A avaliação de Ângela é que, apesar de recorrentes, as denúncias de assédio moral e outros tipos de violência acabam apenas por serem “ouvidas” pelas instâncias internas da Fase, sem que medidas concretas sejam tomadas. Pelo contrário, diz ser comum que agressores sejam promovidos após serem denunciados, o que aconteceu no caso de Lúcia*. Em decorrência disso, explica que os servidores, em geral, acabaram deixando de denunciar formalmente os episódios. “O assédio na Fase permeia todas as relações e a gente se acostumou tanto que minimiza algumas coisas que em outros lugares vão dizer que é muito grande”, afirma.

Ângela avalia que a passividade diante dos reiterados episódios de assédio é relacionada ao fato de que, via de regra, os agressores são ligados politicamente às gestões da fundação. “A gente tem um grupo do quadro que se alinha a qualquer gestão e se mantém em cargos de chefia ao longo de 10, 15 anos. Eles praticamente foram só chefes nos últimos anos, porque eles fazem o trabalho sem questionar a direção. Esse menino não sabe nada disso, faz uma denúncia achando que vai acontecer alguma coisa. Nada acontece, é tirado do setor, passa a ser perseguido, passa a ser dito que as coisas vão ficar difíceis para ele por diretoria, por chefia, porque esses grupos se protegem”, diz, referindo-se ao caso do jovem que denunciou racismo.

Ela conta que, após a manifestação dos analistas, foi realizada uma audiência com a direção da Fase. No entanto, em determinado momento deste encontro, um dos principais dirigentes da instituição afirmou que era “bem branco e bem franco”. Nenhuma medida concreta foi tomada.

Com a troca de governo e no secretariado, ainda que mantido o mesmo grupo político no comando da instituição, a situação novamente teria sido exposta. Também sem que medidas concretas contra o assédio moral fossem tomadas.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS), que inicialmente orientou a reportagem a encaminhar questionamentos à presidência da Fase.

Em nota de ofício encaminhada à reportagem do Sul21, o presidente da Fase, José Luiz Stédile, que assumiu o cargo em 7 de fevereiro, afirmou que “não tolera qualquer tipo de assédio, discriminação ou perseguição no âmbito de suas atividades laborais” e, mais uma vez, listou uma série de ações que adota para prevenir e coibir toda e qualquer forma de assédio e discriminação no âmbito de suas atividades.

“A Coordenação de Saúde e Relações de Trabalho (CSRT) atua de forma contínua na atenção à saúde e à qualidade de vida no trabalho, por meio de ações voltadas ao bem-estar físico e mental, tanto no aspecto individual, quando nas relações coletivas”, diz a nota.

O documento elenca ainda uma série de formações realizadas em 2022 que trataram de questões de diversidade de gênero, o que inclui rodas de conversa, seminários, webnários que tratam de questões relacionadas à relação da instituição com jovens do sistema socieducativo e outros eventos relacionadas às relações de trabalho na Fase.

No caso de Lúcia, Stédile reitera o entendimento de que a Fase não foi condenada a colocá-la em teletrabalho de forma integral, mas determina que o atendimento a socioeducandos pela psicóloga deve ser feito de forma remota de um local dentro da sede administrativa da fundação. A Fase diz ainda que o teletrabalho não foi implementado na Fase até o momento, uma vez que a resolução que estabelecerá suas regras ainda está sendo finalizada pela assessoria jurídica da fundação.

A nota também nega que Lúcia tenha sido retirada de suas funções, afirmando que atualmente está lotada no Núcleo de Medidas Socioeducativas, onde teria a responsabilidade de fazer análises técnicas e estudos de caso. Não lista, portanto, como função o atendimento a socioeducandos, o que usa como justificativa para que ela realize o trabalho remoto de dentro das instalações da Fase.

Além disso, a nota de Stédile não se manifesta diretamente sobre os relatos de transfobia apresentados pela servidora. Por outro lado, defende que não pode adotar punições administrativas “de forma antecipada, sem o devido processo legal” contra os acusados de assédio moral, uma vez que estes possuem a garantia constitucional do devido processo legal.

“Por oportuno, ressalta-se que eventual punição administrativa ao arrepio dos princípios e garantias constitucionais caracterizaria perseguição e assédio moral, pois denúncias não ensejam, por si só, qualquer punição, que só poderá ocorrer após o devido processo legal, em respeito aos princípios e garantias já referidos”.

No caso de Lúcia, a Fase já foi condenada em primeira instância pela ocorrência de transfobia.

A respeito do ofício apresentado pela deputada Luciana Genro sobre o caso de Lúcia, a SSPS respondeu à reportagem que encaminhou na segunda-feira (27) um despacho à Fase solicitando informações sobre a situação da servidora. “A vinculada, por sua vez, respondeu na manhã desta terça-feira (28) assegurando que a gestão da unidade de atendimento socioeducativo não tolera qualquer tipo de discriminação, assédio ou perseguição. A Fase realiza, de forma contínua, acolhimento aos servidores, através da Coordenação de Saúde e Relações de Trabalho. Informou ainda que a Corregedoria-Geral da Fase não foi procurada pela servidora para formalização de novas denúncias e provocações transfóbicas”, diz a nota da SSPS encaminhada ao Sul21.

A reportagem, contudo, teve acesso a uma série de documentos e trocas de mensagens que indicam que as denúncias foram, sim, formalizadas por Lúcia junto à corregedoria-geral e também, na gestão passada, para a Secretaria de Justiça, que era a secretaria a qual a Fase estava vinculada no primeiro mandato de Eduardo Leite e foi desmembrada na atual gestão, dando origem à Secretaria dos Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS) e à Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH).  Em janeiro deste ano, como citado acima, ela formalizou novamente a denúncia à SSPS.

Na nota encaminhada à reportagem, a SSPS diz ainda que vem trabalhando no combate à LGBTQIA+fobia e que, em julho de 2021, a então Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo publicou uma portaria para para estabelecer regras específicas para o tratamento de pessoas LGBTQIA+ nos sistemas prisional e socioeducativo do RS.

A pasta cita como medidas que teriam o objetivo de enfrentar a discriminação o fato de que o primeiro concurso estadual que dedicou uma vaga exclusiva para a população trans foi realizado pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), em março de 2022, sendo sucedido por um concurso com as mesmas regras para a Fase.

“Para assegurar um acolhimento digno aos novos servidores, em especial à população trans, a SSPS realizou, em julho de 2022, uma capacitação aos servidores da Fase e da Susepe, fruto de um Grupo de Trabalho (GT) formado por servidores da SSPS, da Superintendência dos Serviços Penitenciários, da Escola do Serviço Penitenciário e da Fase, que discutem ações afirmativas para as questões de gênero e identidade. Por fim, a Secretaria reitera o seu compromisso no combate à discriminação contra as pessoas negras, população trans, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, entre outros grupos dissidentes que necessitam de propostas concretas e políticas públicas para assegurar os seus direitos”, diz a nota secretaria.

*O Sul21 optou por trocar os nomes dos envolvidos e suprimir o nome dos acusados, mesmo todas as partes sendo conhecidas em processos que tramitam na Justiça.
**A reportagem foi baseada em documentos e manifestações formalizadas em processos judiciais e nas instâncias internas da Fase a que teve acesso.


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