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15 de dezembro de 2022
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10:55

Dia do Arquiteto e Urbanista: entre obras icônicas e mudanças simples, que revolucionam vidas

Por
Luciano Velleda
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O Viaduto Otávio Rocha começou a ser construído em 1914 para fazer a ligação direta entre o porto, localizado na área central, e a zona sul da cidade, pela Av. Borges de Medeiros. Foto: Luiza Castro/Sul21
O Viaduto Otávio Rocha começou a ser construído em 1914 para fazer a ligação direta entre o porto, localizado na área central, e a zona sul da cidade, pela Av. Borges de Medeiros. Foto: Luiza Castro/Sul21

A relação das pessoas e da sociedade com a arquitetura remonta aos tempos mais antigos da história das civilizações. Pirâmides egípcias, teatros gregos, arenas e aquedutos romanos, cidades e terraços incas, os prédios de Paris ou os palácios modernistas de Brasília são exemplos de construções que marcam épocas e povos.

No Brasil, desde 2018, a data de 15 de dezembro comemora o Dia do Arquiteto e Urbanista, inserida no calendário nacional pela lei 13.627/2018. A escolha da data é uma homenagem a Oscar Niemeyer, nascido nesse dia em 1907. O 15 de dezembro também marca o dia da fundação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), responsável pela fiscalização e regulação da profissão no País.

Em Porto Alegre, não é exagero dizer que algumas obras, com o tempo, se tornaram verdadeiros símbolos da cidade. O Centro Administrativo do governo estadual é um exemplo. Projetado em 1972 pelos arquitetos Charles René Hugaud, Ivânio Fontoura, Leopoldo Constanzo, Luís Carlos Macchi e Cairo Albuquerque, possui 22 pavimentos, diferente dos 32 que constavam no projeto original. Suas fachadas norte e sul apresentam janelas em fita, enquanto as fachadas leste e oeste são grandes empenas curvas em concreto, sua marca registrada, em referência à arquitetura de Oscar Niemeyer.

Outro caso é a Usina do Gasômetro. Inaugurada em 1928 para ser uma usina de geração de energia elétrica a partir do carvão mineral, funcionou até 1974. Sua chaminé de 117 metros de altura foi construída em 1937 para dispersar a fuligem do carvão, se transformando em símbolo e referência arquitetônica da cidade. Seu projeto e maquinário são oriundos da Inglaterra e foi um dos primeiros prédios em concreto armado da cidade.

A capital dos gaúchos tem ainda outras referências importantes, como a Ponte de Pedra no Largo dos Açorianos, construída por ordem do Conde de Caxias, em 1846, com o objetivo de melhorar a conexão entre o centro da cidade e a região do Praia de Belas. O Viaduto Otávio Rocha, cuja obra começou em 1914, também nasceu com o intuito de  fazer conexão, no caso, entre o porto, localizado na área central, e a zona sul da cidade, pela Av. Borges de Medeiros.

Além das obras que se tornaram marcos, Porto Alegre preserva algumas que contam sua história mais antiga. É o caso do prédio que hoje abriga o Memorial da Assembleia Legislativa, o mais antigo da cidade, inaugurado em 1790; o solar da Travessa Paraíso, no Morro Santa Teresa, construído em estilo colonial em 1820; ou a Travessa dos Venezianos, que abriga um conjunto tombado de 15 casas, datadas do início do século 20 e ocupadas inicialmente pela população de baixa renda.

A cidade guarda ainda obras importantes arquitetonicamente e que podem passar despercebidos pelo público. Um exemplo é a Casa Godoy, na Av. Independência, um raro exemplo do estilo Art Nouveau em Porto Alegre, construída em 1907 com projeto do arquiteto Hermann Otto Menchen; assim como o antigo Edifício Mesbla com sua composição clássica e a esquina valorizada pelo arredondamento negativo do corpo do prédio. Bem mais recente, a Slice House, no Menino Deus, é um projeto de 2004 dos arquitetos Christopher Procter e Fernando Rihl, com referências à arquitetura moderna brasileira e propondo uma geometria prismática complexa, indicando também uma relação com a arquitetura contemporânea europeia.

A Casa Godoy é um raro exemplo do estilo Art Nouveau na cidade, construída em 1907. Foto: Leandro Salister

Presidente do CAU/RS, Tiago Holzmann costuma dizer que o arquiteto, e a arquitetura, são lembrados por duas representações consolidadas no imaginário social: a arquitetura de interiores, com decoração geralmente de alto padrão, e as grandes obras, os ícones que marcam eras e a vida humana sobre a Terra.

Mas, entre a decoração de interiores e as linhas e curvas das fachadas, há todo “o miolo”. Sem querer se afastar do modo como a arquitetura é percebida pela sociedade, é olhando para esse “miolo” que o CAU/RS busca mostrar à população que a arquitetura também é o serviço e as pequenas obras do dia-a-dia. Pode ser uma reforma em casa, a adaptação de um espaço, uma pequena construção do comércio local.

“O arquiteto é o profissional que resolve os problemas do espaço e do ambiente das pessoas”, resume Holzmann. “É importante que as pessoas compreendam e contem com os arquitetos.”

O presidente do CAU/RS comenta que a necessidade de isolamento durante o período mais dramático da pandemia levou muitas pessoas a perceberem a relevância de alterar o espaço da residência. O trabalho em casa, a família sempre junta com atividades distintas, horas e horas dentro do imóvel tendo que combinar lazer e trabalho fez com que a reorganização dos espaços fosse necessária. Mesmo o comércio foi obrigado a criar ambientes, melhorar a ventilação, criar novos acessos.

“Muitas pessoas começaram a procurar arquitetos para melhorar e readequar os espaços”, conta.

Projeto “Nenhuma Casa Sem Banheiro” pretende atender até 600 famílias em 2022. Foto: Luiza Castro/Sul21

Holzmann destaca que muitas vezes uma pequena obra pode mudar a vida de uma pessoa ou família. E cita como exemplo o projeto Nenhuma Casa Sem Banheiro, parceria do CAU com o governo estadual e prefeituras do RS. O projeto surgiu durante a pandemia como ação emergencial no âmbito da assistência técnica para habitação de interesse social nas cidades de Caxias do Sul, Canoas, Pelotas e no Distrito Federal. A iniciativa encontra-se em execução e a estimativa é chegar ao final do ano com cerca de 600 famílias atendidas pelo CAU no RS e mais 1.500 pelo governo do Estado.

Dentre as histórias de transformação proporcionadas pelo projeto, o presidente do CAU/RS lembra o caso de uma senhora que há 20 anos não toma banho de chuveiro. Ou do menino cadeirante que sofre para passar na porta estreita do banheiro de casa. “São coisas simples que o arquiteto pode resolver com facilidade com seu conhecimento. É uma revolução, muda a vida”, afirma.

Também iniciativa do CAU/RS, o projeto Casa Saudável propõe a inserção de arquitetos e urbanistas nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF-SUS) para o trabalho junto às Equipes de Saúde da Família. O objetivo é promover a saúde da população por meio da melhoria da moradia e do seu entorno.

Para Holzmann, uma boa arquitetura sempre será sustentável. Mas reforça: uma boa arquitetura, o que inclui aspectos como iluminação, ventilação, uso de materiais adequados, entre outras decisões.

A palavra “sustentabilidade”, ele acredita, muitas vezes é inclusive incorporada para fins puramente comerciais, levando ao desvirtuamento do conceito. E lembra um caso na cidade em que determinada obra importou da Alemanha vidros de alta tecnologia caríssimos, reflexivos e anti raios UV, enquanto um elemento de sombreamento da fachada, como um beiral, poderia resolver a questão. “Sustentabilidade também é tomar a decisão correta do projeto.”

Entre as obras que se tornam icônicas numa cidade e as pequenas reformas que transformam vidas, a arquitetura, e os arquitetos, são agentes importantes na construção social ao longo dos séculos.


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