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15 de junho de 2022
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18:03

MTST inaugura nova Cozinha Solidária da Azenha em imóvel alugado

Por
Luís Gomes
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Cozinha Solidária da Azenha foi inaugurada nesta quarta. Foto: Luiza Castro/Sul21
Cozinha Solidária da Azenha foi inaugurada nesta quarta. Foto: Luiza Castro/Sul21

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST-RS) inaugurou na manhã desta quarta-feira (15) a nova sede da Cozinha Solidária da Azenha. Iniciado como uma ocupação em setembro de 2021, o projeto agora está estabelecido em um imóvel alugado e servirá, em média, 4,5 mil refeições por mês, funcionando de segunda a sexta-feira. O ato de inauguração contou com a participação do coordenador nacional do MTST, Guilherme Boulos, e de lideranças políticas estaduais, incluindo os pré-candidatos ao governo estadual Edegar Pretto (PT) e Pedro Ruas (PSOL).

A Cozinha Solidária da Azenha foi implementada no dia 26 de setembro de 2021 com o objetivo de ser uma iniciativa de denúncia e de enfrentamento ao aumento da fome no Brasil. Originalmente, foi instalada em um imóvel que estava desocupado e, desde o primeiro dia da ocupação, esteve ameaçada de despejo. Ao longo de duas semanas, representantes do MTST tentaram dialogar com o governo do Estado e com a Prefeitura para que fosse encontrada uma alternativa, mas a Cozinha foi despejada no dia 13 de outubro. No entanto, o projeto acabou prosseguindo graças a uma moradora da região que cedeu um espaço em um imóvel para a preparação das refeições, que posteriormente eram oferecidas na Praça Princesa Isabel.

Coordenador estadual do MTST, Eduardo Osório diz que a decisão por alugar um espaço é resultado da necessidade e do “total abandono” do combate à fome por parte do Estado e do município. “A gente estava distribuindo marmitas na Praça Princesa Isabel debaixo de chuva de sol. No dia que teve o ciclone, a gente estava distribuindo marmita também e a gente cansou de esperar. Não tem como seguir enfrentando o inverno”, diz.

O espaço foi alugado na semana passada e, nos últimos oito dias, integrantes do MTST realizaram um mutirão para pintar e fazer as reformas necessárias para o local receber uma cozinha. Agora, o projeto está instalado em um imóvel que, além da própria cozinha, conta com dois espaços, na entrada e nos fundos, onde as pessoas podem sentar para se alimentar, bem como um amplo pátio.

“E agora, mais importante do que se abrigar do frio e da chuva, a gente pode sentar e comer junto. Lá atrás tem mesa, tem cadeira, aqui na frente também, vai ter sinal de wi-fi para a gente poder acessar a internet. A gente vai poder fazer atividades, roda de conversa, chamar a comunidade para pensar a comunidade, então a cozinha solidária vai poder dar esse passo de não só dar conta da fome, daquela refeição, mas também de acolher a alma e de sonhar um pouco mais”, diz Eduardo Osório.

Foto: Luiza Castro/Sul21

Inicialmente, a cozinha servia 150 refeições por dia, de segunda a sexta-feira. Posteriormente, aumentou para entre 210 e 220 porções diárias, número que deve se manter, ao menos no início do funcionamento no novo espaço. O trabalho é realizado por integrantes do MTST e voluntários, o que inclui até mesmo pessoas que vão ao local para se alimentar e se apresentam para ajudar.

Osório explica que o aluguel do novo espaço, bem como a produção das refeições, é “totalmente autossustentado” por uma rede de solidariedade que se formou em nível local e federal, que também ajuda a financiar as outras 30 cozinhas solidárias mantidas pelo MTST ao redor do País. O MTST recebe doações via Pix (chave: [email protected]), via financiamento coletivo (https://apoia.se/cozinhasolidaria) e mesmo diretamente no local. No dia 10 de julho, será realizado um festival de hardcore em Porto Alegre para angariar fundos para o projeto. Além disso, Osório conta que a ideia é também passar a realizar jantares de arrecadação.

Por outro lado, Osório critica o fato de que a Prefeitura não avançou nas negociações com o movimento, nem para que fosse formalizada uma parceria, nem com a cessão de algum imóvel no bairro. “Ao mesmo tempo, a Prefeitura de Porto Alegre aprova um projeto de lei, o ‘Liquida Porto Alegre’, que está vendendo todo patrimônio público e nosso patrimônio também. E aqui nessa região estão 30% dos imóveis daquela lista [o projeto listou 92 imóveis da Prefeitura a serem alienados]. Tem prédio aqui na frente, tem um monte de terreno abandonado, então é falta de compromisso político”, diz.

Presente na inauguração, Marli Mertz, 70 anos, que cedeu o espaço para a Cozinha Solidária funcionar entre outubro de 2021 e este mês de junho, avalia que o projeto agora poderá operar num espaço adequado, sem a necessidade de as refeições serem servidas em uma praça a céu aberto.

Foto: Luiza Castro/Sul21

“Quando eles foram despejados, eles queriam ficar aqui na Azenha. Eu tinha uma casa que tinha sido comprada para esse fim mais social e que não deu certo. E aí então, quando eu conversei com eles, eles foram para lá, só que não tinha espaço suficiente para poderem servir as refeições lá dentro. Aí a combinação foi para irem para a praça. Mas não daria para eles continuarem segurando na praça, porque chegou o inverno. E eu sempre pensava que eles precisavam ter um espaço maior, um espaço onde pudessem fazer outras atividades”, diz.

Coordenador nacional do MTST, Guilherme Boulos destacou que a Cozinha Solidária de Porto Alegre é uma das 31 iniciativas do tipos instaladas no Brasil, mas a única a ter passado por um processo de despejo. “Eu fiz questão de vir na inauguração, porque aqui nós tivemos um fato político na cidade, uma coisa que eu nunca tinha visto. Nós estamos com mais de 30 cozinhas, em 14 estados do Brasil, eu nunca vi uma cozinha ser despejada. Outras cozinhas também pegaram espaços abandonados e requalificaram, ocuparam como foi feito aqui, e só aqui foi despejada uma cozinha solidária. Poxa, um espaço que está servindo comida para as pessoas. Então, reinaugurar aqui eu acho que é uma vitória muito simbólica, num espaço adequado, num espaço na frente da avenida, um espaço bonito que a turma ralou e suou para poder preparar. Eu acho que hoje é um dia muito importante para a luta contra a fome no nosso País”, disse.

Foto: Luiza Castro/Sul21

Boulos ressaltou o fato de que o projeto é todo mantido com o apoio de campanhas de solidariedade, sem a contribuição de nenhum ente público, mas também defendeu que iniciativas como a da Cozinha Solidária precisam se tornar políticas públicas.

“Semana passada saiu o relatório da rede Penssan de que nós temos 33 milhões de pessoas com fome no Brasil, é inacreditável, o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, um País que exporta comida para China, para Europa, para os Estados Unidos, para o mundo inteiro, e aqui as pessoas estão na fila do osso, aqui as pessoas estão comprando pele de frango, aqui as pessoas estão virando lixo para comer. Então, a cozinha solidária é mais necessária do que nunca. Quem deveria fazer esse tipo de coisa é o governo, isso deveria ser política pública e o movimento social tá fazendo o que o governo não faz porque nós temos um governo omisso, desumano, indiferente com o sofrimento, com a dor das pessoas. Então, a reinauguração da cozinha de Porto Alegre é muito simbólica”, diz. “Nós não temos nenhuma ilusão de que a cozinha solidária vai resolver a fome no Brasil. Nós temos 31 cozinhas e 33 milhões de pessoas com fome. Não há solução para o problema da fome sem política pública, mas o que nós estamos fazendo é um exemplo. E eu acho que pode inspirar inclusive políticas públicas”, complementa.

Boulos contou que levou recentemente o ex-presidente Lula, pré-candidato à presidência, para visitar uma cozinha solidária do MTST em Santo André, em São Paulo, e que sugeriu que, caso o petista vença a eleição, deveria ser implementada um política de subsídio à implementação de cozinhas solidárias pelo País, em um projeto articulada com uma política de geração de renda para a agricultura familiar e com uma política de alimentação saudável. “Você ajuda nas duas pontas, cria um crédito para o pequeno e médio agricultor e cria rede de distribuição por cozinha solidárias, geridas pelos movimentos sociais. Aquele movimento social que o preconceito da direita chama de vagabundo, chama de invasor, gente que não quer trabalhar, aqui nós estamos demonstrando capacidade de gestão e de gestão a partir do nada. Não tem um orçamento, é doação das pessoas, são as pessoas com sua criatividade inventando para poder manter isso de pé, esse é o sentido das cozinhas solidárias”, diz.

Foto: Luiza Castro/Sul21

Além de representantes do MTST, o evento contou com a participação dos vereadores Matheus Gomes (PSOL), Laura Sito (PT), Daiana Rodrigues (PCdoB) e Bruna Rodrigues (PCdoB), bem como da ex-candidata à prefeita Manuela D’Ávila (PCdoB) e dos pré-candidatos ao governo Edegar Pretto e Pedro Ruas. Em breves falas, além de saudarem a iniciativa do MTST, os últimos três destacaram a necessidade de os partidos de esquerda se unirem na disputa pelo Palácio Piratini.


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