Geral
|
14 de junho de 2022
|
22:34

MPF pede que Estado, Funai e União sejam responsabilizados por violência contra kaingangs

Por
Sul 21
[email protected]
Protesto de indígenas na Justiça Federal, em Passo Fundo, em julho de 2017 | Foto: Bibiana Canofre/Sul21
Protesto de indígenas na Justiça Federal, em Passo Fundo, em julho de 2017 | Foto: Bibiana Canofre/Sul21

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública em Passo Fundo, pedindo a “responsabilização solidária do Estado do Rio Grande do Sul, da Funai e da União, pelos danos morais individuais e coletivos, causados ao povo Kaingang no RS”. A ação está ligada a fato ocorrido no dia 15 de fevereiro de 2018, quando houve uma “violenta expulsão, sem ordem judicial, e de forma ilegal e abusiva, protagonizada pela Brigada Militar, com omissão e negligência da Fundação Nacional do Índio (Funai), de área pública que o grupo indígena pretendia ocupar com a finalidade de exercer seu direito de manifestação e de postular por direito indígena”.

Na manhã da data em questão, um grupo de cerca de 12 famílias Kaingang, composto por aproximadamente 30 a 40 pessoas, entre homens, mulheres, crianças e idosos, tentou ocupar uma área localizada às margens da rodovia BR-285, nas proximidades do entroncamento com a Avenida Perimetral, em Passo Fundo, no RS. O grupo tinha como objetivo pressionar os órgãos e autoridades responsáveis pela demarcação de terras indígenas. Na ocasião, os indígenas acabaram ultrapassando a faixa de domínio da rodovia federal, de propriedade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e ingressaram em uma área contígua à rodovia, denominada “Fazenda da Brigada”, cuja propriedade pertence ao Estado do RS e é administrada pela Brigada Militar.

Ao saber disso, a própria Brigada Militar, na manhã do mesmo dia, mobilizou cerca de 30 policiais militares e oficiais integrantes do 3º Regimento de Policiamento Montado e, “sem amparo em nenhuma decisão judicial e de forma ilegal e abusiva,  expulsou com violência o grupo indígena”, informou o MPF.

Imagens de ferimentos em indígenas, causados pela munição anti-motim | Foto: Arquivo pessoal

Ainda segundo o Ministério Público Federal, “o comando da Brigada na ocasião, ao perceber que se tratava de indígenas, solicitou a presença de representante da Funai, mas esta não compareceu, ainda que o tempo de deslocamento entre a sede do órgão em Passo Fundo e o local onde houve o incidente seja de apenas 20 minutos”. “A Brigada Militar efetuou 173 disparos de munição antimotim e lançou 19 granadas durante o confronto com o grupo indígena”, documenta o texto da ação civil pública, que se valeu de informações prestadas pelo próprio órgão policial. A investida da BM, assinala a ação, resultou em indígenas feridos, alguns gravemente, como um idoso de 78 anos.

Relatório elaborado pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS) em conjunto com o Comitê Estadual Contra a Tortura (CECT) revelou, “além da atuação policial constituída por agressões com conteúdo de raça, e de gênero contra as mulheres, o uso de bombas de gás lacrimogêneo, tendo como alvo inicial o local onde se encontravam idosos, mulheres e várias crianças, disparos de balas de borracha a curtas distâncias, à queima-roupa e acima da cintura, inclusive na cabeça e rosto, contrariando as próprias normas internas que disciplinam o uso da força no âmbito da BM”.

Pedidos da ação

Na ação, além de pedido de responsabilização pelos danos morais individuais causados aos indígenas Kaingang que participaram da ocupação, o MPF requer também que o Estado do RS, a União e a Funai sejam condenados a arcar entre si com o valor de uma indenização de R$ 4 milhões por danos morais coletivos, a serem revertidos em investimentos de políticas públicas destinadas ao povo kaingang, preferencialmente na aquisição de terras para acomodar a comunidade atingida.

 Além dessa reparação inclusive por meio de um pedido público de desculpas ao povo Kaingang por parte do Estado e da Funai, o MPF elencou ainda uma série de outros pedidos:

– que a Justiça Federal sentencie o Estado do RS a não mais efetuar reintegração ou manutenção de posse que envolva (ou possa envolver) interesse ou direito indígena sem a presença de um representante da União ou da Funai – apto a mediar o conflito – e sem amparo em decisão judicial;

– que o RS, através do seu Instituto Geral de Perícias, promova a imediata adequação dos procedimentos para utilizar e aplicar o Protocolo de Istambul e seu Manual para a Investigação e Documentação Eficazes da Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, bem como o Protocolo Brasileiro de Perícia Forense, e as diretivas previstas tanto na Recomendação nº 31, de 27 de janeiro de 2016, do CNMP, quanto na Resolução nº 414, de 2 de setembro de 2021, do CNJ;

– que a União e o Estado do RS sejam obrigados a publicar, no prazo de 30 dias, ato normativo e protocolo definindo parâmetros de atuação policial em policiamento de manifestações públicas, reintegração/manutenção de posse, seja em área urbana ou rural, pública ou privada, que envolva ou possa envolver interesse ou direito indígena. O MPF pede que “qualquer ação da Brigada Militar se dê com base em prévia orientação dos órgãos competentes e que quaisquer práticas, pela Brigada Militar, de técnicas ou táticas para atuação em manifestações e protestos públicos sejam completamente revisadas, atendendo às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e do Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) com adoção de Protocolo operacional que respeite o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos de manifestação e de protesto”;

– que a União e o Estado do RS sejam obrigados a publicar ato normativo e protocolo definindo regras e orientações para o controle e uso de armas e instrumentos de menor potencial ofensivo de acordo com os protocolos internacionais e demais disposições nacionais, no âmbito de suas atribuições, e que envolva ou possa envolver interesse ou direito indígena, vedando seu uso em situações que sabidamente envolvam crianças e adolescentes e demais segmentos de maior vulnerabilidade social;
– que os atos normativos e protocolos referidos anteriormente observem todas as especificidades de gênero, cultura, raça e etnia, idade e quaisquer outros aspectos necessários, de maneira a conferir tratamento próprio e adequado a cada caso, de acordo com as disposições convencionais, constitucionais e infraconstitucionais próprias;

– que os atos normativos e protocolos referidos acima sejam elaborados com a participação da sociedade civil, em especial de representantes das comunidades indígenas no Rio Grande do Sul, através de grupo de trabalho paritário, com a realização de prévias audiências públicas, bem como preveja a formação e capacitação dos policiais militares e civis e do Departamento de Medicina Legal do Instituto Geral de Perícias;

– União e Funai devem ser obrigados a elaborar protocolo de atuação, em prazo a ser fixado em sentença, a ser utilizado em casos de mediação de conflito entre indígenas e o poder público ou entre indígenas e particulares;

– União e Funai devem ser obrigados a promover capacitações periódicas do seu quadro de servidores no território do Rio Grande do Sul, de forma a torná-los aptos a atuarem como negociadores ou mediadores nos aludidos conflitos.

As informações são do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul

 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora