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27 de novembro de 2021
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08:57

Grupo resgata ritmo afro-uruguaio Candombe e quer realizar oficinas no Quilombo do Areal

Coletivo Candombe Poa promove resgate do ritmo afro-uruguaio em Porto Alegre | Foto: Luiza Castro/Sul21
Coletivo Candombe Poa promove resgate do ritmo afro-uruguaio em Porto Alegre | Foto: Luiza Castro/Sul21

Luiza Castro
Luís Eduardo Gomes

Desde o ano passado, um grupo de músicos tem se reunido na Parque da Redenção, em Porto Alegre, para tocar o Canbombe, ritmo afro-uruguaio que já foi comum nas comunidades negras da cidade. Com o crescimento do interesse pelo ritmo, que tem como caraterística a fusão de percussão, dança e personagens, o grupo quer agora popularizar o ritmo na cidade, começando pela realização de oficinas com crianças e adolescentes do Areal da Baronesa, na Cidade Baixa.

Para viabilizar a realização das oficinas durante três meses, a partir de março de 2022, foi lançada uma campanha de financiamento coletivo que pretende arrecadar até R$ 26 mil até 12 de dezembro.

Integrante da iniciativa, Ziza Rabelo conta que o projeto Candombe POA surgiu do interesse comum de um grupo de músicos da cidade em celebrar a cultura afro do Pampa e da América Latina e fazer o resgate de uma tradição que já existiu em Porto Alegre.

Ela diz que os encontros do grupo começaram em abril de 2020, no Parque da Redenção, mas o projeto ganhou força mesmo a partir de abril deste ano, quando a forte onda de covid-19 que atingiu o Rio Grande do Sul no primeiro semestre começou a recuar. “Durante um momento a gente se reunia nas terças-feiras e agora estamos nos reunindo todo domingo, na Redenção. A gente recebe todas as pessoas que querem aprender, participar e conhecer um pouco mais dos tambores. Acaba sendo uma oficia orgânica, não formal, mas com esses momentos de aprendizado”, diz.

Pepe Martini, também integrante do movimento, explica que a ideia da oficina é promover o resgate do Candombe por meio da popularização do ritmo. “O Candombe POA é mais um projeto de difusão, uma identidade que a gente usa, porque avaliamos que não era a hora de simplesmente criar um grupo, porque seria uma coisa artificial, porque não teria pessoas suficientes. Esse espaço cumpre o papel de difusão especialmente pra quem frequenta mais a Redenção, daqui a pouco pra quem tem condições de comprar um tambor, pra quem eventualmente viaja ou viajou pro Uruguai e tem algum contato com isso. Mas isso não é a realidade da maior parte do nosso povo, né? Então a gente acredita que, para realmente resgatarmos o Candombe, ele tem que ser uma coisa popular da mesma forma que ele é no Uruguai, que atravessa classes, cores e está presente em muitos lugares da sociedade. Só que na periferia, mesmo sendo numa periferia geograficamente central, como o Areal da Baronesa, é outra forma de fazer isso acontecer. Porque as pessoas não têm o recurso pra comprar tambores, muitas sequer ouviram a palavra Candombe antes, embora tenham a sua história pessoal e de povo muito conectada com a história do Candombe, que já existiu aqui, por ser um ritmo afro mesmo. Então o financiamento vem a partir dessa demanda, porque pra fazer Candombe nessas comunidades, a gente tem que ter uma estrutura material muito maior”, explica.

Martini diz que a ideia do grupo é que as oficinas tenham duração de 3 horas semanais e que também seja garantida alimentação para as crianças no intervalo, para evitar a evasão do projeto. “Se a gente continuasse tocando apenas entre nós, na classe média, não seria necessário, mas como a ideia é popularizar pra enraizar o Candombe em mais espaços na cidade, surgiu essa demanda do financiamento coletivo”, diz.

Ziza pontua que o principal objetivo do financiamento é obter recursos para a aquisição de tambores, baquetas e trajes tradicionais que o grupo pretende usar na cerimônia de formatura. “Fora isso, tem a questão da alimentação, vão vir mestres uruguaios pra ajudar nas oficinas. Um deles é um grande mestre nosso, o Carlos Dutra, que é de Montevidéu, mas mora em Rivera, e vai vir a ser também um dos oficineiros do Candombe”, diz.

Ele afirma ainda que a escolha do Areal da Baronesa para receber a primeira oficina é pela relação da comunidade com a música. “Ali é o berço do samba em Porto Alegre, e de outros carnavais, inclusive. Antes do samba, das tribos, das escolas e da presença negra em geral. Eles já tem um projeto que existe há mais de 20 anos, que se chama Areal do Futuro, que é uma espécie de escola de samba mirim, e eles acabaram nos convidando pra desenvolver esse projeto lá. Nós já íamos bater na porta deles pra isso e, casualmente o Paulinho, que é do Areal do Futuro, nos viu tocando e nos convidou. E eles já têm uma estrutura também, já têm um espaço físico com uma sede, já têm muitos alunos envolvidos com o projeto deles, o que torna mais fácil. E, principalmente porque as crianças tocam, né? Elas têm muita habilidade com a presença da percussão lá naquela comunidade”, diz.

Se possível, o grupo pretende manter as oficinas no Areal da Baronesa de forma permanente. Após a primeira, a ser viabilizada pelo financiamento coletivo, a ideia é participar de editais culturais. Martini acrescenta que, posteriormente, o grupo planeja levar a oficina a comunidades de perfil parecido na região central de Porto Alegre, que sejam remanescente do antigo cinturão da Cidade Baixa, que incluía, além do Areal da Baronesa, a Ilhota, as vilas Lupicínio Rodrigues, Cabo Rocha e Planetário.

Após a formatura da primeira turma, a ideia do grupo é convidar os alunos do Areal da Baronesa a fazerem parte da “comparsa”, nome dado aos blocos da Candombe. “A gente não quis inventar um nome artificial, formar uma comparsa somente entre nós, antes de viver esse processo tanto de difusão no Centro e na Redenção, quanto dentro das comunidades, onde possam, daqui a pouco, surgir outras comparsas”, diz Pepe Martini.

Para ajudar a promover o Candombe, e a própria campanha, no início de dezembro o grupo irá receber um corpo de baile completo do Uruguai, que irá fazer um desfile entre a Rua da República e a Travessa dos Venezianos.

A campanha de arrecadação pode ser acessada aqui.

O Candombe é um ritmo afro-uruguaio com percussão, dança e personagens | Foto: Luiza Castro/Sul21

Por meio de perfis criados nas redes sociais, o grupo tem se comunicado com músicos de outras cidades do Rio Grande do Sul, como Bagé e Caxias do Sul, que também compartilham do interesse pelo Candombe. “Acho que o exemplo vai se espalhando, um lugar vai mobilizando o outro, vai contaminando o outro, e assim o Candombe vai se espalhando. E também por perceber que é possível, por reconhecer que é uma coisa nossa, que faz parte da nossa cultura, que não é somente algo ‘exótico’, né? A partir dessa perspectiva que a gente tem mesmo, de resgate”, afirma Pepe Martini.

Martini diz que fazer Candombe no Rio Grande do Sul é uma forma de valorizar a cultura de uma região em que o Estado está geograficamente inserido e que extrapola as fronteiras nacionais do Brasil. “Há entre nós, Brasil e Uruguai, uma fronteira que é tão parecida os dois lados, mas ao mesmo tempo segregadas, né? Então, fazer Candombe aqui é também uma forma de trocar com o Uruguai, trocar com a Argentina, que são lugares irmãos do RS e que às vezes a gente não se reconhece uns nos outros. É ir um pouco mais a fundo nessa ideia de difusão e integração cultural mesmo. Fazer Candombe pra nós é resgatar essa conexão”, diz.

Ziza saúda o fato de que, apesar de a iniciativa ser recente, já está ocorrendo um processo de troca com músicos do Uruguai e da Argentina. “Uma coisa que a gente tem visto acontecer muito é um interesse muito grande de uma galera do Uruguai e da Argentina no que tá acontecendo aqui no Brasil. Tem uma galera do Uruguai, de Melo, de Rivera, de Montevidéu, que quer vir pra cá, quer ver o que estamos fazendo aqui. Gente que toca Candombe no mundo todo, que se depara com a nossa página, que fica sabendo, que nos escreve”, diz. “Eles são muito generosos conosco. O Carlos Dutra foi um cara que nos abraçou de uma maneira que vai muito além da questão do tambor. O Candombe é a música, é a dança, é o toque, é o tambor, é a comunidade, é a família”, complementa.

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

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