Geral
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15 de janeiro de 2014
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12:02

Projeto Clínicas do Testemunho resgata memórias e dá apoio psicológico a vítimas da ditadura

Por
Sul 21
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Foto: SIG/ Divulgação
Evento realizado no Arquivo Público discutiu resgate da memória individual e social. Na foto: apsicanalista Bárbara Conte, Nilce Azevedo Cardoso (ex-presa política da ditadura civil-militar) e Isabel Almeida (diretora do Arquivo Público do RS) | Foto: SIG/ Divulgação

Débora Fogliatto

Quase trinta anos após o término da ditadura militar que comandou o Brasil de 1964 a 1985, os que foram afetados diretamente por ela ainda sentem as marcas da tortura e da violência. Para dar apoio psicológico a essas pessoas, o Ministério da Justiça, a partir da Comissão da Anistia, instaurou o projeto Clínicas do Testemunho, que é uma das determinações que o Estado brasileiro tem que cumprir, segundo a Corte Interamericana, como forma de se responsabilizar pelo efeito que teve nos cidadãos durante os anos ditatoriais. O edital selecionou projetos da sociedade civil para a implantação de núcleos de apoio aos afetados por violência de Estado.

O projeto foi instalado em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.  Após o lançamento do edital, foram selecionadas dez instituições do Brasil, das quais quatro receberam verba para dar continuidade ao projeto. Na capital gaúcha, é vinculado à Sigmund Freud Associação Psicanalítica, que trabalha desde 2010 com um trabalho chamado SIG Intervenções Psicanalíticas, no qual é realizado um trabalho social através da psicanálise. A coordenadora do projeto, Bárbara Conte, acredita que o trabalho que já vinha sendo realizado foi um dos motivos pelos quais a instituição foi selecionada.

A SIG recebeu o aval para começar o projeto em dezembro de 2012 e, após chamadas e divulgação através de comitês de Liberdade e Justiça e Direitos Humanos, o Clínicas foi lançado em março de 2013. A duração é de dois anos, período no qual acaba o projeto “como está proposto neste momento”, conforme classificou Bárbara. “Isso não quer dizer que não possa haver algum tipo de continuidade, isso ainda é algo que certamente esse ano vai ser discutido”, afirmou. Podem participar do projeto quaisquer pessoas que “sejam afetadas pela violência de Estado no regime da ditadura civil militar”, como define Bárbara. São anistiados, anistiandos – pessoas que estão em processo de anistia – e familiares de até segundo grau. “Entendemos que há um efeito transgeracional, as pessoas também sofrem nas medidas que seus familiares sofreram torturas”, comenta Carlos Augusto Piccinini, um dos psicólogos que integra o projeto.

Protesto em São Paulo contra ex-militares e policiais acusados de tortura e homicídios durante a ditadura militar
Protesto realizado em São Paulo para expor publicamente militares acusados de tortura e homicídio| Foto: Marcelo Camargo/ABr

Os atendimentos são realizados ou individualmente ou através dos grupos de memória. Enquanto os individuais funcionam como terapia, com psicólogos e psicanalistas, os grupos não têm o mesmo objetivo. “São grupos de testemunho, a partir da ideia de uma construção de memória coletiva, não é tanto no sentido do atendimento”, esclarece Piccinini. As pessoas que participam desse tipo de atendimento são as que querem contar sua história para romper o silêncio que permeia muitas questões relacionadas à ditadura.

Além dos atendimentos, o projeto trabalha em outros dois eixos: as capacitações, feitas para servidores e trabalhadoras da saúde, para conscientizar sobre a temática; e as atividades acadêmicas de discussões e encontros. Dentro dessa proposta, uma das metas é produzir, ao final do projeto, um livro em que conste as experiências compartilhadas. “A gente vai coletando todo esse trabalho de pesquisa, depoimentos, testemunhos, para que se discuta uma política pública sobre violência de Estado”, explica Bárbara. O projeto também inclui eventos abertos, como o Conversas Públicas, que não exige inscrição prévia e conta com a participação de psicanalistas. Em 2013, foram realizados três, e o primeiro de 2014 deve acontecer em abril.

| Foto: Reprodução
Pessoas que lutaram contra o regime militar podem participar do projeto | Foto: Reprodução

Apesar do grande número de pessoas afetadas pela ditadura na cidade, que chega a mais de mil, segundo estimativas da SIG, a procura pelo projeto não foi tão grande quanto o esperado. Essa dificuldade foi encontrada por todos os locais onde acontece o Clínicas, segundo Bárbara. Apenas o grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, conseguiu atrair um número expressivo de pessoas para os atendimentos, devido à sua tradição na área. O grupo existe há mais de vinte anos e foi um dos beneficiados com o edital. “As pessoas têm certa resistência em se expor, falar da sua história, ter que revivenciar a intensidade do que foi a experiência de tortura, ou de exílio, e tudo o que perderam”, acredita Bárbara.

Por ser o primeiro ano, o projeto também precisou definir de que forma agiria e “se conhecer” de certa forma, o que foi trabalhado em 2013. Para 2014, há a expectativa de que o projeto se torne mais conhecido e possa atender mais pessoas. A inscrição é feita via Ministério da Justiça, a partir de uma ficha que pode ser preenchida online e enviada por e-mail. A partir daí, a pessoa é encaminhada para a instituição de sua cidade.


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