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17 de janeiro de 2014
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16:18

Novo convênio com a prefeitura promete mudar situação de catadores nas unidades de triagem

Por
Sul 21
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 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
As associações de catadores responsáveis pela gestão dos galpões de reciclagem receberão entre R$ 3 mil e R$ 8 mil | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nícolas Pasinato

Na última sexta-feira (10), a prefeitura de Porto Alegre assinou protocolo de intenções de novo convênio com as 19 unidades de triagem da cidade. A medida prevê mais recursos para a manutenção dos galpões das associações de catadores por meio de critérios de produtividade. Além de aumentar a renda do trabalhador e melhorar as condições de trabalho nos galpões, a medida tem o objetivo de realocar os catadores autônomos nas UTs do município.

As associações de catadores responsáveis pela gestão dos galpões de reciclagem receberão entre R$ 3 mil  e R$ 8 mil. Atualmente, as unidades de triagem recebem o valor fixo de R$ 2,5 mil por mês para a manutenção e organização dos espaços. Alex Cardoso, uma das lideranças do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), explica que o convênio que previa o recurso de R$ 2,5 mensais, havia sido assinado em 2006 e, portanto, estava ultrapassado. “Também não considerava quantos catadores  trabalhavam na unidade de triagem. Se uma tivesse 40 catadores, o que daria um custo operacional maior, e a outra tivesse dez, o valor seria o mesmo”, esclarece.

A expectativa é de que a ação atraia mais catadores para as unidades de triagem. De acordo com Cardoso, há cerca de 500 catadores  atuando nas 19 unidades de triagem de Porto Alegre. “Nesse ano, queremos aumentar para pelo menos 700 trabalhadores”, estima ele. O valor do convênio é destinado para custos operacionais no galpão, como água, luz, reformas internas, entre outros.

Catadores preferem as ruas

Embora as condições de trabalho sejam melhores nas associações, há muitas pessoas que ainda optam por seguir recolhendo resíduos nas ruas. Eliane Machado da Rosa é uma delas. Há cerca de 15 anos, ela recolhe material reciclável, o que possibilitou não somente o seu sustento, como a de suas duas filhas. A mais velha, Midian Machado, de 19 anos, garante que nunca lhe faltou nada.

Eliane trabalha junto de seu marido, que recolhe os materiais através de um caminhão, o que torna sua atividade menos cansativa. Os resíduos que ela e seu marido recolhem são separados e vendidos em um depósito de reciclagem independente, na Rua Paraíba, localizado no bairro Floresta, em Porto Alegre.  A catadora diz que nunca trabalhou em uma unidade da triagem da prefeitura, em função do baixo salário oferecido. 

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Eliane separa e vende os resíduos em um depósito de reciclagem independente | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, Alex Cardoso, afirma que dentro dos galpões de reciclagem os trabalhadores recebem um salário mínimo ou no máximo dois. Na rua, por sua vez, os valores são maiores, podendo ultrapassar dois salários mínimos, além de possuir outras características que fazem com que os catadores sigam de forma autônoma. “Eles podem selecionar o material que vão buscar, organizar pontos de roteiro de coletas, os horários é a própria pessoa que escolhe e as regras é ela que faz”, acrescenta.

Nas ruas, porém, os catadores enfrentam outras dificuldades. Uma delas, apontada por Eliane, é o preconceito das pessoas. “Nos enxergam como coitadinhos ou alguns olham para alguém puxando o carrinho e já pensa que é criminoso. Saem gritando: ‘você está rasgando o meu lixo'”, relata. Eliane diz que recolhe os materiais, como  plástico, garrafas pet, latinhas e papelão na “cidade”. A cidade para ela é “onde os ricos moram”. 

Catadores lutam pelo pagamento de serviços ambientais

A associação Anjos da Ecologia, localizada no bairro Marcílio Dias, em Porto Alegre, será uma das beneficiadas com o novo convênio que deve ser assinado com a prefeitura já no próximo mês. No local, trabalham 23 pessoas, que ganham em média R$ 250 por semana, segundo Aurea Suely da Silva Hoebert, presidente da associação.  “Só acredito vendo. Tem um monte de burocracia para sair esses recursos”, diz ela, sobre a iniciativa da prefeitura.

Aurea trabalhava, anteriormente, na Reciclando pela Vida como cozinheira, unidade vizinha da que comanda atualmente. A escolha para ser presidente se deu por votação em uma assembleia, dando a ela a função de organizar a associação pelo período de dois anos. Ela afirma que seu trabalho é bastante desgastante. “É muito estressante. Tem que organizar a comida, no final de semana tem que vender os materiais… as pessoas são boas, mas não consigo parar”, diz ela, que pela noite atua em um hospital. No galpão, é servido café da manhã, almoço e café da tarde.

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José Tauano, de 21 anos, trabalha com material reciclável desde criança | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

José Tauano, de 21 anos, já trabalhou na associação, onde garante “ser um bom lugar”. Recentemente, ele tornou-se pai e voltou a catar resíduos de forma independente, em razão da maior remuneração. “O trabalho é cansativo, mas se parar a gente morre de fome”, afirma Tauano, que estudou até a 4a série e trabalha desde criança com material reciclável.

Cardoso, do MNCR, espera que a situação de Tauano e de outros catadores mude com a nova parceria que está sendo realizada com a prefeitura e com outra discussão que pretendem realizar esse ano: o pagamento por serviços ambientais. “A gente faz um trabalho importante para a sociedade, traz economia de recursos naturais, economia de recursos financeiros ao município e inclui socialmente pessoas que até então eram excluídas da sociedade. Queremos o pagamento por esse serviço, conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos”. Em 2011, foi aprovada a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que procura organizar a forma como o país trata o lixo, incentivando a reciclagem e a sustentabilidade.

Cardoso explica que, caso recebessem esse recurso extra, os catadores teriam um ou dois salários mínimos pela venda do material e mais um ou dois salários mínimos pelos recursos dos serviços ambientais. “Teríamos então três ou quatro salários mínimos por catador dentro da unidade de triagem, o que resultará em uma maior procura de outros catadores para se somar ao nosso trabalho”, prevê ele.

Vizinhos reclamam de depósitos independentes

Ana Caroline Gouveia estava em seu primeiro dia de trabalho como separadora em um galpão independente no loteamento Santa Terezinha, antiga Vila dos Papeleiros. Ela estava assustada com a quantidade de ratos no local e já cogitava desistir, não fosse pelo seu filho pequeno de sete anos. Ana, acompanhada e Roberto Ferreira, que veio recentemente de São Borja para a Capital, atua na separação dos resíduos e recebem cerca de R$ 20 por dia.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Vizinhos se queixam de lixo acumulado em frente a depósito | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Ana, 41 anos, também já trabalhou como catadora e parou em função da idade. “As costas estavam pedindo ajuda”, conta. O proprietário do local, onde Ana e Ferreira atuam é  Beloni Antônio,  que se sustenta do material reciclável há mais de 30 anos. Segundo Beloni, mais de 30 pessoas trabalham para o galpão. “Nós damos os carrinhos para os catadores, compramos os seus materiais e revendemos para terceiros”, explica.

Beloni conta que a prefeitura quer retirar o seu depósito daquele local. O motivo seria os jogos da Copa do Mundo deste ano. “Vão nos tirar aqui para os turistas não ver a sujeira”, diz. Na frente do seu depósito se acumula uma grande quantidade de lixo. A mulher de Beloni, Ana, reclama que o caminhão passa raramente no local. “As pessoas jogam o lixo aqui na frente. O caminhão da prefeitura demora uns 15 dias para vir”, relata ela.

Os vizinhos de Beloni, porém, apontam o seu depósito como o responsável pelo início do acúmulo de lixo no local. “Há cinco anos isso não existia. Era tudo limpinho. Começou essa sujeira desde que eles vieram para cá”, diz Alessandra Borges. Alessandra conta que vendia comida em sua casa, mas pararam em função dos resíduos. “É um cheiro terrível. Tem muitos ratos e moscas. Acho que já estou até com a doença do rato”, diz Alessandra.

Além disso, o outro vizinho de Alessandra é dono de uma borracharia. No fundo do estabelecimento, há diversos pneus usados, onde há água parada, o que pode se transformar em focos de mosquito Aedes aegypti, que transmite a dengue. No local, a reportagem pode observar diversas crianças brincando de pés descalços no entorno.

“Ferros-velhos trabalham com a exploração da mão de obra dos catadores”

Alex Cardoso, do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), afirma que esses depósitos, também conhecidos como ferro-velho, trabalham com a exploração da mão de obra dos catadores. Segundo ele, a maioria desses estabelecimentos paga pelos materiais recolhidos pelos catadores por um valor inferior ao do mercado. “O ferro-velho prensa o material e vende. A garrafa pet branca, por exemplo, o ferro-velho paga de R$ 0,80 até R$ 1 o quilo e depois que prensa vende por R$ 2. Ou seja, ele realiza 10% do trabalho e ganha 50% de lucro, enquanto o catador faz a coleta, o transporte, a triagem e a entrega, o que é 90% do trabalho, e recebe 50% do valor”, exemplifica Cardoso.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Com a lei 10.531/08, que institui o fim gradativo da circulação de veículos de tração animal (carroças) e humana (carrinhos) em Porto Alegre, a tendência, é que os ferros-velhos sejam fechados | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Com a lei 10.531/08, que institui o fim gradativo da circulação de veículos de tração animal (carroças) e humana (carrinhos) em Porto Alegre, a tendência, segundo Cardoso, é que esses locais sejam fechados. “O ferro-velho funciona em uma questão mercantilista. Para ele, quanto mais material comercializar e vender melhor. Os proprietários não vão se importar com a aparência, com a limpeza, com a segurança dos trabalhadores no local e com a reclamação do vizinho. É bem diferente das associações e cooperativas que se preocupam com a geração de trabalho e renda, visão ambiental, social e com uma boa harmonia na comunidade em que vive”, diz Cardoso.

Mesmo assim, grande parte dos catadores trabalham como clientes desses lugares vendendo o material. Isso acontece, segundo Cardoso, pois os ferros-velhos promovem formas de ter os catadores sob o seu domínio. “Alguns ferros-velhos possuem uma frota de carrinho e emprestam para os catadores, assim, eles acabam só vendendo para eles”, exemplifica.

Lei das carroças pode excluir ainda mais carroceiros e carrinheiros da sociedade

A lei das carroças passou a valer em setembro do ano passado em uma parte da cidade, a chamada Zona 1. Essa área compreende o cruzamento da Avenida Edvaldo Pereira Paiva com a Avenida Ipiranga, seguindo até a Avenida Antônio de Carvalho, passando pela Avenida Bento Gonçalves e terminando no limite com Viamão. Nesses locais, os cavalos e os carrinhos flagrados em circulação podem ser apreendidos pela prefeitura.

Depois dessa etapa, a próxima restrição à circulação de carroças e carrinhos será na Zona 2. Essa área abrange o cruzamento das avenidas Ipiranga com Salvador França, seguindo por essa última via, avenida Senador Tarso Dutra, Carlos Gomes, Augusto Meyer, Dom Pedro II, Souza Reis, rua Edu Chaves, avenida dos Estados, terminando na divisa com Canoas.

Por Elson Sempé Pedroso/CMPA
Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) lamenta lei que institui o fim gradativo da circulação de veículos de tração animal (carroças) e humana (carrinhos) em Porto Alegre | Por Elson Sempé Pedroso/CMPA

Para não deixar desamparados os carroceiros e carrinheiros, a prefeitura desenvolveu o programa Todos Somos Porto Alegre. A iniciativa propicia cursos de qualificação para essas pessoas buscarem novas ocupações, podendo ser na área de reciclagem ou em outra.

Cardoso, do MNCR, vê a iniciativa da prefeitura como negativa. “As pessoas optam por trabalhar na rua porque não sobrou nenhum outro tipo de trabalho o qual elas possas ser inseridas. Essa proibição pode excluir ainda mais essas pessoas que já estão excluídas da sociedade”, opina. Os primeiros meses da lei, segundo ele, não surtiu grande efeito na vida dos catadores, uma vez que a norma ainda está em fase de cadastramento e vale apenas para poucas regiões. “Ao invés da proibição, podiam melhorar o serviço dos catadores com carrinhos e carroças adequadas e padronizadas, tratamento para os animais e formação dos trabalhadores para realizar a coleta de forma organizada”, sugere.

Em relação aos cursos, ele afirma que, embora não esteja acompanhando de perto a sua execução, acredita que muitas pessoas ficarão de fora dos treinamentos. “Quando eu trabalhava na rua eu conseguia estimar em mais de 10 mil catadores nas ruas de Porto Alegre. Hoje, não consigo estimar. Os cursos não vão atingir 2 mil catadores, ou seja, mais de 80% vão ser excluídos do processo”, lamenta.


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