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12 de dezembro de 2013
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16:56

Eliana Chaves: “O sofrimento da tortura nunca se supera”

Por
Sul 21
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Eliana Lorenz Chaves: “Eu fui presa na tarde do dia 10 de abril de 1970. Ao chegar à minha casa, policiais do DOPS me aguardavam, mantendo minha mãe incomunicável” | Foto: Comissão da Verdade
Eliana Lorenz Chaves: “Eu fui presa na tarde do dia 10 de abril de 1970. Ao chegar à minha casa, policiais do DOPS me aguardavam, mantendo minha mãe incomunicável” | Foto: Comissão da Verdade

Lorena Paim e Nubia Silveira

Gaúcha de Porto Alegre, Eliana Lorentz Chaves chegou a iniciar o curso de Ciências Econômicas na PUC-RS, que abandonou ao começar a militância política. Bonita, loura, ficou conhecida como Nana Chaves ao gravar discos e cantar com então marido, o músico Raul Ellwanger. Presa e torturada no Brasil, viveu ainda no Chile e na Argentina, países do Cone Sul que também caíram sob ditaduras na década de 70. Na Argentina, começou a estudar Psicologia, curso que concluiu na PUC do Rio de Janeiro. Desde 1986, trabalha como psicóloga clínica e psicanalista no Rio de Janeiro, onde vive. Tem mestrado em Psicologia Clínica e o doutorado em Teoria Psicanalítica. Dedica-se, não por acaso, ao estudo da violência.

Eliana preferiu dar o seu depoimento sobre a resistência à ditadura, a prisão e a tortura, por escrito. Comprometeu-se a responder as muitas perguntas por e-mail e enviou respostas e fotos na data combinada. Apesar da insistência, não quis nominar seus torturadores. “Todos já foram mencionados publicamente em meu depoimento para a Comissão Regional da Verdade”, disse.

A psicanálise, o nascimento do filho e a reconstrução da vida afetiva ajudaram-na a retomar a vida, após a tortura, um sofrimento que, segundo ela, é impossível superar.

Sul21 – O que a levou a entrar na resistência contra a ditadura? Que idade você tinha?
Eliana –
Após o AI-5, o posicionamento político no Brasil tornou-se extremamente polarizado: ou você era a favor da ditadura ou você era contra; e era muito difícil ser contra sem algum tipo de atividade considerada “fora da lei”. Em 1968, eu tinha 17 anos e era contra a ditadura. Eu namorava o Raul Ellwanger, que viria a ser meu marido, e através dele e do Carlos Paixão Araújo houve o contato com as organizações que resistiam à ditadura.

“Não peguei em armas. Participei da preparação prévia de ações”

Sul21 – Você pertenceu à Vanguarda Armada Revolucionária Palmares? Como se definiu por essa organização?
Eliana –
Primeiramente eu pertenci à VAR Palmares, mas depois passei a militar na VPR.

Sul 21 – Como foi a sua mudança da VAR Palmares para a VPR, Vanguarda Popular Revolucionária? Houve discordância em pontos específicos?
Eliana –
Quando houve o “racha” da VAR, eu perdi o contato com esses companheiros, mas membros da VPR continuaram a me procurar. Em termos de um direcionamento da forma de luta, acho que me afinava mais com a VAR, mas a coisa caminhou assim.

Sul21 – Qual foi o seu papel na resistência? Você pegou em armas? Participou de sequestros?
Eliana –
Eu não peguei em armas, mas tive participação na preparação prévia de ações.

Sul 21 – Como foi esta preparação? Pode dar exemplos?
Eliana –
Prefiro não.

Sul21 – Você escolheu o codinome Mariza. Por quê? Nunca mais usou este codinome ou ele ainda faz parte da sua personalidade?
Eliana –
Esse codinome não teve nenhum papel além de encobrir meu nome real, por razões de segurança.

Sul21 – Como ocorreu a sua queda?
Eliana –
Eu fui presa na tarde do dia 10 de abril de 1970. Ao chegar à minha casa, policiais do DOPS me aguardavam, mantendo minha mãe incomunicável. Eles já haviam revistado a casa e se apropriado de coisas que eles julgaram “suspeitas” como livros, cadernos, uma dedicatória do Geraldo Vandré, discos, etc..

Sul21 – Você foi acusada de quê? Como terminou o seu processo? Você chegou a ser condenada?
Eliana
– Eu fui denunciada pelo Ministério Público Militar em 13 de julho de 1970 como incursa nos Artigos nº 23 e 42 do decreto lei nº 898/69, mas não tenho a menor ideia do que esses artigos significam. O julgamento aconteceu em 13 de abril de 1971, quando fui excluída da denúncia.

Sul21 – Os defensores da ditadura afirmam em textos encontrados na internet que a sua queda possibilitou a prisão de outros companheiros. É verdade? Como seu deu isso?
Eliana –
Essa pergunta toca num ponto essencial, qual seja: são os sites dos defensores da ditadura, sites dos próprios torturadores, os que repetem à exaustão que minha queda possibilitou a prisão de outros companheiros, sendo que incluem nessa lista pessoas com as quais nunca tive qualquer contato. Essa frase consiste numa calúnia inteligentemente articulada porque ela não afirma nada de concreto ou palpável como, por exemplo, entregar pontos com companheiros ou informar a localização de aparelhos da organização. Se eles dissessem isso, eu teria material para processar judicialmente todos esses sites por calúnia e difamação, com o testemunho de meus companheiros que conhecem a verdade. Isso porque eu não revelei nenhum dos pontos que eu tinha marcados nos dias subsequentes à minha prisão e tampouco revelei o endereço do aparelho que eu conhecia e frequentava. Aliás, eu não admiti sequer que era militante. Mas em Porto Alegre, naquela época, nossos esquemas de segurança eram muito falhos, os militantes acabavam sendo vistos juntos por muitas pessoas que os conheciam. Além disso, entendo que nós não avaliávamos de forma realista a capacidade de investigação da repressão. Para que se tenha uma idéia melhor, eu não sei até hoje como eles chegaram a mim e ao meu endereço.

Sul21 – Quanto tempo você ficou presa e onde?
Eliana
– Eu fui presa duas vezes. Da primeira vez, fiquei no DOPS de Porto Alegre por aproximadamente 15 dias. Era nesse local que eles aplicavam diversas formas de tortura física e mental. Como acreditaram que eu era uma simples “simpatizante”, ou uma “inocente útil” – como eles gostavam de falar – eu fui solta. Não sei exatamente quanto tempo fiquei em liberdade, mas acho que foi mais ou menos um mês. Depois fui novamente presa e levada ao DOPS pela segunda vez. Essa segunda prisão foi claramente fruto de uma reação de ódio dos torturadores, pois, com os dados colhidos posteriormente, eles perceberam que eu era militante e que havia sonegado informações importantes. Ou seja, fui levada ao DOPS para que os torturadores pudessem ter sua “vingança” pessoal me dizendo que, dessa vez, eu seria enviada ao Presídio Feminino Madre Pelletier, e que eu não ia sair de lá tão cedo.

“Hoje entendo que sim, que todo torturador é patologicamente sádico e, dentro de tudo o que já estudei, não existe alguma “cura” para esse desvio de personalidade” | Foto: Palácio Piratini
“Hoje entendo que sim, que todo torturador é patologicamente sádico e, dentro de tudo o que já estudei, não existe alguma “cura” para esse desvio de personalidade” | Foto: Palácio Piratini

Sul21 – Você diz que é muito difícil falar sobre tortura. Mas, agora, você já consegue falar sobre ela? O que sofreu?
Eliana –
Eles começaram com gritos, ofensas e humilhações, mandando tirar a roupa, observando meu corpo, me tocando e fazendo ameaças as mais variadas que incluíam desde estupro à tortura e morte. No cair da noite passaram para a tortura física, especialmente choques elétricos, e utilizaram, ainda, substâncias químicas, comprimidos que eles diziam funcionar como “soro da verdade”. Isso se repetia toda noite. Eu tinha 18 anos, na época.

Sul21 – A tortura é o exercício do sadismo? Todo torturador é sádico?
Eliana –
Naquele tempo eu não tinha essa noção. Hoje entendo que sim, que todo torturador é patologicamente sádico e, dentro de tudo o que já estudei, não existe alguma “cura” para esse desvio de personalidade.

Sul21 – Mesmo na democracia a tortura segue sendo praticada. Por quê? Por que a maldade faz parte do homem?
Eliana –
Não tenho uma resposta sucinta para essas perguntas. Mas a maldade faz parte do homem, sim. Ocorre que a maioria de nós (pessoas normais) desenvolve a capacidade de empatia – de colocar-se no lugar do outro – e com isso desenvolve sentimentos amorosos como a ternura, a compreensão, a piedade, a gratidão. Os torturadores sádicos são incapazes de desenvolver esses sentimentos e de reconhecer as outras pessoas como seres iguais a eles. Por isso podem tratar outras pessoas como coisas que não merecem qualquer respeito.

“Além da humilhação e da raiva havia o desprezo por aquela pessoas execráveis”

Sul21 – Que sentimento – além da dor e da humilhação – você tinha na hora da tortura e agora, quando lembra dela? Revolta? Raiva? Indignação? Ódio?
Eliana –
Os sentimentos eram muitos e bastante confusos. Além de dor e humilhação existia a raiva, sim, mas era muito mesclada com um certo desprezo por aquelas pessoas execráveis. Além disso, existia o medo da experiência da dor física, do fato de estar submetida a pessoas sem qualquer limite, emocional ou legal, medo de não conseguir manter um controle interno, medo de que a maldade deles fosse mais forte do que as minhas convicções e os meus valores.

Sul21 – Além das sequelas psicológicas, você ficou com sequelas físicas?
Eliana –
Acredito que não, porém há algum tempo sofro de problemas de audição, sendo que eu levei muitos choques na cabeça e nos ouvidos.

Sul21 – Você sabe quem foram seus torturadores?
Eliana –
Sim, essa informação está com a Comissão da Verdade.

Sul 21 – Você diria o nome dos seus torturadores publicamente?
Eliana –
Sim, todos já foram mencionados publicamente em meu depoimento para a Comissão Regional da Verdade.

"A possibilidade da violência está presente tanto em homens como em mulheres, mas o social autoriza ou estimula sua prática mais intensamente entre os homens" | Foto: Palácio Piratini
“A possibilidade da violência está presente tanto em homens como em mulheres, mas o social autoriza ou estimula sua prática mais intensamente entre os homens” | Foto: Palácio Piratini

Sul21 – Entre os torturadores havia mulheres?
Eliana –
Não.

Sul21 – A violência é masculina? Por quê?
Eliana –
A possibilidade da violência está presente tanto em homens como em mulheres, mas o social autoriza ou estimula sua prática mais intensamente entre os homens.

Sul21 – Você chegou a reencontrar algum dos seus torturadores? Como foi esse reencontro? O que diria a eles se os visse agora?
Eliana –
Sim, reencontrei alguns, mas não teria nada para lhes dizer até porque tenho a convicção de que nenhuma palavra penetraria na couraça de indiferença e crueldade dessas pessoas. Espero, contudo, que a nossa Justiça tenha muito a dizer a esses senhores que permanecem impunes até os dias de hoje.

“Enfrentei duas ditaduras além da brasileira: a chilena e a argentina”

Sul21 – Ao sair da prisão você foi para o exílio no Chile ao lado de seu então marido, o músico Raul Ellwanger. Como foi viver no exílio e enfrentar uma nova ditadura latino-americana?
Eliana –
Não enfrentei uma, mas duas ditaduras, além da brasileira: a chilena e a argentina. No entanto, esse tempo de exílio, antes dos golpes militares, é claro, me permitiu experimentar um certo gosto de liberdade que era uma novidade para alguém que havia entrado na adolescência já debaixo de uma ditadura em seu próprio país. Lembro nitidamente da minha emoção ao me deparar com muros pichados em Santiago do Chile, na época de Allende. No Brasil isso era “motivo” de prisão e até de morte, se o pichador fosse surpreendido pela repressão. No Chile eu pude efetivamente participar de uma democracia voltada para o social e essa foi uma experiência intensamente prazerosa e alentadora. Na Argentina vivenciei as inúmeras facilidades oferecidas por um governo voltado para o povo; lá o ensino gratuito era amplamente difundido e de excelente qualidade, assim como os conservatórios de música, o atendimento médico e odontológico e outras diversas atividades que contribuíam para a saúde e o lazer do cidadão comum. Muito disso se perdeu na ditadura. Diferentemente de outros companheiros, não vivi o exílio como uma experiência maiormente dolorida; me adaptei, fiz muitos amigos, estudei, me integrei aos lugares onde estive.

Sul21 – Como você conseguiu ir para a Argentina? Você ainda estava na Argentina na ocasião do golpe ou já havia retornado ao Brasil?
Eliana –
Através dos amigos que Raul havia conquistado em sua temporada chilena – que foi muito mais longa que a minha – conseguimos sair do Chile legalmente, eu em avião, ele via terrestre. Lembro que chorei incontrolavelmente durante todo o voo de Santiago do Chile a Mendoza, na Argentina. Chorei por Allende, pelos companheiros mortos, presos, desaparecidos, chorei pelo povo chileno, pelo final de um sonho de democracia justa e popular. Choro até hoje quando vejo imagens de “La Moneda” bombardeado. Na Argentina tivemos novo alento, mas que não durou muito. Mesmo antes do golpe, no governo “Isabelita”, as forças da reação começaram a mostrar sua cara. Quando, após o golpe, a situação revelou-se insustentável (e eu estava grávida do nosso filho Santiago), nós decidimos voltar para o Brasil porque aqui tínhamos, no mínimo, garantia de vida, coisa que na Argentina já não existia.

Elina no festival de música de 1981: "O retorno ao Brasil foi traumático" | Foto: arquivo pessoal
Eliana no festival de música de 1981: “O retorno ao Brasil foi traumático” | Foto: arquivo pessoal

Sul21 – Você continua ligada ao Chile e à Argentina? Participa de alguma forma das reivindicações e esperanças de chilenos e argentinos?
Eliana –
Continuo ligada a chilenos e argentinos pela via da amizade, não da militância política.

“A participação na resistência continuou sob outras formas”

Sul21 – Como foi o retorno ao Brasil? Sua participação na resistência continuou? De que forma?
Eliana –
O retorno ao Brasil foi traumático. Raul foi preso, eu estava grávida de seis meses e, quando eu insisti em visitá-lo, naquele mesmo DOPS no qual eu havia sido torturada, eu tive o desprazer de me defrontar com o delegado Pedro Seelig que me disse que, se eu voltasse lá, iria ficar presa também. Quanto à participação na resistência, entendo que ela continuou sob outras formas. Participei das passeatas pelas Diretas Já, das passeatas pela deposição de Fernando Collor. Mas talvez a participação maior tenha sido através da música e, posteriormente, através da prática da psicologia.

Sul21 – Como você conseguiu se recuperar das agressões sofridas e tornar-se uma psicanalista?
Eliana –
Acho que a Psicanálise foi um instrumento muito importante nessa recuperação. Eu procurei o tratamento psicanalítico ainda na Argentina e o mantive no Brasil, durante mais de onze anos. A opção pela psicanálise como profissão também desempenhou um papel muito importante. Através dela você se depara com as falhas e as fraquezas humanas e desenvolve um maior sentimento de tolerância em relação aos outros, mas, especialmente, em relação a você mesmo. O nascimento do meu filho, meu amor por ele, também foi fundamental, assim como a construção de um segundo relacionamento afetivo que se mantém até a atualidade

Sul21 – Em que momento da sua vida, você se deu conta que havia superado o sofrimento da tortura e já podia falar sobre ela?
Eliana –
Acho que esse sofrimento, na realidade, nunca se supera. Ocorre que, num momento histórico como o que vivemos hoje, você é levado a falar da tortura por uma necessidade quase didática de passar essas informações para os jovens que não vivenciaram a experiência da falta de liberdade, da repressão e da crueldade da ditadura. Os testemunhos das pessoas que foram presas e torturadas assumem, nesse sentido, o papel de um resgate de um passado que deve ser conhecido “para que nunca mais aconteça”.

Sul21 – Quais as vantagens e desvantagens da Anistia brasileira?
Eliana
– A vantagem é que ela possibilitou uma abertura para resgatar o passado e trazer para a atualidade toda uma história de luta de muitos brasileiros. A desvantagem é que ela serve também de “manto protetor” para criminosos.

Sul21 – Qual a sua expectativa em relação às comissões da verdade estaduais e nacional?
Eliana –
De forma geral apoio o trabalho de todas as Comissões e as acho extremamente necessárias. Contudo, até onde sei, o trabalho dessas Comissões necessita de um suporte legal que somente pode ser encontrado numa associação com o Ministério Público. As Comissões não têm legitimidade para obrigar ninguém a depor e, muito menos, para indiciar alguém por algum crime.

Sul21 – Hoje você milita em algum partido ou movimento social? Atualmente, qual a sua luta como mulher e psicanalista?
Eliana –
Há muito tempo me liguei à ala jovem do PDT. Por falta de oportunidade ou empenho, nunca cancelei essa “inscrição” que, atualmente, não tem qualquer sentido para mim. Desde que me inseri na psicanálise, entendo que a questão dos movimentos sociais é atravessada, inexoravelmente, pela problemática psíquica individual. Somos capazes de criar, na teoria, sistemas políticos e econômicos que se aproximam da perfeição, mas sua aplicação prática depende de pessoas que necessariamente estão submetidas a emoções e expostas a “falhas” de julgamento e de caráter. Dentro dessa concepção, achei mais produtivo me voltar para uma tentativa de compreensão das raízes de fenômenos humanos como a crueldade e a ânsia de dominação do outro. Esse tema foi desenvolvido principalmente durante meus estudos no Doutorado em Teoria Psicanalítica, na UFRJ. Como há muito tempo sou tocada pelas questões das diferenças de valorização dos gêneros e por estudos feministas de distintas origens, minha pesquisa se voltou mais precisamente para o problema da violência masculina contra a mulher. Esses estudos me levaram a uma melhor compreensão das raízes da violência humana que, desde um viés psicanalítico, pode ser entendida como uma “falha” na construção da alteridade, uma falha na capacidade de reconhecimento do outro como outro humano. As evidências de uma disparidade histórica entre homens e mulheres, que felizmente vem diminuindo nos países ocidentais, ofereceram um campo bastante rico para essa pesquisa. Entendo que dessa forma eu talvez seja mais produtiva do que me inserindo em algum tipo de militância mais diretamente política.

“Atualmente sou uma ouvinte de música, não mais uma cantante”

Nana+Chaves+_Sul21 – Você atuou na música. Como foi isso? Continua dedicada à música?
Eliana – Minha atuação na música data da época dos festivais universitários, onde defendi, em dois anos consecutivos, duas composições de Raul Ellwanger. Um pouco antes da minha prisão participei de um espetáculo denominado “Alice na TV”, com Zé Rodrix, Batera e Homero Lopes. Após minha saída da prisão fui convidada para participar de outro espetáculo “multimídia”: Liverpool Sound & Sons. Com a saída do Brasil esse percurso foi interrompido, mas, em Buenos Aires, ingressei no Conservatório Municipal, onde continuei estudando música e participei de uma apresentação do conjunto “Caldo de Cana”, dirigida por Augusto Boal . Na volta ao Brasil, Raul gravou seu primeiro disco, “Teimoso e Vivo”, do qual participei como vocalista e onde solei a música Jacobina. Fizemos muitos shows em Porto Alegre e no interior e participamos das “Califórnias da Canção” em Uruguaiana. Quando mudamos para São Paulo eu gravei o tema da novela “Meu Pé de Laranja Lima”, da TV Bandeirantes, composição nossa, e, em 1981, já no Rio de Janeiro, defendi a música Jacobina no festival da Globo. Depois disso, gravei vocais para Kleiton & Kledir, para um disco de Beth Carvalho que nunca foi lançado, e outros trabalhos. Mas naquela época, já separada e com um filho pequeno, eu tinha que procurar uma fonte de ingresso menos insegura. Por conta disso fui deixando a música de lado e me voltando para a minha outra paixão: a psicanálise. Atualmente sou uma ouvinte de música, não mais uma cantante.

Sul21 – O que ficou da sua geração, das pessoas resistiram à ditadura, para os jovens de hoje?
Eliana –
Creio que essa resposta pode ser sintetizada na constatação de que hoje temos, na presidência da República, uma mulher que carrega um passado de luta pela retomada da soberania de um povo e pela conquista de um país menos injusto e desigual. Diante dessa constatação, acho que os que passamos por aqueles tempos negros de repressão e violência temos o dever de transmitir aos jovens informações que possibilitem uma valorização mais efetiva da liberdade que eles gozam hoje.


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