Educação
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23 de setembro de 2022
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16:58

Injúria racial e ameaça: briga entre alunos do Colégio de Aplicação vira caso de polícia

Por
Luciano Velleda
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Briga de alunos resultará no indiciamento de um por injúria racial e de outro por crime de ameaça. Foto: Thiago Cruz / UFRGS
Briga de alunos resultará no indiciamento de um por injúria racial e de outro por crime de ameaça. Foto: Thiago Cruz / UFRGS

O interesse de dois jovens pela mesma garota está na origem de uma briga que virou caso de polícia no Colégio de Aplicação, em Porto Alegre. A disputa foi transferida para o campo de futebol, desencadeando uma briga que culminou com acusações de injúria racial e crime de ameaça. Esse é o roteiro apurado pela delegada Larissa Fajardo, titular da 3ª Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (3ª DPCA). 

Os nomes dos alunos envolvidos serão preservados nesta reportagem, conforme estipulado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O caso começou no dia 12 maio deste ano, quando um adolescente negro, há mais de 10 anos aluno do Colégio de Aplicação, disse ter sido vítima de injúria racial cometida por outro estudante branco ao imitar gestos de um macaco. Diante da repercussão interna do caso, dias depois a escola instituiu uma Comissão Disciplinar para investigar os fatos. 

Na sequência, a família do aluno branco registrou boletim de ocorrência acusando o aluno negro do crime de ameaça, dando origem a um inquérito policial instaurado no dia 2 de junho. Preocupada, a família do outro aluno se protegeu também registrando um boletim de ocorrência na Delegacia de Combate à Intolerância, solicitando a investigação do crime de injúria racial, com o inquérito sendo aberto dia 14 de junho.

Ambos os inquéritos ficaram sob responsabilidade da delegada Larissa Fajardo. A investigação da acusação de injúria racial, concluída no final de agosto, indiciou o aluno branco. Agora caberá ao Ministério Público acolher o indiciamento e denunciar o jovem à Justiça, ou não. 

O inquérito que apura o crime de ameaça deve ser concluído nas próximas semanas. Além do aluno negro, ele envolve outros três adolescentes, que deverão depor dentro de alguns dias. A delegada, todavia, afirma já ter formado a convicção de que o aluno negro cometeu o crime de ameaça e, portanto, ele será indiciado.

Larissa avalia que o caso, de certa forma banal por envolver dois adolescentes interessados na mesma menina, ganhou outra dimensão diante do elemento racial. Se fosse a 20 anos atrás, acredita a delegada, a mesma briga não teria maiores repercussões na escola e tampouco viraria caso de polícia. “São gestos e comportamentos que, atualmente, não são mais aceitos como antigamente”, diz a titular da 3ª Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.

No dia 05 de julho, a Comissão Disciplinar instituída pelo Colégio de Aplicação concluiu pela culpa do aluno branco pelos atos de injúria racial. O entendimento ocorreu após a comissão ouvir mais de uma dezena de estudantes. 

Em contato com a reportagem do Sul21, o Aplicação optou por não se manifestar sobre o assunto e declarou que o caso foi “tratado no âmbito interno no que compete à escola fazer em situações desse tipo”.

Conforme apurado, a escola decidiu aplicar uma suspensão e deve orientar o estudante a participar de formações antirracistas que serão promovidas pela instituição. Embora o regimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mantenedora do Colégio de Aplicação, preveja em seu artigo 10, inciso V, que seja falta gravíssima “praticar, induzir ou incitar, por qualquer meio, a discriminação ou preconceito de gênero, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual ou procedência”, a instituição decidiu por não aplicar uma penalidade mais pesada pelo entendimento de que o aluno é novo e não participou das formações antirracistas realizadas até antes da pandemia do novo coronavírus.

A situação, entretanto, tem desagrado a família do aluno negro. No último dia 13 de setembro, os pais e a advogada do estudante divulgaram uma “Carta aberta à sociedade e aos pais do Colégio de Aplicação”. O documento faz um resumo dos fatos ocorridos e conta os problemas enfrentados pelo aluno vítima da injúria racial. 

“Nosso filho deixou de ir à escola por vários dias, não tinha mais vontade de frequentar aquele ambiente e seu rendimento escolar sofreu uma queda como nunca ocorreu nos mais de 10 anos de CAp (Colégio de Aplicação). Por muito tempo, muitos dos professores não souberam que fora meu filho quem sofrera a injúria racial, mais uma falta de informação do CAp junto aos seus próprios professores frente a gravidade do acontecimento e às necessárias ações de reparação e acolhimento inexistentes até então”, afirmam os pais do aluno na carta. 

Por um lado, a família repudia a acusação do crime de ameaça contra seu filho e, por outro, exige que o Aplicação adote medidas mais enérgicas diante da gravidade da injúria racial.

“Solicitamos apoio da comunidade escolar e da sociedade civil para reivindicar medidas administrativas de formações de letramento racial e discussão antidiscriminatória junto ao Colégio de Aplicação e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Estamos buscando serenidade para passar por esta situação com mais força do que entramos, mas não está sendo fácil.”

O Sul21 fez contato mais de uma vez com a família do aluno branco, mas até o momento não houve interesse em se manifestar sobre o episódio.


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