Educação
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19 de maio de 2022
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18:07

Exposição denuncia sucateamento das bibliotecas de escolas estaduais no RS

Por
Luciano Velleda
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Biblioteca da Escola Brasília, localizada no bairro Navegantes, em Porto Alegre. Foto: Egídio Fagundes
Biblioteca da Escola Brasília, localizada no bairro Navegantes, em Porto Alegre. Foto: Egídio Fagundes

Inaugurada esta semana no andar térreo da Assembleia Legislativa, a exposição “Pelo direito ao Livro e à Leitura: Bibliotecas Escolares Abertas”, mais do que exaltar a importância da leitura, pretende dar visibilidade para a situação das bibliotecas nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul. 

A iniciativa da exposição é da deputada estadual Sofia Cavedon (PT), ex-presidente da Comissão de Educação da Assembleia no biênio 2019-2020. Durante o período, a situação das bibliotecas escolares foi objeto de várias reuniões da comissão. Segundo Sofia, o gestão do ex-governador Eduardo Leite (PSDB), e do atual governador Ranolfo Vieira Júnior (PSDB) decidiu pelo fim das bibliotecas nas escolas estaduais. A deputada afirma que, dentre mais de duas mil escolas, apenas em torno de seis instituições mantém suas bibliotecas em funcionamento.

“Desde 2019 estamos denunciando. Se não tem profissionais, que se faça concurso para técnico bibliotecário ou se crie o cargo de técnico em biblioteconomia”, argumenta a parlamentar, que destaca haver menos de cinco bibliotecários nas escolas em todo o RS.

Na opinião de Sofia, se houvesse uma política de empréstimo de livro, teria sido possível obter melhores resultados durante o tempo em que as escolas permaneceram fechadas durante a pandemia.

“Tudo o que o livro pode oferecer, tudo foi suprimido das crianças e adolescentes, pois o governo preferiu investir no livro virtual”, afirma a deputada. A exposição mostra fotos de bibliotecas escolares desativadas ou que viraram depósitos.

O governo estadual, por sua vez, nega a situação. Em nota, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) diz que “todas as escolas estaduais contam com um espaço específico para leitura e acesso ao acervo das obras literárias previstas no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD)”. 

De acordo com a Seduc, com a implantação do modelo híbrido de ensino em 2020, com aulas remotas e presenciais, o governo disponibilizou os materiais literários no ambiente virtual da plataforma Google Sala de Aula.

“A Seduc conta ainda com a Assessoria dos Livros e da Leitura, setor vinculado ao Departamento Pedagógico, que tem sob sua responsabilidade a condução das políticas educacionais voltadas para o desenvolvimento do hábito da leitura na Rede Estadual de Ensino, seja na forma física, através das bibliotecas e seus acervos, ou no formato de acompanhamento das plataformas digitais ligadas a esta temática”, informa a secretaria.

Entretanto, na prática, a estratégia do governo não funcionou, segundo a deputada e ex-presidente da Comissão de Educação da Assembleia, devido a grande dificuldade dos alunos e das escolas em terem acesso a equipamentos tecnológicos (celulares, computadores, tablets) para usar a internet. 

“As plataformas virtuais de leitura e literatura não podem substituir o contato direto das crianças com o livro, mais um motivo para as bibliotecas ficarem abertas. E mesmo na pandemia, poucos alunos conseguiram acessar porque nem tinham equipamentos para isso, e as escolas nem todas conseguem oportunizar que esses alunos entrem virtualmente nesses ambiente, pois elas também não têm equipamentos e ou conectividade com condições para oferecer esse serviço”, afirma Sofia. “Mesmo agora com as aulas presenciais ainda têm cerca de 200 escolas com problemas de conectividade… como elas vão oferecer plataformas de leitura virtual?”

A situação das bibliotecas escolares antecede o início da pandemia no RS, em março de 2020. É o que afirma Helenir Aguiar Schürer, presidente do Cpers Sindicato. Segundo ela, muitas bibliotecas estão fechadas desde o governo de José Ivo Sartori (MDB). “São raras as escolas com bibliotecas abertas”, afirma.

Em novembro de 2021 e no começo de 2022, o Cpers realizou as “Caravanas da Verdade”, com o intuito de identificar e mostrar as dificuldades da rede pública estadual. Ao todo, foram visitadas cerca de mil escolas. Durante as viagens, Helenir conta ter havido a constatação de bibliotecas fechadas ou transformadas em depósitos, guardando cadeiras quebradas e mesas com defeito.

A presidente do Cpers conta que os professores que mantinham o funcionamento das bibliotecas foram remanejados para a sala de aula durante o governo Sartori e, desde então, não houve reposição de profissionais. Para Helenir, o discurso da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) de que não há problema com as bibliotecas escolares “só prova que a Secretaria não conhece os problemas do Estado”.

Professora de português, Helenir reconhece que as plataformas de livros digitais podem ser importantes, mas defende o valor dos livros físicos, além de ponderar a dificuldade de acesso à internet dos alunos e das instituições. “Não consigo imaginar escola sem biblioteca. Livro on-line é ok, mas nada substitui o livro mesmo. E nem todos os alunos têm internet, as escolas mesmo têm internet deficitária. Isso é tentar mascarar a realidade. Tem biblioteca, tem livro, mas não tem vontade política de resolver o problema”, afirma.

Exposição na Assembleia denuncia a crise das bibliotecas escolares no RS. Foto: Paulo Garcia/ALRS

A gestão do então governador Eduardo Leite (PSDB) apresentou, em abril de 2021, três plataformas digitais para serem usadas na rede pública estadual, uma de matemática e duas de leitura – a Árvore de Livros, voltada para as séries finais do ensino fundamental, e a Elefante Letrado, direcionada para as séries iniciais do ensino fundamental.

Quase um ano depois, em março de 2022, uma decisão judicial da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre suspendeu os serviços de leitura da plataforma Árvore de Livros. A decisão atendeu denúncia do Ministério Público Estadual (MPE), que alegou irregularidades no processo de licitação do serviço e a subutilização da plataforma.

O contrato entre o governo estadual e a empresa prevê, mensalmente, R$ 1,99 milhão para mais de 570 mil licenças. Todavia, segundo o MPE, na prática eram usadas, até 30 de novembro de 2021, por apenas 87.736 estudantes e 8.945 educadores cadastrados, o que representa 17% das licenças contratadas.

Na denúncia, a promotora Roberta Brenner de Moraes destaca que o mês com o maior número de acessos de livros foi setembro de 2021, com somente 30.933 acessos, menos de 6% das licenças contratadas. Com relação às obras lidas, o mês com o maior índice de leitura também foi setembro de 2021, com apenas 4.704 obras.

“O estado está despendendo recursos para o pagamento de 570.688 licenças, e menos de 1% estão sendo efetivamente utilizadas, evidenciando que não há (e, de fato, nunca houve) aderência real, em termos práticos, do serviço contratado ao planejamento pedagógico da Seduc”, diz a denúncia.

A Procuradoria Geral do Estado (PGE) recorreu da suspensão e aguarda julgamento.

A exposição que denuncia a situação das bibliotecas escolares ocorre poucos dias após a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) divulgar os resultados da 1ª edição de 2022 da avaliação diagnóstica “Avaliar é Tri RS”. Realizada entre os dias 11 e 15 de março, a prova contou com a participação de 624 mil estudantes de 2.147 escolas estaduais. 

O governo aplicou questionários dos componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática para os alunos do 2º ao 9º ano do Ensino Fundamental, e do 1° ao 3° do Ensino Médio. Os testes foram realizados somente de forma impressa e no modo presencial nas instituições de ensino da rede estadual. 

E o resultados não foram nada bons. No 1º ano do Ensino Médio, 85% dos estudantes tiveram desempenho abaixo do básico em matemática, e apenas 2% obtiveram o índice adequado e outros 2% o avançado. No 2º do Ensino Médio a situação é pior, com 91% dos alunos com índice abaixo do básico, 5% com básico, 1% adequado e 1% avançado. O desempenho mais preocupante é no último ano do Ensino Médio, em que somente 1% dos estudantes apresentaram desempenho adequado em matemática. A maioria, 92% dos alunos, teve atuação abaixo do básico, 4% alcançaram o nível básico, e somente 2% o nível avançado. 

No Ensino Fundamental o diagnóstico também é ruim. A avaliação do governo revelou que no 2º ano, 11% dos alunos apresentaram desempenho abaixo do básico. A situação  piora conforme as séries avançam. No 3º e no 4º ano, o desempenho abaixo do básico sobe para 32% e 49%, respectivamente. Já no 8º, 71% dos alunos tem desempenho abaixo do básico, índice que sobe para 80% no estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental.

O déficit de aprendizado, todavia, não surpreende a deputada Sofia Cavedon. Para ela, os resultados da avaliação são consequência da falta de planejamento do ensino remoto durante a pandemia em conjunto com os professores. 

“Não houve uma política construída. Sabíamos que teríamos prejuízo, mas o prejuízo foi maior por causa disso, além do desinvestimento na educação”, avalia. 

Para ela, aos problemas do ensino remoto durante a pandemia, soma-se a situação de uma rede de ensino desestimulada, professores empobrecidos e com ausência de formação continuada. “É um desinvestimento em educação junto com a pobreza, o aumento do desemprego, o estudante com um ‘celularzinho’”, lamenta.


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