Economia
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22 de janeiro de 2022
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09:26

Castigados pela estiagem, pequenos produtores cobram ajuda emergencial: ‘precisamos agora’

Por
Luciano Velleda
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Combinar o agronegócio com preservação ambiental tem sido motivo de disputa em meio a forte estiagem. Foto: Carina Venzo Cavalheiro
Combinar o agronegócio com preservação ambiental tem sido motivo de disputa em meio a forte estiagem. Foto: Carina Venzo Cavalheiro

Militante histórico do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Frei Sérgio Görgen tem observado em perspectiva a avassaladora estiagem em curso no Rio Grande do Sul. Desde a safra 1995/1996, desenvolveu o hábito de fazer anotações sobre as condições climáticas ano após ano para poder analisar a situação de modo amplo. Segundo seus estudos, até as décadas de 1960 e 1970, acontecia uma estiagem severa a cada 10 anos. Desde 1996, entretanto, a frequência tem sido de uma seca drástica a cada cinco anos, em média, acrescida de mais uma ou duas secas fortes intercaladas.

Frei Sérgio não tem dúvida em relacionar o fenômeno que atinge o RS na temporada 2021/2022 com o aquecimento global e a mudança climática do planeta Terra. E acrescenta um fator importante na sua observação específica dos estados do Sul do Brasil: o desmatamento das florestas e a destruição de banhados e restingas em sintonia com o avanço do agronegócio.

Segundo o autor de Agricultura Camponesa Familiar – Indispensável Para Reconstruir o Brasil, sem as formações naturais que retém umidade no solo, forma-se um sistema super seco que dificulta a entrada de frentes frias sobre o território dos estados do Sul. Essa frente fria então se desloca pelo oceano Atlântico em direção aos estados do Sudeste, indo causar chuvas intensas no Rio de Janeiro, Minas Gerais e, como aconteceu esse ano, no sul da Bahia. “Esta é uma das estiagens mais severas, amplas e duras para o povo”, afirma.

Sem chuva, os rios estão secando, as colheitas sendo perdidas, os animais ficando sem água. Em algumas localidades do RS, inclusive a água para consumo humano está sendo racionada. As plantações de milho, sorgo, feijão, mandioca, hortaliças e batatas, entre outras que garantem a subsistência dos pequenas agricultores, estão sendo todas perdidas. Nem a soja escapa da estiagem e terá perdas significativas.

Criações de suínos e aves igualmente sofrem pela falta d’água e de alimentos. O mesmo acontece com a produção leiteira, que está sendo fortemente atingida pela falta de pastagem e de água. “É uma situação dramática”, lamenta Frei Sérgio

Produtor em Palmeira das Missões, região norte do estado, Plinio Simas, 54 anos, conta que sua produção de feijão, milho, soja, batata e verduras tem perda de quase 100%. Só conseguiu salvar alguma coisa que produz em sistema irrigado. É da colheita que vem a sua subsistência direta e a renda. Ele lembra que a seca começou em novembro do ano passado e, desde então, não deu trégua.

No momento, a preocupação maior está voltada para a produção de leite. Se com o milho e a soja o problema maior virá na hora de acertar as contas com o banco, a falta de alimento para as vacas acontece agora. A produção diminuiu, mas o custo aumentou.

“A esperança é que o Estado tenha política para amenizar, mas temos visto que eles se negam pra fazer esse socorro”, reclama Simas. Na avaliação do produtor, o momento exige a renegociação de dívidas, o fim da importação de leite para elevar o ganho do produto local e a criação de crédito emergencial do governos estadual e federal para a compra de alimentos e a reconstrução da produção.

O governo estadual anunciou recentemente a ampliação do subsídio do programa Troca-Troca de Sementes de Milho de 28% para 100%. Para ter acesso ao benefício, o produtor rural deve residir em município que tenha o decreto de situação de emergência homologado pelo governo do Estado por causa da estiagem. Até esta sexta-feira (21), 335 municípios gaúchos decretaram situação de emergência, sendo 209 homologados pelo governo estadual e 99 reconhecidos pelo governo federal.

O prazo para que o produtor possa quitar os valores devidos ao Troca-Troca termina em abril. Até lá, o governo gaúcho diz que terá um panorama mais preciso sobre quais municípios decretaram situação de emergência e quais tiveram seus decretos homologados para poder orçar o valor total que será destinado ao subsídio.

Simas diz que a anistia do Troca-Troca é boa, mas não basta. E insiste na necessidade de um crédito emergencial para comprar alimentos e refazer a produção. “Não é água só pra gente, o produtor pensa nos animais que tomam água também. Tem coisa que é emergência, é pra agora”, afirma.

Quanto a vir ajuda do governo federal, o produtor de Palmeira das Missões “confia, desconfiando”. “Esse governo é insensível.”

Altas temperaturas e falta de chuva são a marca do começo de 2022 no RS. Foto: Fernando Dias

O drama que afeta Plinio Simas na região norte do Estado é o mesmo de Rosiele Ludtke, 44 anos, produtora agroecológica em Paraíso do Sul, na região central do RS. Integrante de um grupo que trabalha apenas com produtos agroecológicos e vende em feira na cidade e em Santa Maria, ela explica que pôde plantar apenas 30% da capacidade da sua horta de verduras devido à falta d’água. E, mesmo os 30%, não sabe até quando conseguirá manter.

“A gente tinha 40 ou 50 itens toda semana na feira e agora não chega a 30. Diminuímos drasticamente os alimentos. É triste ter que escolher qual produto deixar morrer”, lamenta.

Além das verduras, Rosiele conta que a produção de milho, feijão, batata e mandioca também estão com dificuldade de se desenvolver. No seu caso, a estiagem traz um problema adicional: a perda da variedade de sementes crioulas (sem alteração genética ou utilização de produtos químicos). “Pra nós isso é grave”, atesta.

Rosiele diz não ter recebido qualquer tipo de socorro de política pública até o momento. Inscrita na prefeitura local desde 2019 para receber um açude, segue sem previsão de quando isso se tornará realidade. Para ela, a gravidade do momento exige a liberação de crédito emergencial. A produtora agroecológica defende que o subsídio agrícola beneficia toda a sociedade, pois o investimento retorna em forma de um alimento de qualidade. “A gente não sabe até que dia vamos seguir plantando os 30% da horta”, afirma.

Além da ampliação do subsídio do programa Troca-Troca de Sementes de Milho de 28% para 100%, o governo de Eduardo Leite (PSDB) anunciou mudanças no Programa Sementes Forrageiras, um programa de fomento para a agricultura familiar que serve para incentivar o plantio de pastagens, principalmente para atender o gado leiteiro.

Segundo o governo, em 2020 os contratos somaram R$ 5 milhões e beneficiaram cerca de 11 mil famílias de agricultores familiares, que tiveram parte dos custos com as sementes forrageiras abatidos pelo Estado. Há poucos dias, Leite autorizou que o valor seja duplicado para R$ 10 milhões, caso haja necessidade. O programa paga até R$ 500 por CPF de agricultor familiar para a compra de sementes forrageiras. O produtor tem que pagar 70% deste financiamento às cooperativas e sindicatos até fevereiro do ano seguinte (no caso, até fevereiro de 2023), e os outros 30% são abatidos pelo Estado.

Outra aposta do governo estadual para mitigar os efeitos da estiagem é o programa Avançar na Agropecuária e no Desenvolvimento Rural. De acordo com a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), estão sendo concluídos os termos de referência necessários aos processos licitatórios das obras relacionadas à captação e reserva de água no RS.

A intenção da Secretaria da Agricultura, num primeiro momento, é concentrar os trabalhos na viabilização de quatro licitações para concretizar a perfuração de 750 poços, a implantação de 750 torres metálicas e caixas d’água, a escavação de 6 mil microaçudes e a implantação de 1,5 mil cisternas.

A Secretaria orienta os municípios interessados na escavação de microaçudes e perfuração de poços artesianos em suas localidades que se candidatem por meio de ofícios até a próxima segunda-feira (24). Já as reivindicações de cisternas devem ser feitas junto aos escritórios da Emater/RS.

O governo estadual diz que os recursos referentes aos microaçudes, poços e cisternas, no montante de R$ 173,7 milhões, já estão liberados para que as licitações avancem. Segundo a secretária Silvana Covatti, todos os municípios que manifestarem interesse receberão microaçude e poço, visando ao atendimento, em especial, às comunidades rurais que mais sofrem com escassez de recursos hídricos.

A proposta do governo é que sejam escavados, num primeiro momento, 10 microaçudes por município, em média. Ao todo, 6 mil microaçudes estão previstos no programa  Avançar na Agropecuária e no Desenvolvimento Rural. A ideia do governo é que cada município receba, no mínimo, um poço artesiano.

Em relação às 1,5 mil cisternas, a Secretaria da Agricultura informa que serão atendidas prioritariamente propriedades familiares que tenham condição de captação de água da chuva por meio dos telhados, como unidades produtivas que contam com aviários, granjas de suínos e construções que servem de abrigo ao gado leiteiro. As cisternas terão capacidade de armazenagem de 30 mil litros de água, que será destinada à dessedentação dos animais e à microirrigação. Caberá ao produtor os custos com a instalação das calhas para a coleta da água da chuva. Os projetos técnicos serão feitos pela Emater, que é quem vai apontar onde está a maior necessidade de cisternas no Estado.

Se concretizadas, todas estas ações serão importantes a médio e longo prazo. No curto prazo, entretanto, o socorro para a situação dos produtores rurais afetados pela atual estiagem permanece incerta.


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