Economia
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18 de outubro de 2021
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09:03

Agroindústrias familiares garantem renda, comida de qualidade e desenvolvimento na Campanha

Deputado Luiz Fernando Mainardi (PT) e agricultora Janete Raddatz, da Pampalac. (Foto: Feg Risch/Divulgação)
Deputado Luiz Fernando Mainardi (PT) e agricultora Janete Raddatz, da Pampalac. (Foto: Feg Risch/Divulgação)

Fernando Risch e João Ferrer

Quem olha a área rural de Hulha Negra, cidade com pouco mais de seis mil e quinhentos habitantes encravada na região da Campanha do Rio Grande do Sul e que se emancipou de Bagé apenas na década de 1980, pode não imaginar, mas aquele verdadeiro latifúndio de 820 quilômetros quadrados, agora bem mais dividido, é palco de um bom pedaço da história da luta pela reforma agrária no Brasil nos últimos 30 anos.

Testemunha deste longo processo de luta e desenvolvimento, o deputado estadual do PT, Luiz Fernando Mainardi (PT), organizou um roteiro de visitas à região para marcar o Dia Mundial da Alimentação, data instituída pela ONU e comemorada em todo o mundo em 16 de outubro. Mainardi estava acompanhado pelo vice-prefeito da cidade, Igor Canto (PDT), o diretor do campus de Bagé da Unipampa, Alessandro Bica, a diretora do campus Bagé do IFSul, Giulia Vieira, o chefe da Emater em Hulha Negra, Guilherme Zorzi, além de vereadores do município e técnicos da Emater.

A cidade de Hulha Negra possui 21 assentamentos da reforma agrária, que ocupam terras improdutivas no passado, mas que, agora, cultivadas por famílias de agricultores antes sem-terra, produzem não apenas vegetais e gado diversificado, mas são palco de uma experiência que tem chamado a atenção do poder público municipal e de instituições de pesquisa e assistência da região: o desenvolvimento de agroindústrias familiares, que agregam valor ali mesmo aos produtos primários das pequenas propriedades. 

É assim que o leite produzido se torna queijo, iogurte e cremes nas mãos e nas máquinas da agroindústria Pampalac, liderada pela agricultora Janete Raddatz. A empresa iniciou suas atividades em 2013 a partir, segundo Janete, da necessidade de produtos para serem comercializados na Festa do Colono. “Começamos com linguiça, mas não deu certo. Então fomos para o queijo. No início, fazíamos apenas nas épocas de festa, mas com o apoio da Emater, começamos a produzir iogurte e a focar e ampliar a nossa produção”, conta. 

“Em uma viagem à Serra, conhecemos algumas agroindústrias, nos apaixonamos e assim a nossa começou”, recorda. “É uma corrente em que todos tem de pegar juntos. Mas sempre tivemos apoio. Nunca encontrei alguém que me desestimulasse”, diz. Em pouco mais de sete anos de operação, a Pampalac já se consolidou e melhorou a renda familiar, com impactos na economia do município. 

Embora, o número de pessoas ocupadas pela agroindústria não seja tão significativo – em média apenas duas pessoas se envolvem diretamente na produção –, a cadeia toda é capaz de gerar renda e postos de trabalho para centenas de pessoas, que se envolvem da produção do Tambo à comercialização dos produtos, em feiras e armazéns da cidade e até da região. 

De forma muito parecida, a agroindústria Zago é resultado de um processo de muito trabalho, o que caracteriza o início de muitos pequenos empreendimentos. 

Também comandada por uma agricultora, a dona Sueli Zago, a empresa iniciou produzindo pães, cucas e bolachas. Depois, passaram a servir cafés coloniais na região. 

Com o apoio fundamental da Emater, como todos gostam de enfatizar, a empresa passou a produzir e comercializar queijos coloniais e um tipo de muzzarela, além de doce de leite. “Quanto começamos a expandir, a ideia era produzir leite, mas a Emater nos propôs começarmos uma agroindústria de laticínios. Demoramos dois anos e tivemos dificuldades para consolidar o negócio, mas agora estamos legalizados e otimistas”, conta dona Sueli. 

Vista interna da agroindústria Pampalac (Foto: Feg Risch)

Sabor Gaúcho

Idealizado ainda no governo de Olívio Dutra, o programa Sabor Gaúcho está na base desta transformação que ocorre nas pequenas propriedades de assentados do interior de Hulha Negra. Basicamente, o programa prevê incentivos e assistência para os colonos, de forma que possam ter apoio para empreender a partir da vocação inicial da sua produção primária. No governo Tarso Genro foram investidos R$ 20,5 milhões em programas de apoio à agroindústria familiar. A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) é a responsável pela execução desta política pública no Rio Grande do Sul e acompanha de perto o desenvolvimento dos projetos. 

Segundo Guilherme Zorzi, engenheiro agrônomo e chefe do escritório da Emater na Hulha Negra, a entidade auxilia os pequenos produtores em toda cadeia de produção, do manejo da matéria prima até a comercialização, inclusive no processo de legalização, regulamentação e enquadramento da atividade industrial, o que, às vezes, é o problema mais difícil para os pequenos agricultores. “Hoje, os produtores emitem nota fiscal pelo talão do produtor, que os auxilia, inclusive, na hora de sua aposentadoria”, conta Guilherme com uma ponta de orgulho pelo trabalho que desenvolve.

Em Hulha Negra, a prefeitura ainda implantou um programa próprio, para reforçar o apoio a esses agricultores empreendedores. O Sabor da Hulha é uma espécie de contrapartida da cidade ao apoio da Emater aos assentados através de um Fundo Municipal de Desenvolvimento da Agroindústria de Hulha Negra (FUNDAHN). 

Conforme o vice-prefeito do município, Igor Canto (PDT), o impacto financeiro das oito agroindústrias que já estão implantadas ainda não é grande, mas a produção e a comercialização estão crescendo a cada ano. “Isso permite e incentiva a prefeitura a investir ainda mais no programa”, diz. Conforme cálculos da Emater e da prefeitura, as agroindústrias da região movimentam cerca de R$ 1 milhão/ano na economia local. 

Para ele, entretanto, há um problema sério que precisa ser revertido para a continuidade do projeto, que é a desestruturação da Emater no município. “Tínhamos 14 profissionais no escritório da Emater, hoje temos apenas seis”, lamenta. Para Igor, a presença da instituição de assistência tem sido decisiva para o sucesso dos empreendimentos.

O problema não está apenas na desestruturação da Emater. O descaso do atual governo estadual é sintetizado na previsão orçamentária para o programa de apoio às agroindústrias para 2022, apenas absurdos R$ 3 mil reais para um total de 1.589 empreendimentos que ainda estão incluídos no Programa Estadual de Agroindústria Familiar.   

Caminho inverso

Uma das consequências positivas deste novo ciclo de desenvolvimento dos empreendimentos da agricultura familiar no interior do município é a inversão crescente do fluxo de êxodo rural que sempre marcaram as cidades gaúchas com economia assentada em produção primária. Muitos jovens buscavam trabalho em outros lugares, mas com o desenvolvimento da produção nos assentamentos e nas agroindústrias da região podem pensar em se manter na terra e dar continuidade ao trabalho dos pais.  

É o caso de Henrique Câmara, filho de Eiziane Câmara, a Tia Zane, que dirige a agroindústria de mesmo nome e produz pães, bolachas e doces. Henrique foi para Santa Maria trabalhar e voltava aos finais de semana para ajudar a mãe na produção primária, em sua propriedade. “Um dia, ela me ligou dizendo que começaria sua agroindústria. No mesmo dia eu já estava na propriedade para começar a trabalhar com ela”, conta. “Essa experiência é muito importante. O crédito, a assistência, o apoio. Isso é algo que temos que defender e levar conosco sempre, porque isso transforma vidas”, comenta o agora parceiro de produção da sua própria mãe na empresa que mantêm no interior de Hulha Negra. 

Problemas

Nem tudo, entretanto, são flores para os assentados que buscam o caminho da agregação de valor aos seus produtos. Apesar de prosperarem, as agroindústrias de Hulha Negra ainda precisam de investimentos e carecem de infraestrutura. A energia elétrica é um dos problemas, com quedas constantes na rede. Na parte logística, os produtores já deixaram de vender porque não conseguiriam levar seus produtos até o consumidor, pela distância e por condições climáticas. Mas a demanda mais urgente, segundo os produtores, é o fim do limite de venda de R$ 20 mil reais mensais para escolas do Estado  no programa que estabelece a aquisição de produtos da agricultura familiar pelas escolas estaduais para a merenda dos estudantes. 

Para o deputado Mainardi, que soube desta limitação durante as visitas, a regra “é inadmissível”. Segundo o parlamentar, essa decisão do governo vai na contramão de uma política de desenvolvimento e de apoio aos agricultores familiares. Mainardi pretende organizar uma audiência pública na Assembleia Legislativa para tratar desta e de outras reivindicações dos pequenos produtores rurais da região da Campanha e da Fronteira Oeste. 

Mesmo sabendo dessas dificuldades, o parlamentar petista diz que ficou feliz em ver este novo ciclo de desenvolvimento das pequenas propriedades oriundas da reforma agrária. “Há 30 anos, foi necessária muita coragem para todas essas famílias. Hoje, se vê trabalho e produção onde antes só se via terra improdutiva. As agroindústrias familiares nos apontam um futuro de crescimento de toda uma cadeia produtiva, com equidade social e uma produção baseada em valor da agroecologia e da sustentabilidade”, conclui o parlamentar

Atualmente, Hulha Negra conta com oito agroindústria em operação (Pampalac, Zago, Rancho Alegre, Tia Zane, Sinuelo, Agromap, Aprofara e Coptil) e mais duas iniciarão atividades em 2022 (Tambero e Sabores da Terra).


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