Cultura
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4 de setembro de 2023
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19:16

Fazenda tombada como patrimônio cultural recebe reconhecimento como Território Negro

Por
Duda Romagna
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Júlia Landgraf investigou como o reconhecimento de um passado familiar escravista impacta na forma como pessoas brancas constituem a sua identidade racial. Foto: Divulgação/Associação de Amigos da Fazenda da Tafona
Júlia Landgraf investigou como o reconhecimento de um passado familiar escravista impacta na forma como pessoas brancas constituem a sua identidade racial. Foto: Divulgação/Associação de Amigos da Fazenda da Tafona

No dia 26 de agosto, a Fazenda da Tafona, localizada em Cachoeira do Sul, foi reconhecida como Território Negro em cerimônia com a presença do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae). O evento foi organizado pelo Movimento Negro de Cachoeira do Sul e a Associação de Amigos da Fazenda da Tafona, com o apoio da Secretaria Municipal de Cultura.

Leia também: Pesquisadora da UFRGS estuda reconhecimento do passado escravista por brancos em fazenda do RS

Descendentes dos trabalhadores escravizados na fazenda estiveram presentes na cerimônia. Durante o ato, foi realizada uma solene procissão ecumênica, que iluminou o caminho até o coração da Tafona. No interior da casa, a atual proprietária, Maria Irtilia Vieira da Cunha Silva, proferiu uma carta pedindo perdão pelo modelo de colonização e exploração que existiu na fazenda durante o século 19.

A Fazenda da Tafona é um patrimônio cultural do Estado tombado pelo Iphae desde 2016. A casa, construída por volta de 1813, possui um rico conjunto de bens móveis. Além disso, a propriedade ainda conserva um moinho utilizado para a produção de farinha de mandioca e polvilho. 

Para o diretor do Iphae, Renato Savoldi, “a Fazenda da Tafona é mais do que um simples edifício, é um patrimônio cultural que representa a história e os desafios que moldam nosso entendimento do passado e orientam o futuro”.

 

O tombamento da Fazenda da Tafona aconteceu em 2016. Foto: Renato Thomsen

Ana Lucia Falcão, presidente da Escola de Samba Unidos da Vila, recitou os nomes dos trabalhadores e trabalhadoras escravizados na fazenda, compilados a partir de minuciosas pesquisas em documentos históricos. A lista inclui Jeronima, Januário, Lucas, Hortêncio, Ignacia, Ramiro, Fermina, Fortunata, Eliseo, Galdino, Lauro, Pedro, Arthur, Bernardo, Clara, Angélica, Senhorinha, Leocádia, Florinda e Joséfa.

“Reconhecemos a história tal como ela é, com suas glórias e agruras. Reconhecemos que a colonização não foi pacífica, mas uma guerra injusta, desigual e desumana. Reconhecemos as belezas e as feiuras de nossa história, sem fingimentos e maquiagens, porque queremos superar e corrigir nossos erros e equívocos”, destacou a atual dona da propriedade.

Uma dissertação elaborada pela pesquisadora Júlia Landgraf, mestre em Antropologia Social, estuda o reconhecimento do passado escravista por brancos na Fazenda da Tafona. Ela afirma que transformar em museu um local que, no século 19, abrigava uma fazenda com trabalho escravo, era uma maneira de reconhecimento desse passado.

“O fato do Brasil, enquanto nação, nunca ter discutido a continuidade da exploração do trabalho de pessoas negras pós abolição, faz com que cenários como esse possam ser normalizados, ao mesmo tempo em que pessoas brancas podem lavar as mãos e dizer que a escravização é algo do passado com a qual não temos nada a ver. As pessoas brancas precisam se enxergar enquanto partícipes do racismo, e precisam falar sobre raça e sobre exploração para que possamos ter avanços”, explica a pesquisadora.


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