Cultura
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9 de agosto de 2021
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18:12

Festival de cinema revela a diversidade e a força cultural das periferias do Brasil

Por
Luciano Velleda
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Cena do filme
Cena do filme "Amor Plástico e Barulho", integrante da Mostra Cult do festival. Foto: Divulgação

O Olhar Periférico Festival de Cinema entra na sua última semana de exibição. São 33 curtas-metragens e oito longas disponíveis para serem assistidos gratuitamente no formato on-line. O festival iniciou no último dia 2 de agosto e se encerra no próximo domingo (15), com filmes que retratam diferentes universos das periferias brasileiras.

Composto por diversos gêneros (documentário, ficção, animação), os 33 curtas-metragens estão divididos em quatro mostras competitivas nas categorias: Mostra Olhar Feminino, só com diretoras mulheres; Mostra Olhar Diversidade, para comunidades LGBTQI+; Mostra Olhar Jovem, para novos cineastas com até 29 anos; e Mostra Todos os Olhares, com curtas-metragens dirigidos por homens e mulheres acima de 30 anos,  todos retratando as diferentes realidades da vida nas periferias do Brasil.

O festival tem ainda a Mostra Cult, composta por oito filmes longa-metragens convidados, com produções da periferia e sobre a periferia. Os filmes da Mostra Cult ficam disponíveis por 48h, enquanto os curtas-metragens podem ser vistos até o encerramento do festival.

“As periferias são muito pulsantes. Na zona sul de São Paulo foi onde nasceu o rap paulista, o rap dos Racionas, onde deu esse ‘boom’ pro Brasil. As periferias já têm a linguagem do samba, nos morros cariocas, o Nordeste com o mangue beat e o punk de Recife. As periferias, há muito tempo, são um lugar pulsante de cultura, não só no audiovisual, em todas as áreas”, afirma Eduardo Santana, diretor do Olhar Periférico Festival de Cinema.

Ele explica que a intenção do festival é mostrar os trabalhos realizados, e não somente nas periferias das grandes cidades. “Quando falamos periferias, não estamos restringindo a locais de favelas, morros e comunidades. Estamos falando em ocupações, aldeias indígenas, locais que não estão nos grandes centros, estão na ‘borda’.”

Muitos temas tratados nos filmes são comuns das periferias de todo o Brasil, como racismo, preconceito, intolerância religiosa, aliciamento de jovens, a luta de mães para criar sozinhas seus filhos, e a causa LGBTQIA+. Além de cenários, cultura e religiosidades típicas de diferentes estados brasileiros como, por exemplo, a Festa D’Ajuda, Patrimônio Imaterial da Bahia

O festival foi contemplado em edital pela Lei Aldir Blanc, promovido pelo Governo do Estado de São Paulo, em 2020. A ideia original era realizá-lo este ano, de modo presencial, na periferia da capital paulista. Com a continuidade da pandemia, houve então a adaptação para o meio on-line. “Quando vimos que não dava, decidimos assumir o formato on-line e fazer numa plataforma de graça para o Brasil inteiro”, conta Santana.

O diretor do festival chama a atenção para abrangência que as exibições on-line têm permitido. Ele pondera que numa sala de cinema como o Capitólio, em Porto Alegre, o público possível numa exibição gira em torno de 150 pessoas. No formato on-line, o filme pode ser visto por 200, 300 ou mais pessoas ao mesmo tempo, além de permanecer disponível por vários dias.

O filme Amor Plástico e Barulho, de Renata Belo Pinheiro, por exemplo, estava com mais de 250 acessos até a última sexta-feira (6). “Isso numa sala de cinema, hoje, é difícil, porque os espaços são menores, não se tem salas grandes, e o on-line tem essa possibilidade de, no final, chegar a 4 ou 5 mil visualizações”, avalia Santana.

O documentário Quando te avisto, com direção e roteiro de Neli Mombelli e Denise Copetti, é o único representante do Rio Grande do Sul no festival. O filme aborda a presença indígena em Santa Maria e propõe uma reflexão da relação do homem branco com os povos indígenas que não se restringe ao local.

Além do RS, estão representadas obras audiovisuais dos estados da Bahia, Goiás, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Norte, Ceará, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraíba, Pará, Sergipe e Santa Catarina.

O diretor do festival avalia que o principal problema do cinema brasileiro sempre foi ter onde exibir os filmes. Santana diz que o cinema nacional viveu uma retomada recentemente, depois houve cortes ainda antes do governo de Jair Bolsonaro, e agora, praticamente não existe mais incentivo ao cinema brasileiro. Os incentivos atuais se restringem a prefeituras e alguns estados.

“Dependemos dos governos federal, estadual e municipal para fazer cinema. E além de fazer cinema, temos que ter uma política de exibição. Nada adianta fazer filme e não ter onde exibir. Acho que a cultura tem que alinhar com a educação, criar espaço para exibição de filmes em escolas, centros culturais, associações de bairro, cine-clubes e iniciativas privadas, pra ter possibilidade de exibir. O on-line está aí, foi e é uma grande porta para exibição de filmes, se não fosse o cinema on-line, não se teria mais nada”, afirma.

Por outro lado, diz que a exibição não pode ser em plataformas como YouTube ou Vimeo, por desvalorizarem a obra. “Muitos festivais acabam não pagando nem uma taxa para os produtores e diretores, e muitas vezes vazam, o que acaba com a vida do filme.”

De acordo com o diretor Eduardo Santana, o Olhar Periférico surge como um novo festival de cinema para ampliar o acesso aos jovens e aos cineastas das periferias de todo o Brasil, além de valorizar as iniciativas comunitárias periféricas que representem a diversidade dos territórios. “O diferencial é justamente exibir nesta estreia 33 produções de curtas-metragens das 503 inscrições de todas as regiões e que muitas vezes não tem espaços para exibição, um grito de esperança e também de liberdade aos realizadores.”


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