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24 de abril de 2011
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17:29

A vitória do movimento Jan-Jan, a frustração da UDN e o Brasil em guerra por Jango

Por
Sul 21
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Rui Felten

Jânio Quadros: carisma e talento para o populismo

O discurso do ex-governador de São Paulo Jânio Quadros contra imoralidade e corrupção, o carisma atribuído a ele e o talento para o populismo que demonstrava ter levaram a UDN (União Democrática Nacional) a apostar nele como candidato capaz de garantir a vitória nas eleições presidenciais de 1960. Com a candidatura de Jânio, os udenistas esperavam romper o ciclo da dobradinha PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e PSD (Partido Social Democrático), ambos descendentes do getulismo e fundados no período final do Estado Novo de Getúlio Vargas – que foi de 1937 a 1945.

Jânio foi consagrado, no dia 3 de outubro, como sucessor de Juscelino Kubitschek – o JK, que governava o Brasil desde 1956 – com o resultado espetacular de 5.636.632 votos. Mas o vice-presidente, naquela época, era eleito em votação separada, não em chapa com o presidente, como ocorre hoje. E para frustração da UDN, o vencedor foi João Goulart, o Jango, como candidato da aliança PTB-PSD, com 4.547.010 votos. Jango já havia sido o vice-presidente de JK, e a opção da maioria do eleitorado de elegê-lo novamente, com Jânio Quadros, ficou conhecida como movimento Jan-Jan.

Jango (entre Brizola e Jânio): outra vez vice-presidente

Concorreram com Jânio à presidência o marechal Henrique Teixeira Lott, pela coligação PTB-PSD, e Ademar de Barros, pelo PSP (Partido Social Progressista). Lott teve 28% dos votos, e Barros, 23%. A vice-presidência foi disputada com Jango por Milton Campos, que representava a UDN, e pelo deputado gaúcho Fernando Ferrari, candidato do PDC e líder do Movimento Trabalhista Renovador. Os números de votos foram 4.237.719 para Campos e 2.137.382 para Ferrari.

Jânio não era o candidato mais cotado

A candidatura de Jânio, na verdade, surgiu patrocinada pelo nanico PTN (Partido Trabalhista Nacional). Pela UDN, o candidato inicialmente cotado era o governador da Bahia, Juracy Magalhães, mas Carlos Lacerda, que governava o Estado da Guanabara, convenceu a sigla a mudar de ideia e ficar com Jânio Quadros.

Os udenistas nunca aceitariam Jango, porque o consideravam uma ameaça comunista ao Brasil. Era de se esperar, portanto, que se posicionassem com os militares que não queriam a posse dele, e sim do presidente da Câmara dos Deputados, Rainieri Mazzilli, como presidente quando Jânio abandonou o governo em 25 de agosto de 1961, sete meses depois de ser conduzido ao comando do país. Estavam desse lado, também, grandes empresários brasileiros e internacionais. Já a favor de Jango ficaram pequenos empresários, profissionais liberais, trabalhadores e uma grande parte de sindicalistas.

Rainieri Mazzilli assume a presidência durante a crise institucional- Foto: wikimedia.org

Jango estava na China no dia da renúncia do presidente, chefiando uma delegação parlamentar brasileira em busca de intercâmbios com o Brasil. A tarefa de liderar a missão ao país comunista lhe fora confiada por Jânio, supostamente como uma emboscada para indispor os militares e as correntes conservadoras contra ele. Mazzilli assumiu a presidência da República e, enquanto era montado o golpe para barrar a entrega do governo ao vice-presidente Jango, o governador gaúcho Leonel Brizola tratava de fazer explodir, de Porto Alegre, o movimento de resistência que ficou conhecido historicamente como Campanha da Legalidade, pelo cumprimento da Constituição Federal.

O país em rebelião pelo respeito à lei

Pelo país afora, estudantes, profissionais liberais, intelectuais, sindicalistas, trabalhadores e integrantes de associações de diversos setores foram às ruas fazer coro contra a tentativa golpista de passar por cima da Constituição. A Igreja também tomou parte nas manifestações. Notícias para o resto do Brasil sobre o que acontecia em Porto Alegre eram transmitidas pela rede radiofônica nacional da Legalidade, instalada nos porões do Palácio Piratini – sede do governo do Estado. Milhares de pessoas formavam um gigantesco pelotão civil em frente ao prédio, e quem quisesse recebia armas para reagir a tiros se fosse necessário. Homens e mulheres alistavam-se, em comitês instalados na Capital e no Interior, para fazer parte da resistência. O ambiente era mesmo de guerra, lembram historiadores.

Além de Porto Alegre, no Paraná, por exemplo, 1.200 pessoas registraram-se como voluntárias no Comitê de Arregimentação Democrática, na prefeitura. Em São Paulo, estudantes universitários entraram em greve e 4 mil funcionários da Estrada de Ferro Sorocabana anunciaram que parariam os serviços de transporte se ocorresse o golpe contra Jango. O prefeito da capital paulista, Prestes Maia, declarou-se a favor da Legalidade. Em Minas Gerais, a Federação da Juventude Operária Católica e os alunos da Faculdade de Direito de Belo Horizonte saíram igualmente em defesa da Constituição.

Mas entre os governadores estaduais, somente o de Goiás, Mauro Borges (militar que fora promovido a coronel quando passou para a reserva), acompanhou Brizola decisivamente na trincheira . “Se não for respeitada a democracia, distribuirei armas ao povo e marcharei sobre Brasília”, ameaçou Borges, que recrutou estudantes e gente do povo para se armar e formar um Exército da Legalidade. A exemplo de Porto Alegre, Goiânia foi tomada por um cenário de guerra nos 13 dias da Campanha da Legalidade, desde 26 de agosto, com o Palácio das Esmeraldas rodeado por barricadas e metralhadoras.

Aviões adaptados para transportar armamentos

Borges (pertencente ao PSD e autor da autobiografia “Tempos Idos e Vividos – Minhas Experiências”, publicada em 2002) também garantiu a Jango, quando chegasse ao Brasil, total segurança para ir de Goiânia a Brasília, se quisesse. E teve o apoio do presidente da Varig, Rubem Berta, que providenciou a adaptação de aviões para voos diretos entre Porto Alegre e Goiânia, com carregamentos de armas e munições. “Todo mundo estava disposto a lutar. O Brasil todo ouvia a rede da Legalidade, e houve uma grande mobilização do nosso povo, como no Rio Grande”, recorda o ex-governador goiano, hoje com 81 anos de idade.

A Campanha da Legalidade deixou para a História, entre outras marcas, um exemplo de como as rivalidades, em diferentes instâncias, podem se tornar irrelevantes quando uma questão maior importa mais a todos os lados. O Partido Libertador fazia forte oposição a Brizola. Ficou do lado dele contra os golpistas. Mesma coisa se viu com o Grêmio e o Internacional, times sempre adversários ferrenhos em campo, mas que, naqueles dias, se uniram em solidariedade a Brizola assinando um documento em conjunto. Com as religiões não foi diferente. Gente de crenças diversas, como católicos e umbandistas, também se alinhou em uma única fé – a de que deveria ser respeitada a vontade dos brasileiros pela posse constitucional de João Goulart.


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