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20 de julho de 2018
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15:12

Correndo contra o tempo com reintegração determinada, Mirabal teme por sua existência

Por
Sul 21
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Correndo contra o tempo com reintegração determinada, Mirabal teme por sua existência
Correndo contra o tempo com reintegração determinada, Mirabal teme por sua existência
Casa na rua Duque de Caxias que foi ocupada pelo Movimento de Mulheres Olga Benário em novembro de 2016 e está ameaçada de reintegração de posse, pedida pelos proprietários do imóvel, a Inspetoria Salesiana Pio X. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Giovana Fleck

Na manhã da quinta-feira (19), um grupo de representantes da Ocupação Mulheres Mirabal convocou uma mobilização em frente ao prédio onde estão estabelecidas há quase dois anos. “Fomos comunicadas que o processo da Mirabal já está no cartório para expedição do mandato de reintegração de posse”, lia-se em mensagem encaminhada para apoiadores.

Há 10 dias, o juiz Oyama Assis Brasil de Moraes, da 7ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, determinou o cumprimento da reintegração de posse da casa onde funciona a Ocupação Mulheres Mirabal. Desde o dia 23 de maio, o prazo para permanência no prédio – obtido pela Defensoria Pública em 2017 – havia se esgotado. Assim, a Inspetoria Salesiana Pio X, proprietária do imóvel, solicitou que o Judiciário cumprisse a reintegração.

No final de junho, após meses de negociação, foi acordada a transferência da Mirabal para o prédio da Escola Estadual de Benjamin Constant, no bairro São João. A escola foi uma das seis fechadas pelo governo Sartori no início de 2018, em Porto Alegre. Assim, um ofício foi emitido pelo Estado, endereçado à Prefeitura. Segundo a  secretária municipal interina de Desenvolvimento Social e Esporte, Denise Ries Russo, não há registro oficial do documento dentro da Prefeitura. Nele, constaria a cedência do prédio e a orientação de que seja encaminhado para causas ligadas à violência contra as mulheres. Não especificamente a Ocupação Mulheres Mirabal ou o Movimento de Mulheres Olga Benário, responsável pela administração da ocupação.

‘Desculpa burocrática’

Mesmo sendo reconhecido – tanto pelo Estado quanto pelo município – como um movimento legítimo que cumpre uma função importante na organização social, a Mirabal teme por sua existência. Desde 2016, já acolheram mais de 80 mulheres em situação de violência, tendo recebido muitas outras em suas atividades e eventos. “É uma casa que vida, que tem que ser reconhecida”, afirma Gessica Sá Oliveira, membro do grupo que coordena a ocupação.

Gessica conta que a mobilização da quinta-feira acabou conseguindo uma reunião com a secretária Denise Ries Russo, no Demhab (Departamento Municipal de Habitação). “Fomos cobrar respostas sobre o processo. Mas não tivemos retorno concreto. Basicamente, nos disseram que não era responsabilidade da Prefeitura [agir nesse momento]. É uma desculpa burocrática, de desinteresse. Quando acelerar o processo os convém, eles aceleram.”

O relato da secretária, no entanto, não é mais otimista. “Há uma questão judicial que não tem relação com a Prefeitura”, diz, se referindo ao processo de reintegração de posse. “Temos que olhar para isso como uma relação administrativa, do ponto de vista legal”, completa.

Segundo Denise, a partir do recebimento do ofício, existem duas possibilidades. Primeiro, sua pasta irá analisar a procedência – tanto do terreno quanto do prédio construído. “Até onde eu sei, o terreno é nosso (da Prefeitura). Mas é algo que deve ser confirmado”, diz. Se for o caso, não se tratará de uma cedência, mas sim de uma devolução. Logo, o adendo do Estado sobre o destino do imóvel poderá ser visto como uma recomendação. “Uma recomendação muito bem vinda”, pontua a secretária. “Essa é uma causa que deve ser ampliada.”

No entanto, ainda há uma segunda fase que pode significar mais um empecilho para a transferência da Mirabal. Segundo as próprias coordenadoras da ocupação, o prédio tem problemas estruturais. De acordo com Denise, a Prefeitura, assim, irá “analisar a situação” e definir se o imóvel poderá ser usado para o fim proposto. “Vamos dizer que dê tudo certo…”, inicia a secretária. Se, de fato, ‘der tudo certo’, o processo passará a tramitar por meio de um edital aberto pelo município.

De 3 a 6 meses

O problema é que um edital pressupõe a possibilidade de concorrência. Ou seja, mesmo que se avalie que o imóvel deve ser destinado para mulheres em situação de violência, nada garante que será a nova casa da Mirabal. “A decisão não poderá ser conjunta”, diz a secretária, se referindo ao fato de que nem todos os envolvidos serão beneficiados. “Formamos um Grupo de Trabalho para que não existisse essa possibilidade. Passamos meses em discussão e, mesmo assim, temos que pressionar por respostas”, pontua Gessica.

O GT foi criado em setembro de 2017, composto por representantes da Mirabal – além de integrantes do governo do Estado, da Prefeitura de Porto Alegre, do Ministério Público e da Defensoria Pública. “Não estamos rompendo com o que o GT fez”, afirma a secretária. “O movimento é meritório. Trabalha com efetividade e afeição. Mas é informal. O problema ficou concentrado por ser uma ocupação irregular”, completa, dizendo que o foco está em beneficiar as mulheres acolhidas.

A secretária também afirma que nenhum edital é feito em menos de três meses – podendo levar até seis para ser publicado. Não há data para a reintegração da Mirabal, mas a coordenação teme pela possibilidade de acontecer a qualquer momento.

“Em um espaço de tempo muito curto, atendemos dezenas de mulheres que não encontraram auxílio na rede pública”, diz Gessica. Hoje, a Mirabal conta com 10 acolhidas. Denise, no entanto, reitera que todas serão recebidas na rede municipal. O movimento, no entanto, vê isso como algo perigoso. “Muitas chegam até nós em viaturas”, completa Gessica.

As coordenadoras da Mirabal afirmam estarem organizando uma nova reunião do Grupo de Trabalho para encaminhar suas demandas. O encontro deverá ocorre até, no máximo, o início da próxima semana.


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