Marco Weissheimer
|
7 de junho de 2014
|
19:39

Memória e política: uma reflexão de Lula sobre passado, presente e futuro

Por
Sul 21
[email protected]
Lula: tenho a impressão de que o povo brasileiro não sabe 30% do que a Dilma está fazendo.  | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Lula, sexta, no Encontro Estadual do PT: tenho a impressão de que o povo brasileiro não sabe 30% do que a Dilma está fazendo. | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Marco Weissheimer

Em sua intervenção, sexta-feira (7), no Encontro Estadual do PT, o ex-presidente Lula chamou a atenção para um possível problema que talvez esteja prejudicando a percepção de setores mais jovens da sociedade sobre o presente do país e o sentido do governo Dilma. Desde que Lula assumiu a presidência da República, já se passaram quase doze anos. Quem tem dezesseis ou dezessete anos hoje, era uma criança na época e não conheceu como era o Brasil antes do PT chegar ao governo, assinalou Lula.

Há um problema de conhecimento e de memória também acerca do período pré-2002. Algo parecido ocorreu com a experiência de 16 anos de governo do PT em Porto Alegre. Na eleição em que José Fogaça acabou saindo vencedor, interrompendo a série de 16 anos, esse problema apareceu em muitas pesquisas qualitativas e nas conversas nas ruas: para muita gente, o termo de comparação do quarto governo petista eram os próprios governos petistas anteriores e não uma série histórica mais longa.

A relação entre memória e sentimentos presentes na esfera da política é algo terrivelmente complexo e enigmático. Mas algumas coisas podem ser percebidas: a combinação entre a ausência de uma memória mais longa e contextualizada sobre um determinado período histórico, e uma tentativa de desconstrução do presente como algo que pertence a essa história, pode desconstituir a memória como um todo, dissociando presente e passado. O culto da instantaneidade alimentado pelas novas tecnologias da comunicação e da informação e vitaminado diariamente nas chamadas redes sociais é um terreno fértil para essa dissociação. Se a exigência do novo, da pronta resposta, da reação sem reflexão, torna velho o que era notícia ontem, o que dizer do que era notícia há alguns anos, ou, pior ainda, uma década?

Um comercial sobre a Copa do Mundo, de uma empresa do setor de alimentação, mostra crianças pedindo aos jogadores da seleção brasileira que joguem para elas, pois, ao contrário dos seus pais, nunca ganharam uma Copa. A situação referida por Lula é similar a essa, guardadas as devidas proporções. Para além da história do que foi feito ao longo dos últimos doze anos, a presidenta Dilma Rousseff enfrenta o desafio do #jogapramim, pois as novas gerações não conheceram o mundo no qual seus pais viveram. Para satisfazer essa exigência, um governo nestas condições precisa fazer pelo menos duas coisas: satisfazer minimamente o #jogapramim, ou seja, governar bem e ter bons resultados; além disso, precisa ter uma narrativa que ligue os pontos que unem passado, presente e futuro.

Uma das principais virtudes políticas de Lula é a consciência da importância dessa narrativa, o que ele vem procurando construir em suas falas mais recentes, em suas andanças pelo Brasil e pelo mundo. Lula reconhece que deveria ter avançado mais nas políticas de democratização da comunicação em seu governo e aponta esse tema como prioritário, juntamente com a Reforma Política, para os próximos anos. A construção dessa narrativa deveria também ser uma tarefa do PT, como principal partido da coalizão que governa o país há quase doze anos. Mas, como já aconteceu tantas vezes na história, o partido foi cedendo seus melhores quadros para o aparelho de Estado e perdendo capacidade de reflexão e elaboração teórica. Mas, constatado o problema, nunca é tarde demais para começar a enfrentá-lo, como Lula vem insistindo.

Em uma entrevista concedida ao Sul21, em julho de 2013, Flávio Koutzii abordou esse tema, chamando a atenção para algumas escolhas erradas no governo federal que resultaram numa “incapacidade de disputar suas próprias políticas e símbolos no espaço dominante da comunicação”. Koutzii disse, na ocasião:

“Houve uma omissão a respeito. Não se trata de uma falha, mas de uma escolha, uma escolha de não enfrentar os monopólios da mídia. Isso tem a ver com o fato de que o tom, a ênfase e o próprio código valorativo do que efetivamente se fez tiveram uma grande diminuição de potência, porque nem o governo transformou isso em bandeiras. O governo anunciou o que fez, é verdade. Mas isso está no meio de todos os demais anúncios. O governo raramente disputou isso como a vitória de uma política, o que no Brasil é considerado um pecado e daria umas cem edições da Folha de São Paulo e umas cinco mil edições da Veja”.

Lula brincou os jornalistas, sexta, ao iniciar sua fala no Encontro Estadual do PT que definiu as candidaturas do partido para as eleições deste ano. Ao saudar os profissionais da comunicação que cobriam o evento, afirmou: “prometo que hoje não vou falar mal da imprensa”. Minutos depois, o ex-presidente denunciava uma brutal campanha de desinformação e ocultamento na mídia em relação às realizações do governo: tenho a impressão de que o povo brasileiro não sabe 30% do que a Dilma está fazendo. Pois é. É bem possível mesmo e esse elemento é um dos principais obstáculos para se construir uma narrativa com início, meio e fim que articule passado, presente e futuro. Como diria Flávio Koutzii, é disso que se trata.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora