Marco Weissheimer
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11 de abril de 2014
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19:10

ZH não apoia candidatos, só programas de governo: tentando separar o inseparável

Por
Sul 21
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ZH não apoia candidatos, só programas de governo: tentando separar o inseparável
ZH não apoia candidatos, só programas de governo: tentando separar o inseparável
Candidato ou programa? Programa ou candidato? Afinal, as duas coisas têm alguma relação ou essa relação é uma ilusão de ótica?
Candidato ou programa? Programa ou candidato? Afinal, as duas coisas têm alguma relação ou essa relação é uma ilusão de ótica?

Na edição do último domingo, dia 6 de abril, a editora do jornal Zero Hora, Marta Gleich, publicou um texto intitulado “Zero Hora apoia candidatos?”. O texto revela, em primeiro lugar, a preocupação da empresa com a presença de seus ex-dois funcionários, Ana Amélia Lemos e Lasier Martins, nas eleições deste ano. E não são duas candidaturas quaisquer: postulam, respectivamente, o governo do Estado e uma vaga no Senado Federal. Marta Gleich afirma categoricamente que Zero Hora não apoia Ana Amélia ou Lasier Martins. Ela escreve:

“O fato de terem sido funcionários do Grupo RBS não significa que os apoiemos. Entendemos que as pessoas façam este julgamento. Mas a verdade é que a condição de ex-funcionários nos faz ter um cuidado ainda maior. Nos nossos espaços editoriais, tentamos dar o mesmo destaque para todos os candidatos a governador ou a senador. Um dia, a Ana Amélia pode ser notícia na ZH e Tarso Genro ou José Ivo Sartori não. Mas, no outro, ocorrerá o inverso: sairá uma notícia do atual governador e os outros não sairão. E assim por diante”.

Segundo ela, o jornal Zero Hora não tem nenhum candidato nem torce para alguma candidatura em particular:

“Nos Estados Unidos, até é comum jornais escolherem um partido ou candidato e tornarem pública esta preferência. No Brasil, não temos esta cultura. Portanto, esperem de nós um tratamento equilibrado, independente e jornalístico nestas eleições”.

É louvável a disposição de estabelecer uma relação de transparência com o público, manifestada pela editora de Zero Hora, mas ela não contou um pedaço importante dessa história. A Zero Hora e o Grupo RBS podem não defender oficialmente uma determinada candidatura, mas defendem explicitamente um programa para o Estado, que é expresso regularmente nos editoriais e nos seus espaços de opinião. Os donos da empresa e os funcionários que concordam com esse programa têm todo o direito de expressá-lo em público. É questionável se tem o direito de separar totalmente esse programa das candidaturas que se apresentam à disputa política.

No caso da eleição para o governo do Estado, ocorre uma coincidência: uma parte considerável, senão majoritária, das ideias expressas nos editoriais de Zero Hora, coincide com as ideias defendidas pela pré-candidatura de sua ex-funcionária Ana Amélia Lemos. Tomemos a edição de 10 de abril de 2014, como exemplo. Em um editorial intitulado “O cidadão desconsiderado”, Zero Hora critica a política de reajuste para os servidores públicos do governo Tarso Genro. O editorial afirma, logo na abertura:

“A aprovação pela Assembleia Legislativa de um generoso pacote de reajustes para servidores públicos evidenciou o pouco apreço dos administradores pelos contribuintes e pela responsabilidade fiscal”.

Mais adiante, acrescenta:

“Dinheiro público é para atender aos direitos dos cidadãos, não para ser usado de forma demagógica, com o objetivo de fazer média com o funcionalismo. O Estado precisa valorizar os servidores, o que implica remuneração adequada, mas com o cuidado de não prejudicar ainda mais as suas finanças e, em consequência, a qualidade dos serviços públicos”.

O editorial de Zero Hora expressa a mesma posição manifestada pelo PP na Assembleia Legislativa, por ocasião da votação dos projetos de reajuste para os servidores. O líder da bancada Frederico Antunes, criticou o que chamou de “pacote de bondades com o chapéu alheio” e questionou a “falta de compromisso de gestão, de responsabilidade fiscal”. Neste ponto aparece um dos principais temas do debate eleitoral deste ano: o discurso do “compromisso de gestão” e da “responsabilidade fiscal” repete, em linhas gerais, a proposta do déficit zero implementada pelo governo de Yeda Crusius (PSDB). A escolha que o governo Tarso Genro fez por conceder reajuste salarial a várias categorias de servidores públicos, apesar de todas as dificuldades financeiras do Estado, é vista como uma heresia por aqueles que acreditam que o Estado deve buscar o déficit zero, mesmo que isso implique a paralisia da máquina pública e das políticas públicas, como ocorreu no recente governo do PSDB e seus aliados no Rio Grande do Sul.

Não é novidade para ninguém que essa é também a ideologia abraçada editorialmente pela RBS e seus veículos. O grupo midiático apoiou e participou ativamente do processo de privatização da telefonia implementado pelo governo de Antônio Britto. Depois, travou uma batalha ideológica sem trégua, do primeiro ao último dia, contra o governo de Olívio Dutra, que era chamado de “governo de conflito”. Após a “pacificação” promovida pelo governo de Germano Rigotto, veio o governo do déficit zero e do choque de gestão de Yeda Crusius, que deu no que deu. Agora, mais uma vez, a RBS coloca-se contra o que considera ser uma “irresponsabilidade fiscal” do atual governo, mesmo que o Estado esteja crescendo muito acima da média nacional.

Tem todo o direito de defender as ideias que acredita, cabe repetir. Disso não se segue que pode menosprezar a inteligência alheia, fazendo uma separação entre candidaturas e os programas que elas representam. Nenhum candidato ou candidata é candidato ou candidata de si mesmo, mas sim de um programa defendido por um ou mais partidos. Neste sentido, a questão que interessa aos leitores de um jornal não é se ele está apoiando formalmente uma determinada candidatura, mas sim qual é o programa que ele defende. Neste sentido, caberia perguntar: há alguma diferença entre a concepção de Estado que a RBS defende e aquela defendida por sua ex-funcionária que, durante anos, defendeu exatamente essa mesma concepção?

Ao responder essa pergunta poderíamos chegar à seguinte conclusão: a Zero Hora não apoia a candidatura de Ana Amélia Lemos, apenas concorda com suas ideias para governar o Estado. Ou então, dito de outro modo, a Zero Hora não apoia a candidatura de Tarso Genro e tampouco apoia suas ideias para governar o Estado. Ou seja, a Zero Hora e a RBS não apoiam candidaturas, mas sim programas. Para saber, então, qual é a posição dos veículos do grupo, basta ler os seus editoriais e comparar as ideias apresentadas com as das candidaturas em disputa. Deste modo, ficará explicitada a falácia que pretender separar programas de governo de candidaturas ao governo.


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