O deputado estadual Raul Pont (PT) manifestou sua indignação nesta quarta-feira (26), durante o Grande Expediente da Assembleia Legislativa, pela publicação de uma entrevista de quatro páginas com o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, na edição do último domingo do jornal Zero Hora. Pont falou como ex-preso político, capturado, preso e torturado pela Operação Bandeirantes, em São Paulo, comandada pelo próprio Ustra. Ele criticou a maneira como a entrevista foi apresentada ao público:
“De uma maneira preocupante, sem questionamento das flagrantes contradições das declarações pela jornalista, ou pelo jornal, ou por quem fez a entrevista”. E informou que recebeu relatos de outras pessoas que encaminharam sua contrariedade ao jornal, pedindo a retratação pelo modo como a entrevista foi publicada.
Raul Pont lembrou que, dias antes de ser preso em São Paulo, o jornalista Luis Eduardo Merlino foi morto em sessão de tortura. Na época, lembrou, os jornais noticiaram que o jornalista teria sido vítima de atropelamento, versão passada pela Operação Bandeirantes aos veículos de comunicação. O deputado levou para o plenário uma edição de 1978 do jornal Em Tempo, que publicou uma matéria que apontava o nome de 233 torturadores, levantamento realizado junto às famílias das vítimas. O primeiro da lista era o então major Carlos Alberto Ustra.
“Era o único (jornal) que nos restava. Um contraponto a uma mídia totalmente cúmplice, totalmente subjugada, subordinada ao oficialismo que a ditadura impunha a todos os meios de comunicação.” A resposta do governo ditatorial, contou Raul Pont, foi recolher os exemplares de número 14 do periódico, invadindo a sede em São Paulo e a sucursal de Porto Alegre. As denúncias sobre os torturadores, é claro, nunca foram investigadas. Sobre Ustra, Raul Pont disse:
“Esse cidadão não só foi o responsável pelo pior e mais sanguinário centro de repressão do Brasil durante o período Médici como, ao contrário do que ele diz no jornal, participava dos interrogatórios e participava também das sessões de tortura. Estou afirmando isso e me proponho a ser testemunha em qualquer espaço judicial ou em qualquer espaço para reafirmar isso.” (Clique aqui para ouvir a íntegra do pronunciamento de Raul Pont no Grande Expediente desta quarta)
MP Federal quer manter punição a Ustra
Em fevereiro deste ano, o Ministério Público Federal em São Paulo solicitou que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região reverta a decisão da Justiça Federal em São Paulo, que impede a punição de Carlos Alberto Brilhante Ustra e Alcides Singillo por considerar prescrito o crime de ocultação de cadáver do estudante de medicina Hirohaki Torigoe, morto no dia 5 de janeiro de 1972.
O coronel Ustra, comandante do Destacamento de Operações Internas (DOI-Codi) de São Paulo, no período de 1970 a 1974, e o delegado aposentado Alcides Singillo, que atuou no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops-SP), foram denunciados pelo MPF em abril do ano passado e obtiveram, em maio, parecer favorável da juíza Federal titular da 5ª Vara Criminal, Adriana Freisleben de Zanetti.
Para ela, trata-se de um crime permanente. Porém, em janeiro deste ano, o juiz Federal Fernando Américo de Figueiredo Porto, substituto da 5ª Vara Federal Criminal em São Paulo, declarou extinta a punibilidade dos réus. Para o magistrado, o crime de ocultação de cadáver seria instantâneo de efeitos permanentes, e não crime permanente, como defendido pelo Ministério Público. O MPF sustenta que se trata, sim, de um crime permanente ”pois a conduta dos acusados foi prevista na parte final do Artigo 211 do Código Penal, ou seja, a ocultação do corpo ou parte dele. Por isso, a conduta dos réus e seus efeitos se prorrogam no tempo, de maneira contínua”, argumenta.
Governo do Estado promove Semana da Democracia
O Governo do Estado promove, de 1º a 5 de abril, no Memorial do Rio Grande do Sul (Praça da Alfândega), a Semana da Democracia, para marcar a passagem dos 50 anos do golpe civil-militar que derrubou o governo de João Goulart. Além dos debates, ocorrerá a inauguração do Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, no mesmo local onde hoje está o Memorial. Familiares de desaparecidos, ativistas de direitos humanos, historiadores, jornalistas, sociólogos, advogados, diretores de centros de memória da América Latina, artistas plásticos, músicos e integrantes da Comissão de Mortos e Desaparecidos integram a lista de mais de 30 debatedores do evento.
A programação está disponível no hotsite http://nuncadesapareca.com.br, onde também é possível usar um aplicativo para converter uma imagem própria semelhante aos cartazes das pessoas desaparecidas durante o regime.
Entre os palestrantes estão confirmados os nomes da uruguaia Lílian Celiberti, sequestrada com seus dois filhos em 1978 durante a Operação Condor, da argentina Estela de Carlotto, presidenta da Associação das Avós da Praça de Maio, e do diretor do Museu da Memória do Chile, Ricardo Brodski. Também está confirmada a participação do jurista espanhol Baltasar Garzón, que determinou a prisão do ex-presidente chileno Augusto Pinochet, e João Clemente Baena Soares, presidente do Comitê Interamericano de Direitos Humanos.
Entre os brasileiros convidados estão os jornalistas Franklin Martins e Juremir Machado da Silva; o senador Pedro Simon, integrante do Movimento Democrático Brasileiro, e ainda o músico Nei Lisboa, que teve o irmão assassinado pelos militares.
Descomemoração do golpe civil-militar de 1964
A bancada do PT na Assembleia Legislativa promoverá no dia 3 de abril um debate sobre o golpe civil-militar de 1964. Participarão do painel intitulado “Descomemoração do golpe civil-militar de 1964”, Flávio Koutzii, ex-deputado e ex-chefe da Casa Civil do Rio Grande do Sul, durante o governo Olívio Dutra, e Hamilton Pereira da Silva, atual Secretário da Cultura de Brasília, fundador e ex-integrante da executiva nacional do PT, ambos exilados pela ditadura de 64. O debate inicia às 19 horas, no Plenarinho da Assembleia gaúcha.
Segundo a organização do evento, Hamilton e Koutzii falarão sobre o quadro estratégico nacional e mundial dos anos 60 do século 20, a geopolítica da guerra fria, a suposta ameaça cubana na América Latina, a situação particular do Brasil dos anos 60, e as Reformas de Base do governo João Goulart. Os dois participaram diretamente da luta contra a ditadura, no Brasil e na Argentina (no caso de Koutzii), foram presos, torturados, exilados; retornaram ao país, e militaram na construção do PT.
Durante o evento também ocorrerá o lançamento da revista Perseu, com uma edição especial sobre 1964, e da reedição dos livros “Combate nas Trevas” (1987), de Jacob Gorender, e “Pau de Arara” (1971), de Bernardo Kucinski e Ítalo Tronca.