Marco Weissheimer
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10 de fevereiro de 2014
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12:43

Brasil, Argentina e Venezuela: uma conjuntura internacional preocupante

Por
Sul 21
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É num cenário de crescentes restrições econômicas e políticas que as duas maiores economias da América do Sul, Brasil e Argentina, irão às urnas em 2014 e 2015, respectivamente.
É num cenário de crescentes restrições econômicas e políticas que as duas maiores economias da América do Sul, Brasil e Argentina, irão às urnas em 2014 e 2015, respectivamente.

Na América do Sul, a Argentina e a Venezuela estão sob ataque especulativo e desvalorizaram suas moedas numa tentativa de tentar conter a sangria da fuga de capitais. O Brasil também está na linha de tiro do mercado financeiro especulativo e tenta evitar ser a próxima vítima deste ataque. Na Europa, a ideologia da austeridade fiscal (leia-se: transferência de renda de políticas públicas para o pagamento de juros aos bancos) segue a todo vapor, com aumento da pobreza, desemprego e desigualdade social.

Uma das principais consequências políticas dessa receita é o crescimento da extrema-direita e da xenofobia em vários países. Na França, a Frente Nacional, de extrema-direita, já aparece em primeiro lugar nas pesquisas. O governo de François Hollande parece cada vez mais ser um parêntesis para a volta da direita. A Suíça aprovou neste final de semana, em plebiscito, uma nova proposta, defendida pela extrema-direita, contra o ingresso de imigrantes no país. A Bósnia, mergulhada na crise econômica e no desemprego, tem protestos contra o fechamento de fábricas que foram privatizadas. As tendências dominantes hoje na Europa são a direitização, a supressão de direitos e a xenofobia.

É neste cenário de crescentes restrições econômicas e políticas que as duas maiores economias da América do Sul, Brasil e Argentina, irão às urnas em 2014 e 2015, respectivamente. Após uma década de pesadas derrotas eleitorais, a direita latino-americana aproveita esse cenário de instabilidade para tentar reagrupar suas tropas e recuperar terreno perdido. Possivelmente seus dirigentes olhem para a Argentina como o elo mais fraco da corrente de governos de esquerda e centro-esquerda que começou a constituir uma nova hegemonia política na região. A eleição na Argentina é no ano que vem e o kirchnerismo, além dos problemas econômicos do país, não tem um candidato confiável até agora.

No Brasil, a recuperação de terreno parece mais difícil para a direita que olha para os acontecimentos envolvendo a Copa do Mundo como um possível fator de desestabilização. Secundariamente, mas não de modo menos importante, o novo cenário econômico internacional também é um fator de preocupação.

Dilma segue ampla favorita nas eleições presidenciais deste ano, mas, nos próximos meses, se moverá em um terreno potencialmente minado. Enfrentará uma conjuntura internacional adversa, parceiros estratégicos como Argentina e Venezuela enfrentando problemas econômicos, movimentos contra a realização da Copa do Mundo no Brasil, protestos e mobilizações de diversas categorias que enxergam na Copa o momento ideal para a conquista de alguma reivindicação. O ambiente parece longe, portanto, de constituir um céu de brigadeiro.

Um grupo de intelectuais argentinos divulgou uma carta aberta denunciando que um punhado de grandes empresas do setor agropecuário (Cargill, Noble Argentina, Bunge Argentina, Dreyfus, Molinos Rio de la Plata, Vicentin, Aceitera General Deheza, Nidera y Toepfer), responsáveis pela exportação de mais de 90% dos grãos, azeite e farinha de soja do país, organizaram um cerco financeiro sobre o governo argentino, obrigando-o a tomar “medidas difíceis e comprometedoras para o futuro do país”, como a desvalorização do peso.

“É grave. Não é um simples episódio mais da história econômica nacional. As grandes organizações agropecuárias têm todas elas fortes vínculos internacionais, financeiros, midiáticos, e sempre estão preparadas para produzir a ilusão de que seus interesses coincidem com os de uma grande parte das desconcertadas classes médias argentinas”, diz o documento.

Na Venezuela, o governo de Nicolas Maduro está em guerra contra setores do empresariado. Termina nesta segunda-feira o prazo dado pelo governo para que empresários e comerciantes venezuelanos se adaptem à Lei Orgânica de Preços Justos, que estabelece um lucro máximo de até 30%. Criada para combater a especulação financeira, a lei prevê multa, expropriação de empresas e até prisão para os comerciantes que a descumprirem. O governo alega que a medida é necessária porque há produtos vendidos no país com preços até 2.000% acima do valor real. Desde o ano passado, o governo venezuelano adotou uma série de medidas para enfrentar a inflação, a escassez de alimentos e a especulação financeira. A inflação acumulada em 2013 superou a casa dos 50% e o dólar no mercado paralelo chega a ser comercializado por mais de 50 bolívares.

Essa conjuntura, além de tensionar internamente países como Argentina, Venezuela e Brasil, colocam obstáculos adicionais ao processo de integração regional, jogando água no moinho dos defensores de acordos bilaterais e mecanismos protecionistas. Não é o caso de prever cenários catastrofistas para a região, mas os sinais amarelos estão todos ligados. As soluções para os problemas citados acima são, fundamentalmente, de natureza política. A pior coisa a se fazer parece ser fechar os olhos para os problemas e ficar repetindo para si mesmo que está tudo bem. Outro caminho para o atoleiro é tomar esta ou aquela árvore como se fosse a floresta. Tem muita gente apertando o botão do “que se dane” e fazendo de sua luta particular o centro da conjuntura. Já aconteceu antes, muitas vezes, e o resultado costuma ser o mesmo: derrota política, social e econômica.


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