Marco Weissheimer
|
5 de fevereiro de 2014
|
11:03

A chantagem e o medo das agências de risco no caminho da redução da dívida do RS

Por
Sul 21
[email protected]
A chantagem e o medo das agências de risco no caminho da redução da dívida do RS
A chantagem e o medo das agências de risco no caminho da redução da dívida do RS
Esses estabelecimentos mantêm vários países e governos sob permanente ameaça e chantagem, mesmo depois da mais do que comprovada responsabilidade dos mercados financeiros internacionais pela crise de 2007-2008, cujos efeitos são sentidos até hoje.
Esses estabelecimentos mantêm vários países e governos sob permanente ameaça e chantagem, mesmo depois da mais do que comprovada responsabilidade dos mercados financeiros internacionais pela crise de 2007-2008, cujos efeitos são sentidos até hoje.

O problema não é novo. Os obstáculos que o cercam, tampouco. Um dos principais pontos da conjuntura político-econômica do país hoje é o temor do governo federal de um possível rebaixamento da nota do Brasil pelas agências de classificação de risco. Esse é o principal entrave para a aprovação do projeto no Senado que muda o indexador das dívidas dos Estados e dos municípios. O governo do Estado e a bancada gaúcha no Senado cerraram fileiras pela aprovação do projeto, mas enfrentam grandes obstáculos.

O temor não é explicitado, mas sobrevoa os corredores e gabinetes do Planalto, do Congresso e do Ministério da Fazenda. Uma mudança do indexador acarretaria perda de arrecadação para a União, o que seria visto por essa entidade mítica chamada mercado financeiro internacional como um sinal de “gastança” e de “falta de austeridade”. Num ano eleitoral, o rebaixamento da nota da dívida do Brasil seria um prato cheio para a oposição.

A ausência de uma solução para a dívida dos Estados e dos municípios, por sua vez, é um prato cheio também para o agravamento de problemas enfrentados em vários Estados e cidades do país. Como enfrentar, por exemplo, o problema da greve do transporte público de Porto Alegre, equacionando as justas demandas dos trabalhadores, o debate sobre o preço da tarifa e a qualidade do serviço sem investimentos públicos? Não parece ser possível. A esperança de aprovação do projeto de mudança do indexador da dívida depende, em boa parte, de incluir esses fatores regionais de instabilidade urbana e social como um elemento da conjuntura capaz de causar danos até mais graves do que um eventualmente rebaixamento de nota por uma agência de risco.

Esses estabelecimentos mantêm vários países e governos sob permanente ameaça e chantagem, mesmo depois da mais do que comprovada responsabilidade dos mercados financeiros internacionais pela crise de 2007-2008, cujos efeitos são sentidos até hoje. A solução é, obviamente, política e não técnica. Mesmo do ponto de vista da lógica eleitoral, aprovar a proposta de mudança do índice da dívida pode trazer um dano menor para o governo federal e representar um pouco de oxigênio para que estados e cidades como Porto Alegre e São Paulo, entre tantas outras, tenham alguma capacidade de investimento para fazer frente às crescentes demandas sociais.

O governador Tarso Genro está desde terça-feira em Brasília coordenando uma série de conversas e articulações em defesa da votação do projeto no Senado. Apoiado pelos governadores, o projeto está pronto para ser votado desde o final de 2013. Em dezembro, o governo federal pediu um adiamento até fevereiro para avaliar os impactos do mesmo junto às contas públicas. De lá para cá, o cenário econômico internacional piorou, crescendo o fantasma da fuga de capitais que assombra principalmente os chamados países em desenvolvimento. Após uma reunião com o presidente do Senado, Renan Calheiros, Tarso Genro resumiu o estado da questão: “Nós, governadores, estamos unificados. É um projeto do governo, e o Senado Federal tem a autonomia, a responsabilidade e a soberania para votar”.

O impacto do projeto na dívida do Estado

O projeto de lei complementar (PLC 99/2013) altera o fator de correção do IGP-DI mais 6% ao ano para o IPCA mais 4% ou Selic (o que for menor). Para o Rio Grande do Sul, a mudança reduziria para aproximadamente R$ 15 bilhões o estoque devido até 2028 e reabriria um espaço estimado em cerca de R$ 1 bilhão, já no primeiro ano, para a tomada de empréstimos destinados a investimentos. Atualmente, o saldo devedor do Rio Grande do Sul atinge a marca de R$ 42 bilhões, e os repasses elevam a receita corrente líquida gaúcha acima do limite legal.

Se o projeto for aprovado, assinala o secretário estadual da Fazenda, Odir Tonollier, o Estado sairá de uma situação de dívida impagável para uma condição de previsão de quitação. Mais do que isso, ampliará o espaço fiscal para realizar novas operações de crédito, que permitirão novos investimentos.

As mentiras do pensamento econômico dominante

Em um instigante artigo intitulado “Mentiras propagadas pelo pensamento econômico dominante”, Vicenç Navarro, professor de Políticas Públicas da Universidade Pompeu Fabra e na Johns Hopkins University, defende que os argumentos utilizados pelos mercados financeiros e suas instituições para chantagear os governos não passam de pura ideologia. Pior ainda, estariam sustentados em mentiras. Uma das principais, sustenta o professor Navarro, é a que defende a necessidade de cortes de gastos por parte do Estado para evitar que o déficit público aumente. Esse é, fundamentalmente, o argumento que se opõe à proposta de mudança do indexador da dívida nos Estados e municípios, no Brasil. Navarro toma o caso da Espanha para rechaçar essa tese (mentirosa, segundo ele):

“Os dados mostram exatamente o contrário. Os cortes são enormes (nunca foram tão grades durante a época democrática) e, ainda assim, a dívida pública continua crescendo. Veja o que está acontecendo na Espanha, por exemplo, com a saúde pública, um dos serviços públicos mais importantes e mais demandados pela população. O gasto público com saúde enquanto parte do PIB se reduziu em torno de 3,5% no período 2009-2011 (quando deveria ter crescido 7,7% durante esse mesmo período para chegar ao gasto médio dos países de desenvolvimento econômico semelhante ao nosso), e o déficit público diminuiu, passando de 11,1% do PIB em 2009 para 10,6% em 2012. A dívida pública não baixou, mas continuou aumentando, passando de 36% do PIB em 2007 para 86% em 2012. Na verdade, a causa do aumento da dívida pública se deve, em parte, à diminuição do gasto público”.

Como isso pode acontecer? – pergunta Navarro. Segundo ele, a resposta é simples:

“A resposta é fácil de enxergar. A diminuição do gasto público implica a redução da demanda pública e, com isso, a diminuição do crescimento e da atividade econômica, fazendo com o que o Estado receba menos recursos através de impostos e taxas. Ao receber menos impostos, o Estado de se endivida mais, e a dívida pública continua crescendo”.

A Europa está praticamente toda ela submetida a essa lógica hoje, com um custo social extremamente grave em termos de desemprego, aumento da pobreza e da desigualdade. O Brasil e a América Latina como um todo já tem larga experiência também com os resultados da aplicação desse remédio. Os números da Espanha mostrados por Navarro mostram que a solução para os problemas enfrentados pelos Estados hoje não virão de uma receita técnica mágica formulada nos escritórios das agências de classificação de risco e dos organismos financeiros internacionais.


Leia também