Lula: ‘Esses grã-finos fazem passeata com a bandeira do Brasil e de noite vão fazer compras em Miami’

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Lula participou de ato em Santa Maria na segunda noite de sua caravana pelo RS |  Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Depois de um dia tenso e de confrontos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou na noite de terça-feira (21) no bairro Nova Santa Marta, em Santa Maria, um ambiente ao qual está perfeitamente habituado. Falando diante de milhares de pessoas que habitam o que já foi uma das maiores ocupações da América Latina, Lula converteu o ato político que encerrou o segundo dia de sua caravana pelo Rio Grande do Sul em um verdadeiro comício a seu favor e em apoio ao PT.

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A comunidade de Santa Marta surgiu como ocupação em 1991. Em 1994, moravam no local cerca de 1,8 mil famílias, mais de cinco mil pessoas, o que a transformava em uma das maiores ocupações habitacionais da América Latina, que lá permaneciam sem saneamento básico e acessos a direitos básicos.

Líder comunitário e do integrante do movimento nacional de luta por moradia, Cristiano Schumacher destacou em sua fala no evento que, por muitos anos, a comunidade era alvo de constantes ações da Brigada Militar, não deixando entrar “água, pão e material de construção” e sendo vítima do descaso de outras parcelas da população e dos governo. “Enquanto a elite nos chamava de vagabundos, foram os trabalhadores, o PT e os sindicatos que vieram nos apoiar”, afirmou.

Schumacher destacou a caminhada da comunidade até se tornar um bairro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

No governo estadual de Olívio Dutra (1999-2002), a região viu abrir sua primeira escola e a chegada da água. A luz chegaria em 2003, já no governo de Germano Rigotto (MDB). Porém, apenas em 2007, quando a comunidade recebeu obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, incluindo pavimentação, iluminação pública, construção de postos de saúde, foi que a Nova Santa Marta tornou-se verdadeiramente um bairro, passando inclusive e constar no mapa oficial da cidade de Santa Maria. Do alto do caminhão, contudo, Schumacher lembrou que a comunidade chegou a ter 5 mil famílias, compondo sete vilas, e precisou travar muita luta para garantir a realização de melhorias de infraestrutura, realizando atos em Santa Maria e na Capital, especialmente durante o governo de Yeda Crusius (PSDB). “Lula, se tu pode chegar aqui hoje e não sujar o sapato, é porque teve muita luta durante muitos anos”, disse Schumacher.

Eva Fernandes Soares não conseguiu subir ao caminhão, mas era uma das pessoas do ato que mais queria agradecer aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff. Em 2010, desempregada, entrou para o programa do governo federal Mulheres Conquistando a Cidadania, que, em Santa Maria, ajudou a formar mulheres para trabalhar na construção civil. Eva não era da Santa Marta, mas também morava em uma ocupação sem saneamento básico, o que foi conquistar depois pelo Minha Casa, Minha Vida. “Por causa desse programa, eu consegui fazer curso no Senai. Nós conseguimos trabalho para muitas mulheres em situação de risco. Mudou tudo na minha vida, tive uma profissão e, numa área em que não é dada muita oportunidade para as mulheres, consegui sustentar meus filhos, cuidar, conquistar e construir minha casa”, disse.

Eva, com os capacetes na mão, vibra com a presença de Lula em Santa Maria | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Foi nesse cenário favorável ao seus governos que Lula subiu ao palco em Santa Marta por volta das 21h30. Ali, fez um discurso voltado a relembrar os feitos de seu governo e criticar os ruralistas que têm promovido protestos contra a passagem da caravana pelo RS, “denunciando” os motivos que levaram os seus inimigos políticos a ficarem contra ele.

Lula disse que os ruralistas do RS sempre foram contra o governo, mesmo quando liberou verbas bilionárias para o financiamento agrícola que ajudaram muitos agricultores gaúchos a, em suas palavras, comprarem “caminhonetas”. “Quando a gente consegue dar dez reais pra uma pessoa pobre, ela fica pro resto da vida agradecida. Quando a gente dá um bilhão pra esses fazendeiros comprarem máquinas, eles passam a vida inteira falando mal e fazendo campanha contra o PT”, disse Lula. “Em 2006, eu vim aqui, via as caminhonetes mais modernas, mas os fazendeiros tinham apenas dois prazeres: quando pegavam dinheiro do governo e quando davam o calote”, complementou.

O ex-presidente também afirmou que, enquanto ainda estava no governo, foi a muitas feiras agrícolas e viu muitos dos produtores rurais tratando seus cavalos “melhor que seus empregados” e que agora estava cansado de ver cavalos comendo maçãs enquanto muitas crianças não têm essa oportunidade. “Se eles tratassem os empregados igual tratam os cavalos, os trabalhadores estavam muito bem”, disse.

Lula então passou a listar uma série de “motivos” pelos quais estes fazendeiros e seus demais adversários não querem que ele concorra à presidência nas eleições de outubro e querem vê-lo preso após a condenação no processo judicial do triplex.

Multidão acompanhou o ato de Lula em Santa Marta | Foto: Guilherme Santos/Sul21

“Essa gente derrubou a Dilma e não quer que eu volte. Eles não querem porque nos nossos governos o salário mínimo aumentou e tivemos a coragem de criar o piso salarial dos professores. Eles não querem que a gente volte porque criamos o ProUni, o Fies e colocamos o filho do pobre na universidade. Eles não querem que a gente volte porque nós conseguimos aprovar as cotas para que negros e negras pudessem entrar na universidade”, disse. “Eles não querem que a gente volte porque pela primeira vez a empregada doméstica passou a ser tratada como cidadã e não como escrava. Eles não querem que a gente volte para que o pobre não aprenda a andar de cabeça erguida. A vida toda eles acharam que pobre gosta de coisa de segunda categoria, de se vestir mal e de morar mal. A gente quer morar bem, comer bem, se vestir bem e ter acesso a cultura”, disse Lula

Ao final do discurso, ainda ironizou mais uma vez as manifestações contrárias à sua visita ao RS. “Não vamos nos enganar com esses grã-finos que andam fazendo passeata com bandeira do Brasil e de noite vão para Miami gastar dinheiro”, disse.

‘Árvore corroída por parasitas’

A fala de Lula foi antecedida por um longo ato que começou por volta das 19h, em que falaram diversas lideranças da comunidade e partidárias, incluindo a presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann e os deputados Paulo Pimenta e Valdeci Oliveira.

A ex-presidenta Dilma dedicou grande parte de sua fala ao impeachment que sofreu em 2016, que comparou à intervenção militar de 1964, pela qual foi presa e torturada quando lutava na resistência. “Os dois casos podem ser diferentes na forma, mas no conteúdo são muito parecidos. Na forma, o golpe militar simplesmente derruba a democracia como um machado que derruba uma árvore. O golpe parlamentar é como se a árvore da democracia fosse corrida e destruída por dentro, por parasitas que destroem a democracia”, disse.

Dilma Rousseff comparou o golpe militar ao impeachment de 2016 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para ela, o impeachment é apenas um ato introdutório do golpe, que se constituiu como um processo voltado para a destruição “moral e cívica” de sua imagem, do PT e de Lula. “Passam a mentir sobre sua vida, passam a mentir sobre o que você fez. Aí temos a distorção da Lava Jato, porque a Lava Jato foi distorcida, ela se tornou um elemento de destruição do inimigo e o inimigo éramos nós”.

Contudo, disse, quando a “bala perdida da Lava Jato” chegou a lideranças do governo e a de partidos aliados e, de outro lado, passou-se a uma nova etapa deste golpe, em que seria preciso tirar Lula da disputa porque ele era o único candidato que crescia nas pesquisas de intenção de voto à presidência.

“Com o desenrolar das investigações, o povo começou a assistir mala para lá e para cá, apartamento cheio de malas, quem tinha dinheiro em paraíso fiscal. Mas queriam nos destruir de qualquer forma. Assim como no impeachment tentaram dar aparência legal a uma injustiça descarada”, disse. “Aconteceu um fenômeno, eles estavam sem candidato, os golpistas. O que apareceu foi a extrema direita, que alimenta o ódio, a intolerância, todas características incompatíveis com a democracia. E quem cresce é uma pessoa que garantiu a soberania, os direitos sociais. Esse processo não pode ser completado até as eleições e tem uma pessoa que é uma grande ameaça, que é o Lula”.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
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