Live do Sul21
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10 de setembro de 2020
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20:02

Live do Sul21: ‘Ninguém começou a comer mais por conta do auxílio emergencial’

Por
Luís Gomes
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Da Redação

A Live do Sul21 desta semana, transmitida pelas rede sociais no início da tarde desta quinta-feira (10), abordou o aumento do preço de alimentos básicos, em especial, o arroz, e a redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 para os próximos quatro meses. O repórter Luís Eduardo Gomes e a editora Ana Ávila conversaram com Patricia Lino Costa, mestre em economia e supervisora da produção técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), e com Paola Carvalho, assistente social e diretora de Relações Institucionais e Internacionais da Rede Brasileira de Renda básica (RBR).

Na abertura do programa, Patrícia destacou que a alta recente nos preços dos alimentos tem como fator principal a desvalorização do real e o aumento das exportações destes produtos. “A gente vem observando um aumento da exportação de alimentos já há algum tempo. A carne, principalmente, o Brasil bate recorde de exportação. E, com isso, reduz, a quantidade de alimentos dentro e o preço sobe. O que ocorreu no caso do arroz, além de alguns problemas climáticos, a partir de maio, o volume de arroz exportado tem sido muito grande. Então, você tem desde uma estiagem a produtores tentando segurar ao máximo o preço da arroz, além de tudo exportando muito. Com o câmbio desvalorizado, tudo que você exporta, você recebe o valor em dólar e multiplica por cinco. Então, é extremamente vantajoso. Com isso, o que a gente tem visto é a saída desses alimentos básicos. A gente tem exportado muito soja, com isso o preço do óleo de soja aumenta. Aumentou muito desde maio o volume de exportação do arroz, com isso também vem faltando internamente”, disse.

Por outro lado, ao ser questionada se o aumento da demanda por esses alimentos com o recebimento do auxílio emergencial não poderia ter influenciado nos preços, tese defendida pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, a economista disse não haver evidências que confirmem isso.

“As famílias brasileiras perderam seus trabalhos. Os dados da PNAD mostram que 9 milhões de pessoas simplesmente perderam suas ocupações e ficaram em casa sem ter a menor possibilidade de trabalho, com isso nem o desemprego subiu tanto porque não tinha pressão dessas pessoas procurando novas ocupações. Então, o auxílio emergencial entrou como um dinheiro dado a essas famílias para que elas pudessem passar pela pandemia e pelo isolamento. Ninguém começou a comer mais por conta do auxílio emergencial. As pessoas comem a mesma coisa. O que houve, em alguns momento, um medo de parte da população, aí no início de abril as pessoas compraram mais arroz, compraram mais papel higiênico, compraram mais feijão, e assim como isso aumenta um pouco a demanda. Passado e entendido que o isolamento é o novo normal e você não vai ter falta de alimentos, a tendência foi o preço voltar. No Brasil, se tem um pouco essa cultura de achar que o problema da inflação é sempre o lado da demanda. Efetivamente, nesse momento, você ter uma parcela muito grande de problema de oferta, então não dá para dizer que o auxílio emergencial deixou as pessoas mais ricas e elas estão comendo mais. Eu acho complicada essa afirmação”, afirmou.

Já Paola Carvalho destacou em sua fala que estudos apontam que as famílias destinavam mais de 90% dos recursos do Bolsa Família para a alimentação e que, apesar de o auxílio emergencial ainda não ter tido tempo de ser estudado em profundidade, há indicativos de que os recursos obtidos com o benefício são destinados para a compra de alimentos e para o pagamento de dívidas relacionadas com a moradia. Nesse sentido, entende que o aumento dos alimentos vai impactar profundamente as famílias que recebem o auxílio.

“Diferente de períodos ‘normais’, em que as pessoas podem fazer trabalhadores complementares de renda, neste período de pandemia, o valor do auxílio emergencial é único para a sobrevivência daquele núcleo familiar, lembrando que só duas pessoas na família podem receber o auxílio. Isso também impacta consideravelmente na vida das pessoas. Os estudos sempre nos mostraram que ninguém vive com os recursos do Bolsa Família, que tem, em média, um benefício de cento e oitenta e poucos reais por mês. Então, nós temos hoje 67,5 milhões de brasileiros e brasileiras que receberam ao menos uma parcela do auxílio emergencial até agora. Como é que isso chega na casa das pessoas? De fato, traz um impacto porque nós temos uma renda familiar que vem caindo a cada ano. A curva de desigualdade vem se acentuando nos últimos anos. Ao mesmo tempo que a gente tem um aumento de 40% no arroz, a gente tem um acréscimo, de março a junho, de R$ 34 bilhões do patrimônio dos super ricos no Brasil. O que me parece é que a discussão do auxílio emergencial deflagra um conjunto de desigualdades que a gente já tinha muito antes da pandemia, desemprego, precarização do trabalho, fome, falta de renda, falta de garantias de direitos básicos, que obviamente se aprofunda na pandemia, mas que não deixam os super ricos não impactados com isso. Quem sofre com essas questões ainda são as populações mais pobres”, afirmou.

Ela destacou ainda que, apesar de atingir 67,5 milhões de pessoas, a forma como o auxílio foi implementado deixou de fora milhões de famílias que se encaixavam nos critérios para recebê-lo, portanto que dependeriam dele para garantirem sua alimentação no período de distanciamento social.

“Se a gente comparar a primeira parcela e a quarta, dá uma diferença de 10 milhões de pessoas. Por quê? Porque o governo foi criando filtros e foi criando problemas de implementação, desde o uso do telefone, dependência de internet. Depois a questão dos cruzamento com dados absolutamente defasados. O que faz com que, e hoje a Defensoria Pública da União confirma isso, mais de 60 milhões de brasileiros e brasileiras tiveram o benefício negado. A gente fez dezenas de pedidos de informação para saber os motivos dessas negativas e onde estão as pessoas que tiveram os pedidos negados, mas o governo não revela. Quando a gente trata de 60 milhões de pessoas que tiveram o benefício, se nós considerarmos que, pelo menos, 30 milhões estariam nos critérios e deveriam receber, hoje nós teríamos um auxílio emergencial que alcançaria quase 100 milhões de pessoas. Ele não teve periodicidade, foi reavaliado mês a mês e não garantiu para as pessoas as cinco primeiras parcelas. Acho que não conseguimos fazer esse debate com a sociedade sobre como o auxílio emergencial foi implementado e colocar de fato na conta do governo alguns cruzamentos e algumas avaliações que permitiram, por exemplo, que o dono da Havan fosse considerado apto a receber o auxílio emergencial e a Dona Maria não. Entre esses 67 milhões, está, sim, uma falha grave do governo de liberação para pessoas que não estavam nos critérios estabelecidos na lei. Eu acredito que o auxílio é essencial nesse período de pandemia, porque ele é a garantia e por isso defendemos tanto na Câmara e no Senado que ele tivesse um valor maior, exatamente porque nós queríamos garantir que as pessoas tivessem direito à saúde e a sobrevivência, o que só ia acontecer se as pessoas tivessem em condições de permanecer em casa com seus filhos e com seus idosos”.


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