Últimas Notícias > Geral > Noticias
|
25 de maio de 2012
|
08:59

Jairton Dupont: “Reitores se comportam como se universidades fossem de Governo”

Por
Sul 21
[email protected]
Jairton Dupont: “Reitores se comportam como se universidades fossem de Governo”
Jairton Dupont: “Reitores se comportam como se universidades fossem de Governo”
Jairton Dupont: Regra de votação tira autonomia da UFRGS | Foto: Divulgação/UFRGS

Felipe Prestes

Jairton Dupont é professor associado do Departamento de Química Orgânica da UFRGS desde 1992. Licenciou-se em Química pela PUCRS, doutor pela Universidade Louis Pasteur, de Strasbourg, França, e pós-doutor no Dyson Perrins Laboratory, da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Foi coordenador da Comissão de Graduação do curso de Química e da Pós-Graduação do Instituto de Química da UFRGS. Bastante premiado no Brasil e no Exterior por pesquisas na área petroquímica, Dupont foi considerado em 2011, um dos cem químicos mais influentes da década pelo grupo Thomson Reuters, do qual faz parta a agência de notícias Reuters.

Na entrevista, Dupont afirma que a UFRGS precisa ter mais autonomia em relação ao Governo Federal e ter maior protagonismo no Rio Grande do Sul. Para ele, esta falta de imposição estaria fazendo com que a instituição tenha realizado poucas obras de expansão nos últimos anos, em comparação com outras federais. Ele também defende como uma forma de democracia trazer a opinião de ex-alunos para dentro da Universidade. Dupont defendeu também a manutenção das cotas e abordou a questão da evasão.

Sul21 – Quais seriam resumidamente as prioridades de sua gestão?

Jairton Dupont – Em primeiro lugar, diminuir os índices de evasão e retenção na graduação da UFRGS. Este é um dos fatores essenciais. Segundo, que a UFGRS passe a ter função de instituição de Estado e não de Governo. Terceiro, que a democracia interna e externa seja realmente implementada. Quarto, que a UFRGS dialogue e seja aberta à sociedade.

Sul21 – Qual é sua posição sobre a democracia nas decisões que cabem à comunidade universitária, tanto da divisão de votos nas várias instâncias, quanto do diálogo da reitoria com estudantes e servidores?

Jairton Dupont – Em primeiro lugar, é preciso dizer que a UFRGS não tem autonomia para isto, se submete a uma legislação que nos amarra, que nos retira o que deveríamos de ter de mais importante que é a autonomia. Somos submetidos à regra do 70 a 30% que se reflete em cascata em todas as decisões da Universidade. O que as universidades têm feito, em geral, não só a UFRGS, é responder a demandas específicas dos governos. A UFRGS tem sido incapaz de ser propositiva nas soluções e na interação com a sociedade. Temos que discutir ad nauseum a verdadeira implementação da democracia. Devemos lutar para que esta legislação seja mudada, porque limita nossa autonomia. Como isto é um processo longo, temos que criar outros processos que nos permitam, pelo menos, escutar a comunidade interna e externa. Estamos propondo um processo que chamamos de democracia interativa, em que num primeiro momento toda a comunidade, docentes, técnico-administrativos, alunos e ex-alunos sejam chamados para discutir temas importantes ao destino da Universidade. Por exemplo: a UFRGS deve ou não deve ter um campus no Litoral Norte? Que se pudesse colocar em discussão em toda essa comunidade.

Divulgação / UFRGS
"Universidade tem que ser o mais plural e diversa possível" | Foto: Divulgação / UFRGS

Sul21 – Teremos no meio do ano a revisão das cotas na UFRGS. Qual a sua posição sobre o tema: manter, diminuir ou ampliar?

Jairton Dupont – As cotas são fundamentais para que a Universidade possa ser chamada de universidade. Ela tem que ser o mais plural e diversa possível. Se não o for, não consegue produzir nada de novo. Então, não tem discussão nenhuma sobre a necessidade das cotas, seja por questão de justiça social, seja por reparar a questão dos negros e das etnias que foram sempre subjugadas por nossa sociedade, seja por que a Universidade necessita de pluralidade para poder ser protagonista. Qualquer grande universidade do mundo tem, de uma forma ou de outra, mecanismos para que esta pluralidade esteja presente. Temos que avançar nesta questão das cotas. Não posso te dizer se 50 ou 60% é um bom número. Temos que rediscutir o que vem sendo feito e avançar. O que eu posso dizer é que temos que avançar para que a pluralidade seja uma realidade com a manutenção, a permanência deste estudante. Tenho que preparar a Universidade para que não tenha uma evasão.

Sul21 – O senhor considera alto o índice de evasão da UFRGS? Se sim, o que pretende fazer no sentido de reduzi-la?

Jairton Dupont – Um dos nossos maiores problemas, mesmo antes de existir as cotas, é a evasão e a retenção. Para isto, temos proposta diferenciada. Queremos inverter o processo de acreditar que a partir da sala de aula, de aulas expositivas, eu consiga formar alguém. É preciso superar este modelo, a partir de experiências de sucesso que já temos na Universidade. A evasão beira o zero entre aqueles estudantes que se engajam na iniciação cientifica, na extensão, aqueles estudantes que põem a mão na massa. Por exemplo, no curso de Medicina, o estudante já entra com a mão na massa. Ou estudantes de Direito e Administração que vão fazer estágio. A gente quer que quase todas as carreiras se apropriem destas experiências. A gente quer que os alunos fiquem nos nossos laboratórios, nas nossas clínicas, nos nossos ateliês, nas nossas bibliotecas, que façam estágios em empresas, na sociedade civil. Que eles se engajem.

Sul21 – Nos últimos anos, o Governo Federal tem congelado os salários, o que é uma queixa dos servidores e dos docentes. Já há, inclusive, instituições federais de ensino em greve. Como o senhor pretende atuar para evitar um arrocho que possa causar uma crise na UFRGS?

Jairton Dupont – Um reitor, como em qualquer outra instituição humana, tem que zelar pelos seus. A UFRGS continua tendo uma dívida imensa com seus técnico-administrativos e professores. Nos últimos dez anos, nunca houve tanto investimento, tantas novas contratações nas universidades federais brasileiras. A UFRGS neste processo – é só entrar no site do REUNI e ver os relatórios – é a últimaem tudo. A que menos aumentou vaga para estudantes na Região Sul, que menos contratou professores, que menos contratou técnico-administrativos e que menos fezem infraestrutura. Tem um colega meu que diz que nos acostumamos a viver como indigentes na UFRGS, porque não temos banheiros, não temos um lugar decente para fazermos refeições. E somos cada vez mais cobrados, principalmente os jovens professores e jovens técnico-administrativos. Tratamos estes jovens muito mal. Não é só uma questão salarial que técnicos-administrativos e docentes reclamam junto ao Governo Federal, mas condições de trabalho decentes. O reitor tem um papel fundamental na interlocução com os ministérios envolvidos. Os reitores das instituições federais, em regra geral, se tornaram reféns do Governo. São incapazes de propor. Se comportam como se fossem de instituições de Governo não de Estado.

Liane Neves / Divulgação / UFRGS
"Dizer que a UFRGS construiu alguma coisa é uma falácia" | Foto: Liane Neves/Divulgação/UFRGS

Sul21 – Houve nos últimos anos muitas reformas e novas construções na UFGRS, mas ainda há alguns problemas, como, por exemplo, a situação do Instituto de Artes, que são muito antigos. Quais são as prioridades do senhor neste sentido?

Jairton Dupont – Dizer que a UFRGS construiu alguma coisa é uma falácia. A UFRGS não constrói nada há muito tempo. Claro, construiu alguma coisa lá, alguma coisa aqui, como o Hospital Odontológico, mas não representa nem um centésimo daquilo que a UFRGS precisa e tem projetos prontos. Por exemplo: Faculdade de Medicina II, o Instituto de Biociências para liberar o prédio da antiga Faculdade de Medicina, transferindo o Instituto de Artes para ele poder ter um lugar decente para trabalhar. O Instituto de Química, o Departamento de Engenharia Química, que está caindo aos pedaços e que é prometido há doze anos. Posso te citar cursos novos que foram criados com promessa de espaço físico, por exemplo, Fisioterapia e Dança, na ESEF, que não têm lugar para dar aula. São projetos de pelo menos uma década que a UFRGS e nunca teve tanto recurso para fazer isto. Mas ele se encolhe, se intimida, como se não fosse uma das maiores instituições do RS. A UFRGS não assume isto, é incapaz de impor sua posição. Há questões que se tornam muito complexas, por ela não assumir estas posições. As desculpas que se tem é porque a Prefeitura não libera. Ora, uma decisão tem que ser tomada: a UFRGS é ou não é importante para Porto Alegre e para o Estado? A UFGRS detém a maior concentração de pessoal capacitado, de engenheiros, arquitetos, ecologistas, o que for. A UFRGS é capaz de fazer essa autogestão e, em cooperação com Estado e Município? Se ela não for capaz sequer para construir salas de aula, alguma coisa está errada. Um dos papéis da nova reitoria é resgatar esse papel ativo da UFRGS na sociedade local.

Sul21 – O senhor acredita que a UFRGS tem pouca interação com a sociedade? O pretende fazer neste sentido?

Jairton Dupont – Um dos nossos objetivos é que em dez anos a UFRGS esteja entre as cem melhores do mundo. Nenhuma universidade pode querer estar entre as cem melhores se ela não tem pesquisa e extensão socialmente referenciadas com o local onde está. A UFGRS não tem feito isto e te dou um exemplo: o RS já é o segundo maior polo naval do Brasil e num raio de mil quilômetros não tem sequer um curso de pós-graduação em Engenharia Naval. É este tipo de protagonismo que a UFRGS teve historicamente e tem se omitido, tem sido deixada de lado até, pelos diferentes governos que pagam, porque não assume isto. Aqueles que são mais antigos lembram do papel essencial da UFRGS na implantação do Polo Petroquímico. A sociedade gaúcha tem que se sentir dona da UFRGS, tem que se sentir co-responsável. Uma das coisas que pretendemos fazer é que os ex-alunos possam discutir e votar em questões importantes de consulta. Isto não tem nada de novo. A alma mater das cem melhores do mundo é buscar os ex-alunos. Um exemplo de como a universidade se fechou nos últimos oito anos é a construção de um muro de2,5 metros separando o Campus do Vale da Vila Santa Isabel. Mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis, tem um significado. A Vila Santa Isabel já estava aqui quando a UFRGS veio e são raras as ações com da universidade com a vila.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora