Entrevistas|z_Areazero
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30 de junho de 2014
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10:32

Ana Amélia Lemos defende “pacificação” do RS e critica decisão do PP de apoiar reeleição de Dilma

Por
Sul 21
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Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
A candidatura Ana Amélia Lemos pelo PP tem o apoio dos partidos SDD, PRB e PSDB | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Débora Fogliatto

Ana Amélia Lemos (PP) está em seu primeiro mandato político, eleita senadora em 2010, o que não é sinônimo de pouca experiência, particularmente. Antes de buscar as urnas, ela trabalhou como jornalista, atuando por mais de 20 anos em Brasília pelo Grupo RBS. Agora, é uma das líderes das pesquisas para o governo do Rio Grande do Sul. A senadora teve sua candidatura ao governo do estado oficializada nesta sexta-feira (27), em convenção do PP-RS.

Aos 69 anos, Ana Amélia é a mais velha entre os candidatos e também a única mulher na disputa pelo Palácio Piratini. Nesta entrevista ao Sul21, ela  defende a importância de realizar uma administração “transparente” e faz críticas à administração atual, dizendo que se eleita pretende que o “estado deixe de pertencer a um projeto político-partidário e seja um projeto para a sociedade”. Ana Amélia se compromete a “respeitar o que é acordado” em relação ao piso dos professores e procura desvincular sua imagem da do deputado federal Luis Carlos Heinze (PP), que foi alvo de críticas por chamar índios, quilombolas e homossexuais de “tudo o que não presta”.

À frente do PP gaúcho, ela se une a outros estados para contestar a decisão nacional do partido de apoiar a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT). Ana Amélia afirma que não se trata de uma opinião pessoal contra a presidente, mas sim uma questão ligada à crença de que a neutralidade no âmbito federal beneficia os candidatos estaduais, por dar-lhes a oportunidade de apoiar quem preferirem. “Nenhum presidente que assumir a cadeira na presidência da República vai rejeitar o apoio do PP, que tem mais de 40 deputados federais”, destacou.

“Tudo remete à questão da dívida e lamentavelmente o estado continua sendo endividado”

Sul21 – Por que a senhora decidiu ser candidata ao governo do estado?

Ana Amélia – Eu não decidi ser candidata, não é um projeto pessoal. Se dependesse da minha vontade exclusiva eu continuaria no Senado. Esse é um projeto coletivo do Partido Progressista, abraçado agora pela aliança que é integrada pelo PSDB, pelo Solidariedade (SDD) e pelo PRB.

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“Empréstimo quando se faz tem que  pagar”, resume Ana Amélia | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Qual a senhora diria que é o eixo central do programa de governo da coligação?

Ana Amélia – Uma administração transparente, com uma participação colaborativa da sociedade gaúcha, para que o estado deixe de pertencer a um projeto político-partidário e seja um projeto para a sociedade. E também um estado bem mais eficiente, em que o contribuinte que paga a conta saia satisfeito com o serviço que recebe. Isso valorizará também o servidor público.

Sul21 – Na sua opinião, qual o principal problema do Rio Grande do Sul e como é possível resolvê-lo?

Ana Amélia – O problema é o da dívida, que agrava os problemas decorrentes de uma infraestrutura inadequada, de uma qualidade da educação que está em queda e é uma marca, eu diria, muito negativa para o nosso estado, que desde sempre teve um cuidado muito grande com a educação. Não podemos deixar de mencionar esse aspecto e vamos dar uma atenção prioritária a isso. Tudo remete à questão da dívida e lamentavelmente o estado continua sendo endividado, porque na próxima semana mais um empréstimo de 250 milhões de dólares será apresentado para votação no Senado Federal, que é a instância deliberativa desse pedido de empréstimo. Empréstimo quando se faz tem que pagar.

Sul21 – Qual seria então a forma para se acabar com essa dívida?

Ana Amélia – Primeiro aguardar a deliberação. O atual governo solicitou que essa matéria fosse votada em novembro e eu espero que não haja nenhuma influência nesse adiamento do ponto de vista político em relação à disputa que vai acontecer em outubro, porque isso seria a inversão dos valores republicanos. De qualquer modo, vamos aguardar porque eu tenho trabalhado intensamente nessa matéria, junto com os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Paulo Paim (PT-RS). Eu sou membro da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal e presidente da subcomissão de Assuntos Municipais, que de alguma maneira também é importante nessa matéria da questão da mudança do indexador da dívida.

“O que nós pretendemos é uma administração absolutamente democrática, não queremos partidarizar disputas que são de interesse social”

Sul21 – A senhora mencionou também a importância da educação no estado. Como pretende lidar com a questão do piso dos professores?

Ana Amélia – O governador atual se comprometeu, assumiu reajustes para os professores do Rio Grande do Sul que terão que ser pagos em 2015, ou seja, para o próximo governo. Próximo governo que pode ser ele, mas pode ser muito claramente administrações de oposições, como Vieira da Cunha (PDT), como o José Ivo Sartori (PMDB) e como é o meu caso. Nesse caso, ele está comprometendo o orçamento para o próximo exercício, o que eu acho inadequado. De qualquer modo, esses contratos e aumentos serão assegurados se nós vencermos a eleição, porque Estado de Direito que se preze tem que respeitar o que é acordado, especialmente em uma categoria tão importante quanto a dos professores.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
A candidata defendeu o diálogo com as entidades como melhor forma para resolver o conflito agrário no estado | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – De que forma o seu governo vai lidar com a questão do conflito agrário entre indígenas e pequenos agricultores?

Ana Amélia – Com o diálogo, com a inserção das entidades que operam nessa área, os movimentos sociais, o secretário responsável pelo setor e uma mediação de muito equilíbrio. O que nós pretendemos é uma administração absolutamente democrática, não queremos partidarizar disputas que são de interesse social. A partidarização e ideologização nesse processo é extremamente conflitada. Nós temos que pacificar o Rio Grande.

Sul21 – Na convenção do PP, foi definido que o partido vai apoiar a presidente Dilma Rousseff (PT). Mas o PP gaúcho e de outros estados não concordaram com essa decisão e recorreram à justiça. Como está esse processo?

Ana Amélia – Nós recorremos com uma ação cautelar para anular os efeitos da convenção, mas independente do resultado, se a Justiça Eleitoral conceder ou não a liminar que solicitamos, o nosso papel foi desempenhado adequadamente e nossa posição foi mostrada claramente. (A entrevista foi concedida antes do ministro do TSE Henrique Neves negar o pedido de liminar feito por parte do PP, na tarde da última sexta-feira, dia 27). Não se tratava, e ainda não se trata, de uma questão relacionada especificamente à presidente Dilma Rousseff. Não tem nada a ver com a presidente Dilma Rousseff. O que está em jogo é a neutralidade, que foi o que nós pedimos. Porque a neutralidade nos assegura que possamos usar na nossa campanha eleitoral a imagem do nosso candidato que eu apoio, que é o Aécio Neves (PSDB).

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“Nenhum presidente que assumir vai dispensar o apoio do PP, que tem mais de 40 deputados federais” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Assim como o PMDB do Rio Grande do Sul está apoiando o Eduardo Campos (PSB) e terá as mesmas limitações, porque o PMDB nacionalmente, contrariando uma posição majoritária do Rio Grande do Sul, está apoiando Dilma Rousseff. Receio que, da mesma forma, o candidato do PMDB terá a mesma dificuldade que eu terei e isso é extremamente incoerente no processo democrático em relação à sucessão presidencial. Por isso nós insistimos muito, e não foi só o Rio Grande do Sul e Minas Gerais, como pretende dizer o presidente do partido. As manifestações foram também de Santa Catarina, do estado de Goiás e do Rio de Janeiro, que são as sessões mais importantes do PP. Não se pode ignorar a expressão que tem Rio de Janeiro, Goiás e Santa Catarina nesse processo, evidentemente citando sempre o Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

O governador de Minas (Alberto Pinto Coelho) estava agora mesmo falando comigo no telefone exatamente para saber se já havia uma manifestação da Justiça Eleitoral, mas estava também sobretudo cumprimentando a posição do PP gaúcho, do qual eu fui a porta-voz naquela convenção, onde fiz um pronunciamento penso que com argumentação bastante lógica, coerente e clara a respeito da relevância que era a neutralidade nessa questão. Porque nenhum presidente que assumir a cadeira na presidência da República vai dispensar o apoio do PP, que tem mais de 40 deputados federais. Em 2010, o (ex-presidente) Lula não teve o apoio explícito do PP porque o Francisco Dornelles (líder do PP na época) sabiamente manteve a neutralidade e isso deu liberdade para que todos apoiassem o candidato que quisessem, mesmo que o Dornelles estivesse apoiando o Lula. Então a inteligência de não estarmos defendendo Aécio, Eduardo Campos ou Dilma, estamos defendendo neutralidade é para que todos tenham a coerência de, respeitando a lei, poder usar na campanha os seus candidatos.

“É um governo de transparência, responsabilidade e colaborativo com a participação da sociedade”

Sul21 – Isso complica a sua campanha, visto que não pode atrelar sua imagem à do candidato que apoia.

Ana Amélia – Esse é o problema. Nós podemos até fazer, mas isso pode ser questionado na Justiça, os adversários estão aí para criar problemas. E nós queremos também respeitar a lei. Essa é uma questão muito objetiva e clara. Qual o sentido de você liberar o partido regionalmente por conta das dificuldades regionais e o partido ser impossibilitado de usar a imagem do candidato que estamos apoiando? Eu posso fazê-lo nos comícios, mas não na campanha, que é onde tem que ter visibilidade. Mas nós vamos vencer essa.

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A campanha de Ana Amélia está fundada na palavra “Esperança”. Para ela, as palavras “têm muito poder”| Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – A sua campanha é baseada na palavra Esperança. Por que essa escolha de slogan?

Ana Amélia – Esperança é uma palavra que… As palavras têm poder, muito poder. E as palavras precisam ser mostradas para revelar o simbolismo e a marca do governo que nós vamos fazer para os gaúchos. É um governo, como eu referi antes, de transparência, responsabilidade e colaborativo com a participação da sociedade. Uma sociedade que está querendo e precisa ser pacificada. O Rio Grande precisa ser pacificado. Nós temos que manter essa grande referência com a história que o Rio Grande tem. Embora tenha lutado, feito guerras, é um estado hoje no sécul,o 21 de paz, e é um estado empreendedor. E queremos oferecer aos cidadãos e à sociedade gaúcha, em todos os níveis, um estado que seja eficiente e preste serviços de qualidade ao contribuinte, que é quem paga a conta desse estado.

“Esses R$ 20 milhões se ficassem aqui e fossem injetados em rodovias, já teriam um grande impacto”

Sul21 – Essa pacificação passa também pela questão da segurança pública, que muito se diz estar em crise?

Ana Amélia – Evidentemente. Veja o caso do aumento da criminalidade na região metropolitana. Nós temos um problema gravíssimo, que é o Presídio Central de Porto Alegre. O próprio Conselho Nacional de Justiça já disse que precisa ser fechado, em função da situação absolutamente inaceitável em que está. E isso não é herança do atual governo, já vem de outras gestões em que não se resolve esse problema. Penso que aí haja uma necessidade de entendimento da sociedade gaúcha, dos órgãos que estão diretamente relacionados à segurança pública, especialmente o poder judiciário, a área de execuções penais e o próprio Ministério Público. São instituições muito relevantes no estado e muito comprometidas com essas questões também. Então nós precisamos fazer uma parceria para que o cidadão se sinta protegido nesses episódios.

Sul21 – O PP criticou muito criação da EGR, empresa estatal para lidar com estradas e rodovias. A empresa já existe, está colocada; ganhando a eleição, pretendes manter a EGR ou voltar ao sistema anterior, privado?

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
“A EGR não fornece ao cidadão que paga nem ambulância e assistência técnica e nem guincho para remover veículos danificados” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Ana Amélia – A questão é que eu não sei se o governo atual combate pedágio ou combate a empresa privada. Se combate pedágio, é incoerente, porque a EGR cobra pedágio. E o pedágio é caro também, o da EGR. Em contrapartida, a EGR, que é uma empresa pública, não fornece ao cidadão que paga – e por isso foi judicializado pelo Ministério Público – nem assistência médica, como ambulância no caso de feriados, e nem guincho para remover veículos danificados. Essas duas coisas já seriam suficientemente grave. Mais ainda é o reparo e a construção da rodovia pela EGR. Esses três pontos são relevantes: você cobra um serviço que não presta.

Houve também uma questão relacionada à natureza jurídica da EGR. Na forma como está constituída, está remetendo para Brasília, do lucro que ela teve de R$ 30 milhões, pelo menos R$ 20 milhões, em forma de impostos. Imposto de renda sobre o lucro da operação e PIS/Cofins. Ou seja, todos os encargos, tributos, foram transferidos para Brasília. Ora, esses R$ 20 milhões, se ficassem aqui e fossem injetados em rodovias, já teriam um grande impacto. Aí você tem duas opções: ou muda a natureza jurídica da EGR ou você cria alguns mecanismos de baratear o pedágio para o contribuinte.

Sul21 – Essa mudança de natureza seria mantendo ela como estatal ou privatizando?

Ana Amélia – O que estou lhe dizendo é: ou muda a natureza jurídica da empresa EGR ou transfere para o DAER (Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem), cria lá uma unidade. Daí seria uma autarquia no estado e não uma empresa. E o DAER administra esse pedágio, com uma remodelação. Porque o DAER não está habilitado para esse serviço, habilitá-lo e já faz uma grande economia em relação à funcionalidade do serviço que o estado prestará na questão da cobrança do pedágio. Ou escolhe uma outra alternativa, mas é fundamental a questão em relação à natureza jurídica da empresa que foi criada.

“O adversário não pode dizer que eu sou corrupta, que estou envolvida com falcatruas, com roubo, que eu não trabalho, que não tenho responsabilidade”

Sul21 – Há alguns meses, houve declarações polêmicas do deputado Luis Carlos Heinze. A senhora já declarou anteriormente não concordar com as opiniões dele, assim como alguns deputados estaduais aqui do estado também afirmaram. A senhora acha que isso pode de alguma forma influenciar em sua campanha?

Ana Amélia – Não concordo com declarações preconceituosas, mas como sou uma democrata, acredito que o candidato tem o direito de dizer o que ele quiser. Se eu disser que ele não pode dizer as coisas, eu não estarei sendo democrata. Então é assim, ele representa um segmento de pessoas que pensam como ele. E eu não posso condenar as pessoas para que pensem como eu quero. Eu tenho que permitir, como democrata, que as pessoas pensem e digam o que pretendem dizer. Embora não concorde com nada do que o deputado diz, porque são declarações a meu juízo muito preconceituosas e eu não sou uma pessoa preconceituosa.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
“Não concordo com declarações preconceituosas, mas como sou uma democrata, acredito que o candidato tem o direito de dizer o que ele quiser” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – A senhora tem algum temor de que as falas dele possam ser atreladas à senhora por causa do partido?

Ana Amélia – Nenhum temor. Porque o adversário não pode dizer que eu sou corrupta, que estou envolvida com falcatruas, com roubo, que eu não trabalho, que não tenho responsabilidade. Como não pode dizer nada disso, ele cria um carimbo para dizer que eu sou assim. E eu não sou assim. Mas quero repetir: os gaúchos e as gaúchas me conhecem, e não adianta tentar fazer isso que estão fazendo.

Aliás, é prática hoje aqui de alguns segmentos de tentar destruir reputações. Mas em relação a mim, todas as tentativas feitas até agora não colaram. E não adianta baterem, porque eu sou como massa de bolo. Repetindo a fala de um grande líder do Rio Grande do Sul, quanto mais bate, mais cresce. Lamentavelmente, essa não é uma estratégia inteligente de quem é adversário da minha candidatura, que é a candidatura da esperança.

Sul21 – Nas últimas eleições, o tema do aborto tem sido pautado pelos candidatos, com movimentos sociais cobrando da presidente Dilma Rousseff, por exemplo, uma posição favorável à legalização por ser mulher. Sendo a senhora a única candidata mulher, surge sempre essa questão. Qual a sua posição sobre o assunto?

Ana Amélia – Em 2010, esse assunto foi muito presente. Eu fui questionada, estive nas igrejas. Eu sou favorável à manutenção da Constituição brasileira nesta matéria. Já está escrito na Constituição e é isso que tem que ser feito, não tem que mudar. O aborto é permitido em casos de risco para a mulher e nos casos previstos em lei. A lei sendo respeitada já se tem alternativas ou casos de fazer aborto.


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