Olívio Dutra: “Celebramos avanços, mas não podemos nos contentar, porque há muito ainda o que fazer”

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Olívio Dutra, sobre concorrer ao Senado: "Sou um militante político e agora tenho esta tarefa importante" | Foto: Juliano Antunes/Sul21
Olívio Dutra, sobre concorrer ao Senado: “Sou um militante político e agora tenho esta tarefa importante” | Foto: Juliano Antunes/Sul21

Nubia Silveira e Lorena Paim

Grande surpresa desta campanha eleitoral, Olívio Dutra volta à política partidária, como candidato ao Senado. Nesta entrevista ao Sul21, realizada na sede do PT em Porto Alegre, o ex-governador volta a defender sua opção por um Congresso unicameral (sem a divisão entre Câmara e Senado), reafirma sua convicção de que os delitos do mensalão tiveram a punição adequada e bate na tecla de que está mais do que na hora de se fazer uma reforma política no país.

Olívio quer ajudar a reeleger o projeto que está em andamento no Brasil. Reconheceu que há ainda muito que avançar. “Podemos fazer mais e melhor, inclusive indo mais fundo nas mudanças”. Sua maior preocupação é com o papel do estado, que “deve funcionar bem e melhor, não para alguns ou poucos, mas para a maioria do povo”.

“Sou um protagonista político, independente de estar exercendo um cargo executivo ou legislativo”

Sul21- O que levou o senhor a voltar a concorrer, e desta vez ao Senado?
Olívio Dutra – A política é a construção do bem comum e do protagonismo das pessoas, e eu sou um protagonista político, independente de estar exercendo um cargo executivo ou legislativo. Nas circunstâncias dadas desta conjuntura, eu fui instado e conscientemente assumindo esse cargo de representar o projeto que está fazendo bem para o Brasil, a nível nacional com a Dilma presidente e no estado com Tarso governador, para lutar pela reeleição desde projeto, que está longe de ter se esgotado. Tem muito que fazer ainda para atender as demandas de um desenvolvimento sustentável, desconcentrado, descentralizado do país, com o povo como protagonista.

Eu sou um militante político e agora tenho esta tarefa importante, embora nós, na Constituinte, tenhamos debatido o tema do poder Legislativo nacional – éramos 16 da bancada do PT e levamos uma proposta elaborada pelo Fabio Comparato, depois de muita discussão. Defendíamos e continuou defendendo um Congresso unicameral. Mas nós fomos derrotados pela maioria do Centrão. Nessa e em outras questões, como a reforma agrária. Está dada a questão de como o Congresso pode funcionar melhor, se é dessa forma ou de outra.

"Defendíamos e continuou defendendo um Congresso unicameral" l Foto: Juliano Antunes/Sul21
“Defendíamos e continuou defendendo um Congresso unicameral” | Foto: Juliano Antunes/Sul21

Sul21 – O papel do Senado está hoje atrelado ao da Câmara?
Olívio –
Vejo já de algum tempo – não é que seja seguidista da Câmara, até ao contrário, tem sido uma instância que de certa forma interrompe um processo, tirando agilidade, nem sempre aumentando a qualidade do resultado. O Senado é uma instância de revisão do debate – a chamada Câmara Baixa, a Câmara Federal, e a Câmara Alta, o nome não é adequado, parece coisa do tempo do Império ou das aristocracias, mas a República acabou com isso. O Senado é uma questão a ser debatida, a estrutura que tem hoje, como fazer para que o Congresso funcionasse melhor. Este debate foi interrompido depois da Constituição de 1988.

“Não estou numa campanha para fulanizar, personalizar o debate”

Sul21 – Como aproximar mais o Senado do povo?
Olívio –
Com uma reforma política e institucional. Não vejo por que ser composto por três senadores de cada unidade federativa, seria melhor apenas um, claro que eleito pelo voto. Seria proporcional à votação recebida. Também dentro desta visão de como aperfeiçoar o funcionamento das instituições, claro que se pode trazer ao debate de novo a ideia do unicameral.

Sul21 – Sua entrada na campanha seria uma forma de fazer frente a um adversário apresentado como forte?
Olívio –
Não sou candidato de mim mesmo. Não estou numa campanha para fulanizar, personalizar o debate. Acho que os candidatos que estão aí – e um deles (Lasier Martins, do PDT) tem as costas quentes pelo respaldo de um setor importante da grande mídia – é um cidadão político que sempre defendeu posições políticas na sua atividade, interesses bem localizados. Não o vejo entrando agora na política. Eu sempre o tive como defensor das ideias do estado reduzido, mínimo, terceirizado, dos interesses dos grandes grupos econômicos se sobreporem aos interesses coletivos, sempre vi este cidadão como defensor de ideias de um projeto adversário neoliberal. Assumindo isso, é importante para o debate. Quero discutir com todos os candidatos, focar bem, não ficar tergiversando.

"O mais importante é a democracia ser vivida no cotidiano por milhares de pessoas, sob todos os pontos de vista"  | Foto: Juliano Antunes/Sul21
“O mais importante é a democracia ser vivida no cotidiano por milhares de pessoas, sob todos os pontos de vista” | Foto: Juliano Antunes/Sul21

Sul21 – Quais seriam esses pontos?
Olívio –
Discutir o papel do estado nas três dimensões – federal, estadual, municipal – que deve funcionar bem e melhor não para alguns ou poucos, mas para a maioria do povo. Para isso deve estar sob controle público, não particular de quem quer que seja. Fazer com que o estado que tem 500 e tantos anos funcione com uma lógica diferente da que tem funcionado até agora. Esta é uma questão democrática, inclusive, e democracia se aperfeiçoa com mais democracia, com a participação cidadã no debate do orçamento público nos três níveis, no protagonismo das pessoas, no respeito aos movimentos sociais, no instigamento permanente à cidadania sendo exercida no cotidiano de milhares de pessoas. Acho que há ideias chaves importantes para a democracia do país avançar. O mais importante é a democracia ser vivida no cotidiano por milhares de pessoas, sob todos os pontos de vista. Ainda estamos longe disso.

Sul21 – O senhor tem uma carreira longa, em diversos cargos: governador, deputado constituinte, ministro, prefeito de Porto Alegre. Esse passado político o cacifa a ser o candidato vitorioso ao Senado?
Olívio –
Eu não entendo “vitorioso eleitoralmente”. Temos uma eleição pela frente, vamos disputar ideias, e eu defendo o projeto que está em andamento no país, encabeçado por Dilma e Tarso. Quero reeleger este projeto. Podemos fazer mais e melhor, inclusive indo mais fundo nas mudanças. Como cidadão, tenho uma caminhada considerável, mas tenho orgulho de ter sido um militante dos movimentos sociais, fui dirigente sindical num momento sério na vida brasileira, durante a ditadura. As minhas escolas são estes espaços de luta coletiva. Não sou um profissional da política nem vejo a política como uma profissão, uma carreira, acho que é um desdobramento da atividade do ser humano que o completa, independente de cargo ou não. A luta política de forma solidária e coletiva é que transforma as coisas.

“Temos muito que estimular a cidadania, para que de baixo para cima se façam as alterações”

Sul21 – Quais temas devem ser trazidos para o debate?
Olívio –
Os temas para o debate incluem a reforma agrária, urbana, política, tributária, são coisas importantíssimas para o desenvolvimento espraiado, sustentável e desconcentrado do país e com o protagonismo das pessoas. Temos muito que estimular a cidadania, para que de baixo para cima se façam as alterações. É um processo, não uma coisa que possamos esperar que ocorra porque um grupo de pessoas boas se reúne, pensaram, se dispuseram a tocar um projeto novo. Não, isto tem que ser uma apropriação do povo brasileiro. A esquerda – onde está o PT e outros mais à esquerda – está devendo isso ao povo brasileiro: um projeto para o desenvolvimento sustentável, socialmente justo, economicamente viável, integrador. O centro-direita tem seu projeto, que de certa forma privatiza o estado, faz o estado funcionar como uma cidadela dos interesses privados, dos grupos nacionais ou internacionais, das elites, das oligarquias. Há dois campos com projetos distintos, disputando o estado e a sociedade. Não defendo o estado mínimo nem o máximo, mas do tamanho das necessidades do povo. Um projeto de transformação da sociedade que não só reduza as distâncias enormes entre os que têm muito e os que têm quase nada, mas que promova o desenvolvimento com oportunidades. A própria presidenta Dilma, ao dizer “país rico é país sem miséria”, está a dizer que ainda não somos ricos. Temos 17 milhões de brasileiros vivendo abaixo do nível da miséria, portanto temos muito que avançar, aprofundando a democracia, ampliando espaços de participação, de controle público. A esquerda precisa construir um projeto comum, que respeite a sua pluralidade e diversidade, mas sem recuo ou sobressalto, se alternando internamente na execução desse projeto.

"O povo tem que se apropriar de sua condição de sujeito e não objeto da política" | Foto: Juliano Antunes/Sul21
“O povo tem que se apropriar de sua condição de sujeito e não objeto da política” | Foto: Juliano Antunes/Sul21

Sul21 – Como fica o papel do PT?
Olívio –
O PT tem uma responsabilidade grande, mas não é o único partido da esquerda. Ele também tem seus desacertos, seus equívocos e seus limites. Só uma relação aberta e transparente, com movimentos sociais sabendo articular a luta institucional, não se acomodar na institucionalidade, não se reduzir à formalidade da política oficiosa, oficial ou de gabinete, não se conformar com a estrutura de um estado que está longe de ser viabilizadora de uma apropriação do povo brasileiro para a construção de seu próprio destino. Temos uma longa caminhada pela frente – mas não é ficar esperando uma coisa milagrosa, uma figura messiânica, é um processo e o povo tem que se apropriar de sua condição de sujeito e não objeto da política. Tem que estar semeando hoje esta visão para mudanças de médio e longo prazo. Um país importante no contexto da América Latina não pode se inserir nesse processo de forma impostora nem subalterna.

“Acho que houve avanços, mas estão aquém do que poderiam estar”

Sul21 – Desde a criação do PT, o que já avançou na política brasileira? A participação da sociedade é maior?
Olívio –
Avançou e bastante. As experiências do Orçamento Participativo, por exemplo. Eu não me conformo com a base em que está hoje; poderia ter ido mais fundo, radicalizado mais, na construção de uma cidadania efetiva e ativa, cotidiana na discussão não só das demandas do que fazer, mas na discussão da geração de renda, no papel do poder público. Eu acho que houve avanços, mas estão aquém do que poderiam estar. As audiências públicas, os conselhos que têm surgido de baixo para cima ou de iniciativa do governo, acho que há uma consciência cidadã maior do que tínhamos mesmo logo após a ditadura. Mas está aquém do que seria um projeto dos partidos do campo da esquerda, do campo popular democrático, que já poderíamos ter feito. Os partidos dos projetos neoliberais têm seu jeito de trabalhar, seus conchavos, suas articulações, por conta do dinheiro, por conta das ferramentas poderosas, mas nós, do campo democrático popular, temos que forjar as próprias ferramentas e lutar contra a impostura, a ditadura, a centralização, a verticalização. Temos que avançar muito mais e não recuar, não compor com posições em que o povo vai ficando mais longe do centro de decisão. Os movimentos de rua, no ano passado e outros que já tivemos, revelam um povo com demandas históricas não atendidas. E uma juventude que retoma bandeiras, há um processo histórico que parece interrompido, mas logo adiante ressurge com força e energia.

Sul21 – E as composições para governar?
Olívio –
O Lula foi eleito nos dois mandatos com enorme votação, mas o mesmo voto que o elegeu, e ele representava um projeto, não deu maioria ao governo no Congresso Nacional. Esses votos se estilhaçaram para representação no Congresso. Isso é o jogo das elites e do centro conservador da direita, e deu maioria para uma visão, na verdade, antagônica ao projeto do Lula. E o que aconteceu foi uma composição de governo que trouxe para dentro do Executivo elementos do projeto adversário, sem nenhum compromisso sério assumido no debate com a população. Isso trouxe aos mandatos de Lula e ao da Dilma problemas sérios. Mas se tu não fazes essa articulação, ah bom, tu vais “operar a política”. Aliás, eu me indisponho contra o argumento da necessidade da governabilidade, que nos leva a esta ou a aquela composição e traz para dentro da execução do projeto quadros do projeto adversário. Mas isso é uma disputa na sociedade, quem elege os legislativos é o voto do cidadão. Com esta estrutura política que está aí, o voto do cidadão nunca vai se dar na sua completude ou ser respeitado no seu significado. Há necessidade de uma reforma política que acabe com o controle econômico sobre as eleições, que possibilite o voto na lista e não na pessoa, além de partidos com controles ideológicos claros, programáticos, mas não tergiversando: “não tem mais direita, não tem mais esquerda”.

"Conversar com adversários é fundamental na política" | Foto: Juliano Antunes/Sul21
“Conversar com adversários é fundamental na política” | Foto: Juliano Antunes/Sul21

Sul21 – O que deveria ser feito em relação ao estado?
Olívio –
Estar sob controle público. Mexer com estruturas absurdas que levam este país imenso a ter uma concentração de renda das piores do mundo. E os nossos governos não reduziram isso. Conseguimos elevar a renda de mais 40 milhões de pessoas que foram integradas a um processo de dignidade que não tinham, mas ainda não sejam sujeitos das transformações. Para executar uma política de moradia digna, tu encontras resistências enormes, da lógica da indústria automobilística, dos grandes proprietários de áreas rurais. O pior é que se repetiu isso. Quando se imaginava que o segundo governo Lula faria uma composição de governo mais de centro-esquerda, ele ampliou a inflexão do centro para a direita, porque, de novo, o voto do eleitorado não deu maioria ao projeto dele. O mesmo aconteceu com a Dilma. Nós temos uma disputa na sociedade, e isso passa por reforma política, por disputa de projeto e por formação política, em que os partidos sejam escolas políticas permanentes e não máquinas de ganhar eleições e preencher cargos. Nós temos, sim, uma responsabilidade enorme pela frente. É claro, celebramos avanços, mas não podemos nos contentar, porque há muito ainda o que fazer e isso me dá mais vontade de reeleger o projeto, com suas enormes potencialidades.

“Melhor fazer uma discussão antes da eleição, construir um campo de apoio em torno de um programa comum”

Sul21 – Como o senhor vê as coligações que estão sendo feitas atualmente?
Olívio –
Conversar com adversários é fundamental na política. O Congresso é pluripartidário, e a política é essencialmente a relação entre diferentes. Ocorre que as formatações de governo têm sido feitas sem precisar sobre as questões fundamentais. As composições de governo se dão depois das eleições, depois de avaliar o quadro no Congresso, ver quais as forças que compuseram maioria. Evidente, tem que compor. Mas as forças da maioria querem tais ou quais fatias da máquina, da execução das políticas. Isso neutraliza ou reduz a força do projeto, significa que já dei um passo para trás. É um problema que não se resolve sem radicalizar a democracia, é uma disputa na sociedade, não é com autoritarismo ou messianismo que vamos resolver isso. O estágio de compreensão política do povo brasileiro mostra que ainda não fez a relação entre eleger o executivo e ter base no Congresso que possibilite a execução dos projetos sem esses exercícios de toma-lá-dá-cá, do é dando que se recebe, coisas que deseducam politicamente, fazem da burocracia um poder e reduzem o impacto de projetos.

Sul21 – As coligações feitas para lançar candidatos ajudam a aprimorar a democracia?
Olívio –
Não no grau que deveriam ajudar. Mas, acho que é melhor discutir forças, que não são as mesmas, mas que devem estar, no mínimo, no mesmo campo. Melhor fazer uma discussão antes da eleição, construir um campo de apoio em torno de um programa comum. O pior é fazer composição depois da eleição com quadros que estavam no campo antagônico. Acho que se avançou enormemente, não em condições ideais, houve composições muito deseducadoras, mesmo assim se avançou, acho que por conta de uma personalidade, o Lula, sua representatividade e sua história nessas últimas três ou quatro décadas. Mas é ruim que o projeto dependa de uma pessoa e esta tem seus limites. Não ficamos retidos nesta questão. Essa coisa “de volta Lula”, em vez de afirmar a sequência de projetos com Dilma presidenta (que no meu entendimento será reeleita), poderíamos estar bem mais calçados se não tivesse essa ideia de que uma pessoa pode ser aquela que nos representa. O lulismo é um reducionismo na política e penso que nem ele próprio estimula isso. O PT e os movimentos não estão prisioneiros deste tema, mas ainda passa por setores da política.

"Lula inaugurou um período de democracia plena, de enorme participação, agitação" | Foto: Juliano Antunes/Sul21
“Lula inaugurou um período de democracia plena, de enorme participação, agitação” | Foto: Juliano Antunes/Sul21

Sul21 – O culto a figuras políticas já existiu.
Olívio –
Tivermos no Brasil figuras acima dos partidos e essa cultura ainda permanece. Getulio Vargas, uma grande figura do século passado, passava por cima dos partidos e criava partidos segundo interesses. Governou mais tempo na ditadura. Lula não, ele fez ajuste, inaugurou um período de democracia plena, de enorme participação, agitação; as pessoas se soltaram para expressar sua cidadania, reivindicar, lideranças novas surgiram se inaugurou um agito cidadão. O campo do projeto adversário ficou – e ainda está – muito inquieto com isso, achando que precisa conter, que não se pode permitir mais avanços nesse protagonismo da cidadania brasileira. Está aí como reagiram ao fato de a presidenta Dilma elaborar políticas públicas ouvindo diferentes conselhos. Os defensores do projeto adversário saíram imediatamente com um decreto legislativo para impedir que se institucionalizassem mais conselhos. Aliás, nunca vi o projeto adversário reclamar do Conselho Monetário Nacional, do qual a nação tem orgulho. É bom que existam conselhos, mas conselhos transparentes, evidente que é preciso preencher determinados requisitos. A política tem ainda o jogo de esperteza: quem atender as demandas se cacifa para manter cargos, controlar estruturas. Existe uma disputa não de solução imediata – é cultural, inclusive, é uma disputa da essência da política, de que o voto seja num projeto, que o voto seja respeitado e a relação entre representado e representante não seja interrompida no momento em que me deste o voto. Uma reforma política está na essência disso.

“Sem a reforma tributária, o pacto federativo é uma farsa”

Sul21 – Quanto às outras reformas?
Olívio –
Sem a reforma tributária, o pacto federativo é uma farsa. Os recursos para entes federados são decididos de cima para baixo, de forma atravessada. Temos uma estrutura tributária pela qual quem tem menos paga mais, há uma renúncia fiscal no país que é quase outro orçamento. O governo Lula encaminhou ao Congresso, em abril de 2003, um projeto de reforma tributária que acabava com a guerra fiscal, esta insanidade que está aí, estabeleceu uma estrutura tributária que tivesse incidência maior sobre lucro, juros, dividendos, fortuna, propriedade e impostos indiretos, enfim, que pudesse ser instrumento importante de distribuição de renda no país. A proposta está lá no Congresso.

Sul21 – Houve renúncia fiscal para a Copa do Mundo.
Olívio –
É das nossas contradições. Renúncia fiscal para a indústria automobilística também. Os grupos econômicos com menor capacidade contributiva são os que têm benefícios tributários. Eles criam problemas para o espaço urbano, jogando três milhões de veículos por mês no espaço urbano que não é elástico. Estão construindo enormes prédios na área urbana, não para moradia, mas para garagem de automóveis.

Olívio, sobre a Ford: "Foi a decisão certa, republicana, apropriada para aquela conjuntura, sem favorecer este ou aquele setor" | Foto: Juliano Antunes/Sul21
Olívio, sobre a Ford: “Foi a decisão certa, republicana, apropriada para aquela conjuntura, sem favorecer este ou aquele setor” | Foto: Juliano Antunes/Sul21

Sul21 – A questão da Ford deverá ser discutida durante a campanha. E sua chapa tem como suplente alguém que foi contra sua atitude quando governador.
Olívio –
Carlos Vargas é a pessoa a que tu te referes. Estive conversando com ele. Ele não permanece com aquela postura, vê que foi uma conjuntura muito específica, reconhece que se sobrepôs ao interesse público, naquela altura, o interesse privado de um grupo e houve uma articulação da oposição na Assembleia e da bancada federal no Congresso com o então governo federal do professor Fernando Henrique Cardoso. Senti na ocasião que algumas cabeças do PT achavam que o negócio era ceder. Pessoas dentro do PT diziam que a nossa negociação estava dura demais, que tinha que flexibilizar. A maioria do PT e do governo (estavam nele PDT e PSB) decidiu que não houve nenhuma contradita, foi a decisão certa, republicana, apropriada para aquela conjuntura, sem favorecer este ou aquele setor e uma visão também ambiental para a região metropolitana. Hoje aquela decisão seria novamente repetida. Ora, dinheiro público é escasso, então não pode ser direcionado a quem tem mais, ao contrário, deve ser direcionado a quem tem menos, e até mesmo ao pagamento do funcionalismo público. A economia do RS não se prejudicou com isso, outra grande empresa automobilística sentou conosco, reduzimos em R$ 100 milhões a instalação daquela empresa aqui. É um debate permanente. Não é a questão da Ford, mas do papel do estado no direcionamento de recursos. Simplesmente gerenciar essas coisas e atender as demandas dos grupos mais poderosos? Não, é contrariar esses interesses para poder atender a interesses coletivos. Evidente que é uma discussão de como o estado deve funcionar.

“Tem coisas na política que precisam ser aperfeiçoadas”

Sul21 – Em relação à Ação Penal 470, o mensalão, sua posição foi criticada por alguns petistas. Isso pode trazer problemas agora?
Olívio –
Não. Porque eu não abdico desta posição. Acho que erramos. Não individualizo os erros, o partido tem instâncias, e essas se afrouxaram pelas conjunturas e possibilitaram estes malfeitos – para usar o termo da presidenta Dilma. É reconhecer isso e tratar de se corrigir. Não fazer mea culpa, como se estivesse no confessionário. Mas tem coisas na política que precisam ser aperfeiçoadas, para impedir que o dirigente importante do partido ou do governo se sobreponha às instâncias, para fazer articulações que levaram a isso que depois se formatou na Ação Penal 470. E não é que o PT se revele como o partido dos malfeitos. Acho lamentável que o partido, que tem no seu ideário o respeito à coisa pública, à visão republicana do poder, tenha tido pessoas com este estilo de conduta. Mas estão pagando por isso, foram julgados e condenados. Espero que as penas tenham sido à altura das coisas e não ido além. Não estou sozinho nesta visão dentro do PT. Muitos quadros têm inquietação sobre isso. O Partido tem todas as possibilidades, através de suas instâncias arejadas, democratizadas, de passar por isso, se revigorar e não ficar numa posição defensiva. Nós temos um projeto que não depende desta ou daquela pessoa, é uma construção coletiva e junto com a sociedade. Então, isso é um episódio que, evidentemente, um partido como o nosso não esperava que viesse a acontecer. Vai estar sempre na memória, na história, mas de forma alguma o partido se confunde com isso, pena que haja condutas assim em diferentes partidos. Não podemos fazer disso uma espécie de briga de bugio numa eleição, em que cada um atira seus excrementos nos outros. Temos é que criar formas de controle público, que evitem na raiz essas condutas ou a corrupção que vem de séculos. Essa é uma coisa séria, a apropriação privada do dinheiro público, a construção de poder em torno de si.

Sul21 – Qual a conclusão?
Olívio –
Nós somos parte de um processo de aperfeiçoamento da democracia. O PT deu sua a cota, tem que tirar lições sérias, e está tirando, veja a postura séria da Dilma, não compactuando com os malfeitos. O país vive um momento de democracia viva. A Suprema Corte decidiu o que tinha que decidir, o presidente (Joaquim Barbosa) teve postura de dignidade, evidentemente não do agrado de muita gente. Mostra pleno funcionamento das instituições. Evidente que para os adversários, a máquina destruidora de reputações e os grandes grupos da própria mídia (que está no centro de muitos atos de corrupção, uso inapropriado do dinheiro público e que tem que estar regulamentado) foi um episódio cheio de lições para todos e revelador de que precisamos avançar mais.


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