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26 de setembro de 2014
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20:15

Quociente eleitoral: entenda por que votação arrebatadora não é suficiente para eleger um deputado

Por
Sul 21
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Câmara Federal| Foto: Gustavo Lima / Câmara Federal
Câmara Federal| Foto: Gustavo Lima / Câmara Federal

Ana Ávila

Muitos eleitores podem não saber, mas uma votação arrebatadora pode não ser suficiente para eleger um candidato a deputado estadual ou federal. Uma conta chamada quociente eleitoral é que determina quem ocupará as disputadas vagas no Legislativo. O cálculo consiste na divisão do número de votos válidos (não são considerados brancos e nulos) pelas vagas a serem preenchidas. Se o partido ou coligação não alcançar este quociente, seu candidato  ficará de fora, por mais votos que tenha recebido. Por outro lado, um candidato com poucos votos poderá ser eleito, se ele pertencer a um partido ou coligação que alcançou o quociente e que tem outros concorrentes com votos de sobra.

Microsoft Word - Entenda como é realizada a distribuição de vaga
No exemplo acima, somente os partidos A e B e a coligação D atingiram o quociente para eleger seus deputados | Fonte: TSE

Os votos válidos de cada sigla ainda serão divididos pelo quociente eleitoral para saber quantos candidatos cada partido ou coligação elegerá. Se restarem vagas não preenchidas após a aplicação do quociente partidário, elas serão distribuídas de quatro formas: 1. aos partidos ou coligações que obtiveram o quociente eleitoral; 2. dividindo-se o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação pelo número de vagas já obtidas mais um, cabendo a vaga ao partido ou à coligação que obtiver a maior média; 3. repetindo-se a operação até a total distribuição das vagas; 4. pela ordem de votação do partido ou coligação, entre aqueles que não obtiveram a vaga pelo quociente partidário.

Na opinião do professor do programa de Pós Graduação em Ciência Política da UFRGS Paulo Peres, o princípio teórico fundamental desse cálculo é “promover a mais justa distribuição de representação/votos possível”. Para ele, essa é uma questão muito técnica e complexa que está bastante distante do conhecimento da maioria dos eleitores. “Talvez, se os alunos do ensino médio tivessem Ciência Política em seu currículo, focada na explicação de como funciona o sistema político do país, esse tema fosse de conhecimento mais geral”, opina.

Luciana Genro no Dopinha| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Luciana Genro | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O professor do programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS Rafael Madeira concorda que o impacto do quociente eleitoral é um aspecto que uma parcela significativa do eleitorado não compreende bem. “Pouco aparece nos discursos dos partidos e da mídia”, diz ele. A exceção, lembra o professor, são casos como o de Luciana Genro, que apesar de ter recebido 129 mil votos na eleição de 2010, quando era candidata a deputada federal, não foi eleita. Vinte e três deputados menos votados que Luciana conquistaram, à época, uma cadeira na Câmara Federal. Luciana ficou de fora porque seu partido não atingiu o quociente eleitoral. Sem alianças com partidos maiores e outros candidatos bem votados, o PSOL gaúcho não conseguiu competir com outras legendas.

Benefícios

Peres diz que estudos mostram que as coligações beneficiam mais os pequenos partidos, pelo menos no que se refere à eleição de deputados. Para ele, o caso de Luciana Genro comprova isso. “Candidatos que foram menos votados individualmente, conseguiram a vaga, pois participavam de coligações que obtiveram, conjuntamente, uma quantidade de votos que lhes garantiram cadeiras no parlamento”.

Na mesma eleição em que Luciana ficou de fora, outro candidato do PSOL passou por situação inversa. Jean Wyllys, do Rio de Janeiro, fez apenas 13 mil votos em 2010 – foi o deputado federal menos votado -, mas acabou chegando à Câmara graças à votação de seu colega de partido, o deputado Chico Alencar, que se reelegeu com 240 mil votos.

“Meu nome é Enéas”

Foto: Ederson Nunes/ CMPA
Jussara Cony | Foto: Ederson Nunes/ CMPA

Um dos casos mais conhecidos do país é de Enéas Carneiro – famoso pelo bordão “meu nome é Enéas”. Ele foi o deputado federal mais votado do país na eleições de 2002. Com mais de 1,55 milhão de votos, ajudou a eleger cinco dos sete concorrentes do minúsculo Prona à Câmara dos Deputados, na bancada de São Paulo. Um dos beneficiados pela votação de Enéas foi Vanderlei Assis, que garantiu seu lugar em Brasília com apenas 275 votos.

No Rio Grande do Sul, também houve o caso de Jussara Cony, que em 1988 foi a vereadora mais votada de Porto Alegre, mas enfrentou a mesma situação de Luciana Genro na Câmara Federal porque seu partido, o PCdoB, não atingiu o quociente eleitoral. Júlio Flores, do PSTU, passou pelo mesmo problema em 2000 e 2004. No caso do PCdoB, a mudança de postura, passando a aliar-se ao PT, teria sido vantajosa, na opinião de Peres. “As coligações são uma ótima estratégia para os pequenos partidos conseguirem eleger representantes”, diz.

À exceção de fenômenos de votação como Enéas, a vida dos integrantes de pequenas siglas que não entram em coligações e não possuem candidatos capazes de fazer votações expressivas é árdua. “No Brasil se fala em estímulo a partidos pequenos, mas o que se vê são barreiras para eles. É preciso boa estrutura, militância e mais de um candidato com potencial eleitoral”, diz Madeira.

Sistema proporcional

O sistema proporcional foi introduzido no Brasil pela Constituição de 1934, com o objetivo de garantir a participação da minoria no Parlamento. Para Madeira, esta “é a forma mais democrática de eleger o Legislativo”. O analista o compara ao voto distrital. “Se diz que o voto distrital aproximaria o eleitor do deputado e o deputado de sua base, mas este ponto de vista não está de todo correto. O voto proporcional não exclui o voto concentrado geograficamente, mas permite que o eleitor vote em um candidato não necessariamente vinculado a sua região”. Segundo Madeira, no voto proporcional, o eleitor ainda tem a vantagem de eleger o candidato que defende a causa com a qual ele se identifica, independente de sua região.  No voto distrital, o Estado seria dividido em vários distritos, e cada um deles elegeria um deputado por maioria simples (50% dos votos mais um).

Urna eletrônica|Foto: Agência Brasil
Urna eletrônica|Foto: Agência Brasil

Peres concorda com o colega. “O sistema proporcional tem a pretensão de representar as diversas minorias na proporção de seus votos. Considerando que o Legislativo deve representar as diversas minorias, na minha perspectiva, o método proporcional é o mais representativo, portanto, o mais adequado numa democracia pluralista, como a nossa”. O especialista lembra ainda que, no Brasil, candidatos que representam interesses de minorias que estão geograficamente dispersas conseguem se eleger por agregar esses votos também dispersos em termos espaciais. “Embora os votos sejam computados primeiramente para os partidos, é importante que os candidatos tenham boa votação individual, pois isso os coloca em condições de conquistar uma cadeira pelo seu partido ou coligação”.

Voto em branco e nulo

Tanto os votos em branco quanto os nulos são desconsiderados do total de votos válidos em uma eleição. Há menos de duas décadas, os votos em branco entravam no cálculo do quociente eleitoral. A mudança foi estabelecida pela lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que deixou de atribuí-los ao candidato mais votado.

Embora também fiquem fora da contagem, os votos nulos são cercados pelo mito de que poderiam levar à anulação da eleição, caso ultrapassassem  50% dos votos. Em verdade, o código eleitoral prevê a necessidade de marcação de nova eleição se a nulidade atingir mais de metade dos votos do país. No entanto, “nulidade” não se refere à manifestação apolítica do eleitor, ou seja, o voto nulo registrado na urna, mas à fraude ou algum tipo de irregularidade no pleito.


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