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4 de novembro de 2015
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15:09

Vereadora entra na Justiça para retirar papagaios vivos de obra da Bienal do Mercosul

Por
Luís Gomes
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28/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Papagaios em gaiólas na obra Tropicália na Bienal do Mercosul gera polêmica | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Presença de papagaios em obra em exposição na Usina do Gasômetro gerou polêmica | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Luís Eduardo Gomes
Débora Fogliatto

A vereadora Lourdes Sprenger (PMDB) ajuizou uma ação na Justiça na última segunda-feira (2) pedindo a retirada dos papagaios da obra Tropicália, em exposição na 10ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre. Segundo Lourdes, que defende que a instalação artística utilize métodos alternativos para a representação das aves, a decisão de entrar com a ação partiu da repercussão negativa nas redes sociais e pelo fato de ter sido “demandada” a agir nesse sentido.

A vereadora conta que o pedido partiu de sua rede de contatos, que inclui ambientalistas e ativistas da causa da proteção aos animais. Eles solicitaram que entrasse com uma ação pedindo a retirada dos animais do local. Ela também diz que visitou a obra, que está em exposição na Usina do Gasômetro, em um dia em que acontecia uma apresentação de uma banda de rock próximo à instalação e viu os animais “estressados e entristecidos” em razão do barulho.

Como a prefeitura não se posicionou sobre o tema, ela diz que resolveu ajuizar a ação. “Não é só pelos dois papagaios, não é pela mídia, é sim para conscientizar as pessoas de que os animais silvestres são os menos protegidos. Cada vez temos mais desmatamentos e os animais silvestres aparecem em nossas casas”, diz.

28/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Papagaios em gaiólas na obra Tropicália na Bienal do Mercosul gera polêmica | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Obra Tropicália foi originalmente criada em 1967 por Hélio Oiticica | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

A obra Tropicália foi criada por Hélio Oiticica em 1967, durante a Ditadura Militar, com o objetivo de retratar a realidade brasileira de então e serviu de inspiração para muitos artistas do movimento tropicalista do País nas décadas de 1960 e 1970. Ela também chama a atenção por permitir que as pessoas interajam com a instalação e caminhem por seu espaço.

A discussão sobre se os papagaios deveriam estar presentes na obra dividem os próprios mediadores da Bienal. Enquanto alguns acreditam que a obra deve ser reproduzida da forma como foi originalmente proposta, outros relataram mal-estar com a presença das aves engaioladas.

Procurada pela reportagem, a Bienal do Mercosul disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que iria se manifestar por meio de uma nota, que ainda não foi divulgada.

Não é contra e lei

Paulo Guilherme Carniel Wagner, médico-veterinário do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), explica que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis do Estado (Ibama-RS) concedeu a permissão para que a Bienal utilizasse os papagaios mediante uma série de condições, como a presença de um veterinário de prontidão no local, de um monitor que seja graduando em Biologia com manejo em animais silvestres durante o período de visitação do público — técnicos do Ibama fazem o monitoramento constante da obra –, a limitação de seis horas de exposição dos animais, a não permissão para que o público interaja com as aves e um monitoramento constante do nível de estresse dos animais.

Os papagaios presentes na Bienal foram trazidos de um criadouro localizado na Região Metropolitana de Porto Alegre — o Ibama preferiu não identificar o nome e local –, onde também vivem em gaiolas. Como eles só podem ficar expostos seis horas por dia, a instalação só pode ser visitada — é permitido caminhar por ela e entrar nos “Penetráveis”, espaços que representam barracos de favelas — entre 13h e 19h. Além desse horário, panos cobrem as gaiolas. No entanto, em nenhum momento é permitido que as pessoas se aproximem muito das aves ou toquem na grade, o que leva técnicos do Ibama a intervir.

28/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Papagaios em gaiólas na obra Tropicália na Bienal do Mercosul gera polêmica | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Técnica do Ibama faz acompanhamento dos animais na obra | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Wagner salienta ainda que a norma nacional não traz nenhum impedimento legal para que os animais sejam utilizados em instalações artísticas. Ele inclusive salienta que é permitido criar, vender e revender papagaios no Brasil, bem como mantê-los em gaiolas como animais de estimação.

“Esses animais foram comprados com nota fiscal de criadouro legalizado”, diz Wagner. “Do ponto de vista legal, não existe norma ordinária que impeça a presença dos animais, é uma questão de moral dela (Lourdes Sprenger)”, complementa, acrescentando ainda que respeita a posição da vereadora e que uma mudança na atual legislação sobre animais silvestres pode partir de avaliação moral da sociedade.

Contudo, a vereadora diz que, por ser uma releitura da obra original de Oiticica (1937-1980), a instalação em exposição poderia se utilizar de alternativas, como representações de madeira, em resina ou até eletrônicos. “Existem animais (eletrônicos) que abrem asa, que mexem o olho, tudo isso, porque insistir em animais vivos?”, questiona Lourdes. “Eu acho que é muito para chamar a atenção (utilizar os papagaios vivos), gerar polêmica”.

Ela também salienta que as leis ambientais evoluíram muito desde o período em que a obra foi originalmente criada. Lourdes ainda lembra que já há um precedente legal para a retirada dos animais da obra. Em 2010, a Justiça do Rio de Janeiro acatou uma ação da prefeitura da capital fluminense com o argumento de que “a mera exposição dos animais revela-se inadequada, porquanto o meio escolhido impinge sofrimento aos animais, uma vez que permanecerão expostos em ambiente hostil, dada a grande circulação de pessoas no local”.

28/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Papagaios em gaiólas na obra Tropicália na Bienal do Mercosul gera polêmica | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
| Foto: Caroline Ferraz/Sul21
28/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Papagaios em gaiólas na obra Tropicália na Bienal do Mercosul gera polêmica | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
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