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12 de dezembro de 2015
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23:09

Marceneiro dedica seu tempo para ensinar adolescentes da periferia de Viamão a fazer brinquedos de madeira

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Sul 21
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O aposentado Valter Ferreiro desenvole um projeto social em que ensina adolescentes de vila de Viamão a produzir brinquedos de madeira| Foto: Guilherme Santos/Sul21
Depois de aposentar, Valter Ferreiro implantou um projeto social em que ensina adolescentes de uma vila de Viamão, Região Metropolitana, a produzir brinquedos de madeira| Foto: Guilherme Santos/Sul21

Jaqueline Silveira

Depois de se aposentador, o marceneiro Valter Ferreiro, 71 anos, tinha um sonho. “Eu queria fazer um projeto social, não tinha muito a ideia do que ia fazer, mas queria fazer uma coisa boa para os meninos”, recorda ele. Então, assim que deixou o ofício de marceneiro no Centro Budista de Viamão, na Região Metropolitana, priorizou o seu sonho. Escolheu a Vila Jardim do Castelo, originada de uma ocupação e encravada na periferia do município, e lá foi trabalhar com adolescentes.

Curiosamente, o seu Valter, como é chamado pelos garotos que trabalham com ele, começou a se dedicar a um ofício que até então não dominava. “Nunca tinha feito brinquedo na vida”, conta ele, com um sorriso no rosto. O pontapé inicial ocorreu justamente pelo incentivo da instituição em que trabalhou: o Centro Budista. “Eles que me incentivaram a fazer brinquedos”, acrescenta. Na Vila Jardim do Castelo, carente de infraestrutura e serviços públicos, ele montou uma oficina e passou a ensinar os adolescentes a produzir brinquedos de madeira, como espadas, aviões, bercinhos, carrinhos, bondes, lagartos. Primeiro, ministrava as oficinas em instalações modestas, mas com o tempo ele adquiriu um terreno e fez um galpão de alvenaria mais amplo, em 2010, para abrigar as oficinas de máquina e de montagem. E lá se vão oito anos no Castelinho como é conhecida a vila.

Os brinquedos produzidos na marcenaria são vendidos, em feiras agroecológica. Parte do dinheiro fica para os adolescentes | |Foto: Guilherme Santos/Sul21
Os brinquedos produzidos na marcenaria são vendidos, inclusive, em feiras agroecológica. Parte do dinheiro fica para os adolescentes | |Foto: Guilherme Santos/Sul21

Atualmente, ele trabalha com 18 adolescentes, a partir dos 14 anos, independentemente de frequentar a escola. Quando “os meninos” chegam à marcenaria, o aposentado procura saber os motivos de não estarem estudando e, inclusive, conversa com as famílias na tentativa de ajudar. Para o marceneiro, a escola é fundamental e ele demonstra preocupação pelo fato de a Vila Jardim do Castelo não ter nenhuma instituição de ensino para as crianças. Os estudantes da localidade, segundo ele, dependem de transporte escolar para se deslocarem a colégios em outras localidades. “A gente procura ajudar, tem crianças com 8 anos que nunca foram para a escola. A falta de escola é um problema muito sério”, avalia seu Valter.

No início do trabalho, ressalta o marceneiro, os brinquedos feitos pelos adolescentes ficavam, em sua maioria, com as próprias famílias. Depois começaram a vendê-los no Centro Budista. Há três anos, conta o marceneiro, os brinquedos são comercializados, inclusive nas feiras agroecológica da Rua José Bonifácio, na Redenção, nas manhãs de sábado, e na Secretaria Estadual da Agricultura, nas tardes de quarta-feira, ambas na Capital. Além de uma ocupação, os adolescentes ganham um dinheiro para ajudar as famílias. O preço dos brinquedos varia de R$ 5 a R$ 30 e de 60% a 70% do valor arrecado vai para o bolso dos adolescentes. “O dinheiro serve para coisas diversas: ajudar a família, muitas só têm o Bolsa Família, comprar sua própria roupa. Ajuda na autoestima”. As vendas podem render até um salário mínimo por mês aos adolescentes.

Seu Valter, como é chamado pelos alunos, tem preocupação com a falta de uma escola na via para crianças e adolescentes estudarem| Foto: Guilherme Santos/Sul21
Seu Valter, como é chamado pelos alunos, diz que é importante o contato dos adolescentes com os agricultores e clientes nas feiras| Foto: Guilherme Santos/Sul21

O contato dos guris com os comerciantes e os clientes nas feiras, avalia o marceneiro, também é importante. “Aqui, eles convivem com agricultores diferenciados, clientes diferenciados, isso é bom para a autoestima deles. Na vila, eles não têm isso”, observa seu Valter, sobre a experiência que as feiras oportunizam a seus alunos. Entre os garotos que frequentam a marcenaria do aposentado, está Samuel Batista Pereira. Ele é novato no projeto, está há dois meses aprendendo a produzir as peças, como dos aviões e dos lagartos. “Os guris não estavam na rua e aí eu perguntava: ‘onde eles estavam e me respondiam que estavam na marcenaria do seu Valter’”, conta o adolescente, sobre como descobriu o projeto.

Apesar do pouco tempo na atividade, Samuel atende com desenvoltura os clientes e, na última quarta-feira (9), dividia-se para cuidar também da tenda de pimentas de um comerciante, ao lado da dos brinquedos, na feira da Secretaria da Agricultura. Tudo sob o olhar e incentivo de seu Valter, que considera importante os adolescentes aprenderem a ter responsabilidade, como saber dar o troco do dinheiro das vendas. “É muito legal, estamos aprendendo uma profissão e nos divertindo”, diz Samuel, empolgado com seus afazeres.

Samuel está há dois meses no projeto e tem se dedicado a prduzir peças dos brinquedos| Foto: Guilherme Santos/Sul21
Samuel está há dois meses no projeto e tem se dedicado a prduzir peças dos brinquedos| Foto: Guilherme Santos/Sul21

O dinheiro que ganha, o adolescente, às vezes, ajuda a mãe, que é faxineira, ou compra algo para ele próprio. “Tem vezes que ajudo no ranchinho, compro um tênis ou alguma coisinha para comer que tenho vontade”, acrescenta o garoto, que está no 7º ano do Ensino Fundamental e leva 45 minutos no transporte para chegar à escola em outra localidade de Viamão. Além de fazer peças para os brinquedos, Samuel já fabrica carrinhos para o irmão, de um ano e meio. “Ele adora carrinho”.

Os 30% do valor arrecadado com as vendas dos brinquedos que ficam com seu Valter, ele usa para os custos com a manutenção do galpão, como água e luz, e também para investir na marcenaria. No ano passado, conforme o aposentado, sobrou R$ 3 mil. Já ao final de 2015, devido à crise, ele calcula que o lucro será um pouco menor: R$ 2 mil. Além das vendas nas feiras, o marceneiro recebe encomenda, a última é de uma escola: 45 brinquedos  que serão entregues antes do Natal. “O projeto é autossuficiente”, destaca seu Valter, que recebe um apoio na forma de parceria do Instituto Caminho do Meio, também de Viamão. Contudo, o lucro não é suficiente para ampliar a marcenaria. “Estamos precisando ampliar. Está faltando espaço, mas vou precisar de ajuda”, projeta.

Os brinquedos vendidos também ajudam na manutenção da marcenaria |Foto: Guilherme Santos/Sul21
Os brinquedos vendidos também ajudam na manutenção da marcenaria |Foto: Guilherme Santos/Sul21

O marceneiro também leva seus ensinamentos para as escolas. Por solicitação de instituições de ensino da Capital que trabalham com a pedagogia Waldorf – filosofia que procura integrar o desenvolvimento físico, espiritual, intelectual e artístico dos alunos -, ele ministra oficinas de produção de brinquedos para crianças, a partir de 8 anos. O aposentado também encontra tempo para o futebol com seus alunos aos domingos. “Enquanto a mulher está na missa, eu faço o futebol com meninos”, diz ele.

O seu Valter não tornou realidade seu sonho, como oportunizou aos adolescentes que moram na Vila Jardim do Castelo uma chance de uma vida melhor e uma perspectiva de futuro.

 


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