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21 de setembro de 2017
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11:32

A Queermuseu da RBS

Por
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A Queermuseu da RBS
A Queermuseu da RBS
Marcello Casal Jr./ABr – Agência Brasil

Sergio Araujo

A demissão de Luís Fernando Veríssimo não significa apenas mais um episódio na constante redução da qualidade do conteúdo editorial do jornal Zero Hora, realizada em nome do equilíbrio financeiro da RBS, apesar do esforço em justificar a medida como um processo de renovação natural do seu quadro técnico.

Um explicação de fazer Charles Darwin ruborizar no seu descanso eterno, pois ao contrário da teoria constatada pelo naturalista britânico, o processo seletivo promovido pela RBS nada mais é do que uma involução qualitativa do seu quadro técnico. Um legítimo caso onde a economia de mercado se sobrepôs ao interesse social.

E por aquelas coincidências do acaso, a demissão de LVF aconteceu dias após a polêmica antecipação do término da exposição Queermuseu. Embora o debate público tivesse como pano de fundo a interpretação do que efetivamente seja arte, numa embate envolvendo liberdade de expressão e preconceito moral e religioso, o fato é que a explicação oficial, vinda do banco Santander, expositor da mostra, é de que o banco estava perdendo clientes e, com isso, dinheiro. Ou seja, a desculpa recaiu novamente sobre o aspecto econômico.

E esse me parece ser o foco que precisa ser francamente abordado. É certo que o avanço tecnológico está levando a substituição gradativa do homem pela máquina. Em todas as áreas e não apenas na da comunicação. Mas nessa, especialmente, observa-se uma troca, digamos, desumana demais, pois a mesma “máquina” que produz ídolos, trata-os como reles algarismo. É o que se observou na saída de Luís Fernando Veríssimo.

Ao contrário do que fez com Paulo Sant’Ana, para o qual dedicou uma edição inteira da Zero Hora para enaltecer sua trajetória na RBS, a empresa sequer foi capaz de emitir uma nota comunicando a saída de LVF. Não apenas pela sua importância no contexto da RBS, mas pelo significado do grande escritor e brilhante cronista no cenário regional, nacional e internacional.

Talvez por Veríssimo ter uma personalidade introvertida e polêmica, pouco avessa a salamaleques e formalidades. Talvez por suas opções ideológicas e partidárias. O certo, porém, é que a RBS poucas vezes deu-lhe o tratamento merecido. Até mesmo quando resolveu retratar nos seus espaços os 80 anos de vida de Veríssimo o fez, vê-se agora, como uma espécie de réquiem, realizado exatamente um ano antes da sua demissão.

“Estão dispensando os velhinhos que recebem salários maiores”, disse LVF, ao tentar justificar, com a elegância e discrição que lhe são peculiares, a sua saída. Mas para quem se habituou com suas tiradas irônicas e seu humor sarcástico, sabe que por trás dessa simples frase se encontra um universo de interpretações que superam em muito a “boa educação” e “os bons modos”. Seja qual for o real motivo da sua exoneração, o certo é que ela surpreendeu o enorme contingente de fãs de Veríssimo e, arrisco a dizer, até a imensa maioria dos seus colegas de redação.

E aí é que se encontra o cerne desse setembro sombrio que estamos vivenciando. Enquanto pessoas e instituições colocarem o vil metal acima do interesse cidadão teremos o desprazer de ver exposições sendo fechadas e nossos ídolos destratados. Fico pensando como devem estar se sentindo os colegas de Veríssimo ao verem o tratamento que foi dedicado ao grande mestre. Mas instituições e governos passam e as obras e os bons exemplos ficam.

Como bem profetizou o cacique Seattle na famosa Carta do Índio, endereçada em 1855 ao então presidente dos EUA, Francis Pierce, que manifestou o desejo de comprar as terras indígenas, e que se adequa a todos os homens gananciosos e prepotentes de nosso tempo, “continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos”.

Obrigado Luís Fernando Veríssimo, estamos muito agradecidos e orgulhosos de ti. E ansiosos para continuar desfrutando da tua genialidade, seja aonde for. Vida longa.

P.S.: Procurado pela ZH, faço o registro de que, segundo informaram, a demissão de LFV antecedeu o episódio do Santander. A divulgação da demissão é que ocorreu posteriormente. O que não altera a minha analogia entre os dois episódios.

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Sergio Araujo é jornalista.


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