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18 de novembro de 2014
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09:59

O Brasil e os brasileiros pelados

Por
Sul 21
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O Brasil e os brasileiros pelados
O Brasil e os brasileiros pelados

Houve um tempo em que as manifestações populares de rua no Brasil eram sinônimo de civismo e de cidadania. Foi assim em 1904, na chamada Revolta da Vacina, quando a população do Rio de Janeiro se rebelou contra a forma como os agentes de saúde impunham a obrigatoriedade da vacinação, invadindo casas e fazendo uso da força para a aplicação da vacina. Foi assim nas greves operárias do início do século 20, quando trabalhadores protestavam contra os baixos salários, a excessiva carga horária e o uso da mão de obra infantil. O mesmo ocorreu com a passeata dos 100 mil, em 1968, quando os estudantes, artistas, intelectuais, setores da Igreja e outros segmentos da sociedade, protestaram contra a ditadura militar.

Em 1984, já com o regime militar desgastado, foram realizados grandes comícios pedindo a volta das eleições diretas para presidente, movimento este que ficou conhecido como “Comícios das Diretas Já”. Finalmente, a última grande movimentação popular do século passado teve como objetivo o impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo, atingido por graves denúncias de corrupção.

A primeira movimentação popular de grande porte, realizada nos primeiros anos do século 21, ficou conhecida como as Manifestações de Junho de 2013. Motivados inicialmente para contestar os aumentos das tarifas do transporte público, os protestos ganharam corpo e apoio popular, levando milhões de pessoas para as ruas para reivindicar a melhoria dos serviços públicos e o fim da corrupção na política. A diferença entre esta mobilização e as anteriores é que, pela primeira vez, a participação político-partidária foi desconsiderada. Mais do que isso, foi reprimida. A insistência das siglas em utilizar as manifestações para fins eleitorais, adotando, inclusive, atos violentos contra o patrimônio público e privado, arrefeceu o ânimo da população, acabando com a incidência dos protestos de rua.

Tal sentimento apartidário retornou a cena em 2014, na campanha eleitoral, gerando um clima nitidamente dividido entre prós e contra o Partido dos Trabalhadores, que havia 12 anos governa o país. Tal sentimento teve como combustível, principalmente, as redes sociais. As mesmas utilizadas para convocar a população para as Manifestações de Junho de 2013.

Pois bem, todo esse relato histórico serviu para chegar no ainda restrito modismo do nudismo nas ruas. O que isso significa? Mais uma macaquice tupiniquim, copiando iniciativas surgidas em outras partes do mundo, como o Naked Bike Ride, evento anual onde ciclistas nus protestam contra o uso de combustíveis fósseis e incentivam o uso da bicicleta e de energias renováveis? Qual o significado desses corredores pelados por parques e ruas de Porto Alegre? Exibicionismo? Insanidade? Ação de marketing? Por que não dizem a razão de transitam pela cidade sem roupas? Aliás, esse silêncio leva a crer que o objetivo dessas atitudes não é político. Poderiam estar protestando contra o capitalismo, a homofobia, a violência contra as mulheres, contra o uso da peles de animais para fins comerciais, etc. Mas não. Serão então pelados sem causa?

Paralelamente a esses manifestantes desnudos, começam a surgir iniciativas de segmentos até então silentes. É o caso dos saudosistas dos governos militares, que pregam a volta do regime de exceção. Tem também os radicais de direita, que apesar das urnas ainda estarem aquecidas, defendem o impeachment de Dilma Rousseff como medida emergencial e impositiva. São movimentos que pregam a máxima do olho por olho, dente por dente. Uma espécie de contrapartida aos movimentos da esquerda intolerante e das carnavalescas marchas dos ditos excluídos. Até Marcha dos Heterossexuais está sendo programada.

Penso que tais modismos não geram nada de positivo. Pelo contrário. Um erro não justifica outro. Ou melhor, dois erros não produzem um acerto. É por isso que prefiro as manifestações de outrora. De fundo cívico e democrático. Mil vezes um cara pintada na Esquina Democrática do que uma pelada sem causa correndo no Parcão. Muito mais um carro de som pedindo melhores serviços públicos na saúde, na educação e na segurança, do que um barulhento trio elétrico na Parada Gay. Pode estar enganado, mas ainda sou daqueles brasileiros que vê no amor à pátria, no respeito à família, na defesa da ética e da honestidade, motivos maiores para uma boa peleia. Para essa luta estou fardado e sou parceiro. Mas não contem comigo para participar do exército de Brancaleone da comunidade dos adoradores da ditadura, dos que idolatram os partidos ou dos nudistas sem causa.

Sérgio Araújo é jornalista.


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