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13 de dezembro de 2017
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20:02

Vereador quer censurar escolas em Eldorado

Por
Sul 21
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Vereador quer censurar escolas em Eldorado
Vereador quer censurar escolas em Eldorado
“A melhor forma de se fazer isso é falando abertamente sobre o assunto, e não colocando uma mordaça em toda a comunidade escolar”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

 Samir Oliveira (*)

A direita brasileira vem se demonstrando especialista em fabricar inimigos imaginários, notadamente no campo dos costumes e do comportamento. É uma estratégia genial, preciso reconhecer, pois mobiliza bases eleitorais conservadoras e ergue uma cortina de fumaça diante dos reais problemas do país.

O principal inimigo público número um desta turma é o pedófilo de museu. Um inimigo que foi inventado com uma eficiência surpreendente por gente que pouco ou nunca pisou em museus. Outro inimigo imaginário é o professor que induz seus alunos a mudar de gênero. O professor que doutrina crianças e jovens em termos políticos e até mesmo sexuais. Uma piada de extremo mau gosto.

Esses dois tipos de inimigos inventados dão margem a iniciativas nefastas, como a censura de obras de arte e a mordaça sobre as escolas. Ao mesmo tempo, mobilizam setores da sociedade para um debate estéril e sem sentido, enquanto os verdadeiros problemas permanecem ignorados. Estimular a população a caçar pedófilos em museu é a melhor forma de evitar a revolta contra um governo corrupto que compra votos para fugir de investigações. Assim como atacar a liberdade dos professores é a melhor forma de ignorar as deficiências do nosso ensino público, as condições a que são submetidos seus trabalhadores e a realidade social de toda a comunidade escolar.

Os projetos chamados de “Escola sem partido” têm pipocado em municípios e estados de todo o país. Na esteira destas iniciativas, há também medidas para combater a chamada “ideologia de gênero” – outra invenção que só existe na cabeça de lunáticos preocupados em fiscalizar o comportamento alheio – nas escolas. Estas propostas chegaram com tudo ao interior dos estados, levadas adiante por parlamentares que perceberam o quão lucrativo eleitoralmente é mobilizar setores conservadores através de mentiras fabricadas.

A mais nova vítima é a cidade de Eldorado do Sul, um município de quase 40 mil habitantes na Região Metropolitana de Porto Alegre. É lá que um vereador evangélico da Assembleia de Deus, o Pastor Gelson, do PDT, quer aprovar um projeto para censurar as escolas municipais e até mesmo a rede privada.

“Fica proibido na grade curricular da rede Municipal de ensino e da rede privada a disciplina Ideologia de gênero, bem como, toda e qualquer disciplina que tente orientar a sexualidade dos alunos ou que tente extinguir o gênero masculino ou feminino como gênero humano”, diz a medida.

O vereador quer proibir algo que não existe. Não existe uma disciplina chamada ideologia de gênero nas escolas. Sequer existe uma ideologia de gênero. Essa é uma expressão cunhada pelos setores conservadores que se opõem aos direitos da população LGBT. Talvez estas pessoas morassem em cavernas até então e apenas recentemente tenham descoberto que transexuais existem. Essa descoberta claramente perturbou a vida de muita gente.

Imagine, então, qual deve ter sido a reação destas pessoas ao descobrirem que transexuais não nascem por combustão espontânea! Que tiveram infância como qualquer outro ser humano e que, portanto, um dia foram crianças. O Fantástico, aliás, abordou de forma muito pedagógica a realidade das crianças trans (http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2017/03/quem-sou-eu-conheca-criancas-transgeneros-na-estreia-da-nova-serie.html). Uma realidade que também se expressa nas escolas e que precisa ser compreendida e acolhida. A melhor forma de se fazer isso é falando abertamente sobre o assunto, e não colocando uma mordaça em toda a comunidade escolar. Assim como gays, lésbicas e bissexuais também um dia foram crianças e sofreram – como eu sofri – bullying nas escolas por conta de sua orientação sexual. É preciso falar sobre estes temas para que se encerrem os ciclos violentos e traumáticos do preconceito e da discriminação no ambiente escolar.

Não existe ideologia de gênero. Existem pessoas que não se identificam com o gênero que lhes foi designado ao nascimento e que transicionam ao longo de suas vidas em direção ao que lhes faz sentido e lhes deixa feliz. Na imensa maioria dos casos, este processo tem início na infância, por isso as escolas precisam sim falar sobre esta realidade. Para que as alunas e alunos trans não sejam expulsas por conta do preconceito, como aconteceu com a Lara, de apenas 13 anos, em uma escola de Fortaleza.

O projeto do vereador Pastor Gelson deve ser votado na próxima semana. É uma vergonha que a Câmara Municipal de Eldorado perca tempo debatendo uma iniciativa que não encontra qualquer amparo na realidade, quando os reais problemas da rede de educação e da própria cidade seguem sem solução. O que será que os moradores de Eldorado atingidos pelas crônicas enchentes do município pensariam ao saber que, ao invés de lutar para resolver seus problemas, existem parlamentares interessados em combater uma ideologia de gênero que sequer existe? Enquanto há escolas sendo destelhadas na cidade, há vereadores preocupados em proibir os professores de construir um ambiente mais acolhedor e não-violento nas salas de aula.

Na exposição de motivos do projeto, o vereador afirma que a suposta “ideologia de gênero” é fruto da “força da desvergonha – da desfaçatez de uma minoria para transformar moral no imoral”. Convido o pastor-parlamentar a ingressar no site da Rede Trans Brasil (http://redetransbrasil.org/homiciacutedios-e-oacutebitos.html) e verificar o que realmente é imoral. Verificar que neste ano já foram mais de 180 travestis e transexuais assassinadas no Brasil. Sempre a pauladas, pedradas e facadas. Isso sim é imoral. O preconceito e a intolerância são imorais.

Nossas escolas não podem permitir que as crianças e jovens de hoje tornem-se os assassinos intolerantes de amanhã. Por isso precisamos, sim, falar sobre gênero e sexualidade!

Se você leu este texto até aqui e também acredita que devemos construir uma escola mais plural, democrática e acolhedora, mande um e-mail ao Pastor Gelson pedindo que ele retire este projeto absurdo de censura aos professores: [email protected]

(*) Samir Oliveira é jornalista e militante da Setorial LGBT do PSOL/RS.


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