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15 de janeiro de 2021
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11:06

2021 está aí, primeiras semanas

Por
Sul 21
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2021 está aí, primeiras semanas
2021 está aí, primeiras semanas
O poeta Oliveira Silveira e Ronald Augusto (Arquivo pessoal)

Ronald Augusto (*)

Virada

As mensagens de fim-início de ano já são naturalmente chatas, mas, nos últimos tempos, graças ao horror da pandemia da Covid-19, elas se tornaram bem mais insuportáveis; repetimos sem descanso: foi um ano de aprendizado, superação, resiliência e o escambau.

O exemplo vem de cima

Vocês aprenderam que vidas de supremacistas brancos importam. E que a glamurização da democracia ateniense foi substituída pela glamurização da democracia estadunidense.

A negação do racismo de Monteiro Lobato

Há poucos dias troquei alguns comentários com um homem branco, leitor de Monteiro Lobato, que se dizia espantado com a afirmação segundo a qual o escritor que marcou sua formação era um racista praticante. “Eu li os livros de Lobato e isso não existe!”, argumentava. Fui obrigado a citar a edição n. 165, Maio/2011, da extinta revista Bravo! onde cartas do autor do Sítio do pica-pau amarelo revelam sua sintonia entusiasmada com a Ku Klux Klan, mais, sua frustração de o Brasil não ter abrigado um movimento desse tipo. De resto, o racismo do escritor é facilmente consultado em passagens de seus textos de ficção.

No entanto, o homem branco reagiu dizendo que eu estava disseminando fakenews, que isso era coisa de bolsonarista (os progressistas estão decididos a me julgar como um adepto do protofascismo sempre que piso em seus calos), que não acreditava nisso etc. Generoso como eu sou, mandei links de sites comprovadamente imunes a notícias falsas que também noticiaram a revelação do Lobato supremacista branco. Mas não adiantou, o homem branco seguiu fiel à suposta retidão de seu modelo de escritor, afirmou que eram as minhas fontes contra as dele; apelou ao relativismo.

Terminei a breve polêmica dizendo que ele era produto da eficiência da lobatomia. Trocadilho bobo, mas que já revelava minha paciência no limite de esgotar-se. Vocês (brancos) podem defender à vontade Monteiro Lobato e sua mediana literatura, só não neguem que esse cidadão foi um racista assumido.

Ativismo pop

A verdade é que com o advento das redes sociais todos nós nos tornamos um pouco mais presunçosos e previsíveis.

Um dia escrevi que o slam tinha relação com o pop. Alguns slammers ficaram injuriados comigo. Acontece que não afirmei isso na perspectiva de censurar ou deprimir a força do slam. A propósito, vocês já viram o Emicida mandando umas rimas na propaganda de uma conhecida universidade privada?

Achei a resposta do Chico César meio bíblica, pae. Tipo, não vim trazer a paz, mas a espada.

Poesia e senso comum

As pessoas que defendem a poesia como coisa que tem de ser livre, sem amarras, que a poesia está em tudo e em nada, que tem que deixar a coisa fluir, que todo mundo, que cada um, que cada silêncio que grita é pura poesia, enfim, quem pensa assim não percebe que a principal consequência disso é fazer coincidir liberdade de criação com dizer merda; além do mais, como assevera um informante meu (cujo nome preservo), esses poetas desmedidos ainda esperam (exigem) aplausos dos iguais.

Guerra racial

Dizem que a diferença entre um branco pobre e um negro pobre é que um branco pobre acha inacreditável que ele precise passar por essa condição de pobreza.

Dizem que a diferença entre um branco rico e um negro rico é que um branco rico acredita que ele não chegou aonde chegou para agora sentar-se à mesa ao lado de um preto abusado.

Progressismo pós-racial

Outro dia me deparei com o comentário de um bolsonarista afirmando que o 20 de Novembro era invenção do PT. Óbvio que trata-se de uma sandice. Oliveira Silveira e outros intelectuais negros propuseram a data evocativa da figura de Zumbi lá na década de 1970. Não havia o PT tal como hoje é conhecido. Mas o maior problema é que muitos petistas têm a mesma crença do ativista do presidente Bolsonaro. Estamos diante de um exemplo acabado de sequestro do direito de autoria.

Com relação às cotas raciais para ingresso no ensino superior acontece algo parecido. Os movimentos negros sempre defenderam essa política de reparação parcial, ao contrário de muitos progressistas que no início a olhavam com muitas suspeitas e dúvidas. Quando as cotas se revelaram eficientes e, ao mesmo tempo, ficou provado que o Brasil não viu nascer uma guerra racial em suas entranhas (exceto a guerra que já existe desde a escravidão), os setores mais retranqueiros da esquerda mudaram seu discurso. Paradoxalmente reivindicaram a paternidade da proposta.

Jamais, em hipótese alguma, suspeite das boas intenções da esquerda redentora. Os que dizem que as pautas identitárias enfraquecem a luta da esquerda clássica, não percebem o sequestro do protagonismo negro patrocinado por essa mesma esquerda que perdeu o apetite por qualquer coisa que lembre uma revolução. Não fosse a atuação dos movimentos negros, a tal “década” de avanços para a inclusão racial passaria em branco.

(*) Poeta, letrista e ensaísta. Formado em Filosofia pela UFRGS. Autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013), Nem raro nem claro (2015) À Ipásia que o espera (2016), O leitor desobediente (2020) e Tornaviagem (2020). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com  e escreve quinzenalmente no http://www.sul21.com.br/jornal/

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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