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25 de dezembro de 2020
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10:42

Luis Turiba pergunta ao poeta Ronald Augusto

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Sul 21
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Luis Turiba pergunta ao poeta Ronald Augusto
Luis Turiba pergunta ao poeta Ronald Augusto
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Luis Turiba pergunta ao poeta Ronald Augusto (*)

Ronald Augusto é um poeta que tem agendas pipocantes mas passa a impressão que está quase tudo sempre namastê no seu terreiro de experimentações.

Na realidade, ele é um brasileiro realmente zen, elegante, estilo paz e amor, bom marido & pai exemplar. Tranquilo sim, mas provocador e polêmico – adora lançar suas flechas e algumas são bem venenosas. Até para jogar capoeira, seu estilo é angola. E assim, diz ele, leva o barco devagar como no velho samba de Paulinho da Viola.

“Acho que a imagem que muitas pessoas têm de mim, isto é, de que sou um cara meio antipático e intransigente (já fizeram essa observação a meu respeito),”, explica ele; “ajudou, no sentido em que não sou tão solicitado, quanto talvez pareça, para participar de lives e coisas parecidas. De minha parte fico muito agradecido. Se os convites para as lives fossem remunerados, seria uma grande perda já que fiz poucas, mas como a remuneração é algo quase impossível de acontecer, então é bem melhor ficar quieto. Há outros com mais tempo e disposição para trabalhar de graça.”

Isso não significa que Ronald ficou parado na pandemia. Neste período deu aulas, participou de lives, debates e ainda editou três livros: “O leitor desobediente”, com ensaios; o “Tornaviagem” e “A contragosto do solo”. Praticamente um recorde para poetas.

No métier, é considerado “um experimental”, com uma linguagem que entorta frases e versos bem comportados. Foi inicialmente ligado à poesia marginal gaúcha, antes de se tornar crítico, editor, professor, músico e letrista do Rio Grande do Sul.

Foi editor associado do website Sibila, criado pelo poeta Charles Bernstein e por Régis Bonvicino. Agora se notabilizando por seus estudos sobre literatura negra. Participa também do conselho editorial da Mallamargens, editada no Rio por Nuno Rau.

Possui um estilo próprio, apesar da possível leitura desconfortável dos seus poemas, provocada pelo contínuo experimentalismo verbal. Alguns poetas-críticos, como o paulista Régis Bonvicino, o consideram um dos melhores poetas brasileiros das últimas gerações. Seus poemas já foram publicados em revistas literárias internacionais, tais como a americana Callaloo: African Brasilian Literature: a special issue EUA (1995), traduzidos para o inglês, e na revista alemã Dichtungsring Zeitschrift für Literatur, traduzidos para o alemão, entre outras.

É um músico praticante, fundador da banda “poETs” junto com outros dois poetas gaúchos: Ricardo Silvestrin e Alexandre Brito – mas a pandemia fez a banda ficar fora de circuito em 2020.

Mesmo assim, o poeta deu linha à pipa, conforme vocês poderão ler agora.

Luis Turiba: O poeta toca seu violão, faz suas composições, escreve versos, livros, considerações e polêmicas. Lê poemas em lives. Ronald Augusto, meu camarada; foram intensas suas atividades em torno da Deusa Poesia nestes tempos pandêmico onde fomos atacados, primeiro pela peste; depois pelo negacionismo neofascista dos que tomaram o poder. Depois do susto inicial, como você conseguiu organizar sua agenda de conversas, lives e conferências para tornar este 2020 atraente, produtivo e luminoso? Seus livros “A Contragosto do Solo”,  Tornaviagem”, e “O leitor desobediente” estão pronto e vivíssimos para conquistar seus leitores. Valeu a estratégia? Como conseguiu seus feitos? Que balanço faz desse período?

 Ronald Augusto: Minha agenda de debates e conversas em lives durante a pandemia tem sido, até agora, bem tranquila, nada que tenha passado dos limites. Acho que a imagem que muitas pessoas têm de mim, isto é, de que sou um cara meio antipático e intransigente (já fizeram essa observação a meu respeito), ajudou, no sentido em que não sou tão solicitado, quanto talvez pareça, para participar de lives e coisas parecidas. De minha parte fico muito agradecido. Se os convites para as lives fossem remunerados, seria uma grande perda já que fiz poucas, mas como a remuneração é algo quase impossível de acontecer, então é bem melhor ficar quieto. Há outros com mais tempo e disposição para trabalhar de graça.

Quanto à publicação desses três livros quase que numa tacada só, não tem nada que ver com estratégia. Foi um baita acaso conjugado às indecisões e aos adiamentos de projetos provocados pela pandemia. O leitor desobediente (ensaios) e A contragosto do solo (poemas) há tempos estavam acertados e em processo de publicação. Com a Covid-19, tudo ficou mais lento e em compasso de espera; o retardo quase virou cancelamento. Eu não tinha pressa, afinal em 2018 havia lançado o livro Entre uma praia e outra. Dava pra esperar mais algum tempo. Mas calhou de tudo acontecer no segundo semestre de 2020 em meio à era do isolamento social. O livro Tornaviagem esse, sim, foi a surpresa, o inesperado. Eu já havia conversado com os editores da Kotter em algum momento de 2019. Ainda que naquela vez não tenhamos conseguido nos acertar, as portas ficaram abertas. No início do segundo semestre de 2020, o Salvio Nienkotter voltou a fazer contato e dessa vez fechamos negócio. Para a minha admiração todo o trabalho de edição foi muito rápido. Assim, chaguei a esses três livros individuais em um ano. Coisa que nunca mais se repetirá. Mas tem mais. Em 2020 publiquei dois livros por editoras artesanais e/ou voltadas à arte da tipografia. Pela Editora Butecanis (livros cartoneros feitos a facão pelo amigo Daniel Rosa Dos Santos) lancei Poesia na era do poste da ku klux. E pela Oficina Tipográfica Papel do Mato, idealizada pelo poeta Cristiano Moreira, lancei Física, plaquete inconsútil feita inteiramente em tipografia e reunindo apenas oito poemas. Um luxo.

Luis Turiba: Outro dia achei na minha pequena biblioteca afetiva, fazendo uma pesquisa para a edição do meu livreto “Se virem, terráqueos” (vc receberá um exemplar), todo feito em casa com capa de papelão reciclado; dois pequenos livros editados artesanalmente pela BUTECANIS EDITORA CABOCLA – feito a facão”. Um seu, o “Mnemetrônomo” ; e outro da Denise Freitas chamado “Veio”. Ambos de 2015. No seu caso, há um exercício crítico em cima das traduções de Augusto de Campos de poemas de Stéphane Mallarmé e W.B. Yeats. Você chega a falar que ficou “irritado” com as traduções do poeta concreto. Fora o conteúdo, cujo texto que acompanha o livro é autoexplicativo, queríamos te ouvir sobre a forma desses livretos, na linha da cartonagem ou cartoneira. Vale a pena se apoderar desses meios de produção e fazer edições pequenas e únicas, de até 100 exemplares? Ou o negócio é ir para as pequenas/grandes editoras?

RA: Sou um entusiasta dessas edições artesanais, semi-artesanais e tipográficas que pensam o livro em sua dimensão de objeto e a partir de outros modos de editoração e design. Sou um beneficiário de devotados editores como o Daniel, o Cristiano e o Gustavo Reginato (Editora Caseira) que em 2017 manufaturou e editou meu livro Subir ao Mural. O negócio é estimular e edição de livros em todas as suas formas. Onde houver espaço e interesse para publicar bons poemas entre as capas de livros bem cuidados eu estarei lá disposto a dialogar com os envolvidos.

Luis Turiba: Combater o racismo e nocautear os racistas faz parte do seu cotidiano de vida. Nessa caminhada, você nunca deixou de citar o mestre Oliveira Silveira, a quem conheci muito bem quando vinha a Porto Alegre com o ministro Gilberto Gil. Oliveira, escreveu você,  dizia “havia uma literatura negrista, isto é, brancos brasileiros que “trabalhavam com o tema afro”. de repente, a par das editoras negras (mantidas por pessoas negras) que resistem bravamente nesse mercado, vejo surgir editoras negristas. Dê exemplos?

 RA: É importante lembrar que Oliveira Silveira sempre publicou seus livros por conta própria, jamais submeteu seus textos ao crivo de qualquer editora. À época (décadas de 70/80) o mercado só contava praticamente com editoras de gente branca. Todos os livros do Oliveira são edições de autor. Editoras negristas são aquelas que agora ou há bem pouco tempo começaram a investir em ou a publicar autores negros ou a dar atenção a temas que evocam vagamente a luta antirracista. Esses tópicos, em nossos dias, têm despertado o interesse de muitos leitores, inclusive, brancos. De outro lado, editoras negras (mantidas por pessoas negras) têm como pedra fundamental e original a publicação de literatura realizada por negros, isto é, as editoras são decorrência de tal literatura. Ao contrário das editores negristas, editoras negras como Figura de Linguagem (RS), Mazza (MG) e Ogum’s Toques (BA), por exemplo, nunca suspeitaram da qualidade dos textos dos escritores negros; nunca silenciaram sobre essa literatura. A Cia. das Letras, hoje, começa a agir virtualmente como uma editora negrista, está seguindo o modelo; enquanto for conveniente para os seus editores a Cia. das Letras marcará presença.

Luis Turiba: Li em um dos seus comunicados no face (tentei achar e não consegui) que estarás voltando à universidade para cursos específicos de pós-formação – Mestrado em Letras na UFRGS. Você é um poeta-professor que gosta também de ser aluno? Sua relação com o ensino é visceral? Poetando e aprendendo?

 RA: Sim, fui aprovado no Mestrado em Teoria, Crítica e Comparatismo da UFRGS. Não vejo problema nenhum em ser aluno. Durante meu curso de Filosofia, ao contrário de muitos colegas de minha idade e de alguns jovens presunçosos, fui um aluno bem comportado e, até onde foi possível, também aplicado na tarefa de aprender. Fiz o curso com a intenção óbvia de aprender e de ampliar meu repertório intelectual. Entro no Mestrado com a mesma disposição. Minha relação com o ensino é de prazer, tanto na condição de aluno como na de professor. Borges disse uma vez que quem ensina literatura não gosta de literatura. Como professor tento provar que o argentino estava errado ou que neste caso só estava fazendo mais uma de suas bromas.

(*) Luis Turiba nasceu em Pernambuco, mas foi criado no Rio de Janeiro. O jornalismo o levou a Brasília, onde morou por mais de 30 anos e fundou e editou, junto com Resa, Lúcia Leão e João Borges, a revista experimental de poesia BRIC-A-BRAC, em 1985. Em 1977 publicou seu primeiro livreto de poesia, Kiprokó, em 1980 publicou de forma independente Clube do ócio, seguido por Luminares (1982), Realejos (1988), Cadê? (1998), Bala (2005), MeiaOito (2010), e o infantil LuísaLulusa (2010). Foi vencedor da Bolsa Literária Funarte, em 2008.

Ronald Augusto é poeta, ensaísta e crítico de poesia. Formado em Filosofia pela UFRGS. Autor de, entre outros, Confissões aplicadas (2004), Cair de costas (2012), Decupagens assim (2012), Empresto do visitante (2013), Nem raro nem claro (2015) À Ipásia que o espera (2016), A contragosto do solo (2020), Tornaviagem (2020) e O leitor desobediente (2020). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com  e escreve quinzenalmente no http://www.sul21.com.br/jornal/


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