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31 de julho de 2020
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12:34

Notas precárias sobre fazer, saber e julgar

Por
Sul 21
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Notas precárias sobre fazer, saber e julgar
Notas precárias sobre fazer, saber e julgar
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ronald Augusto (*)

 A atividade crítica, conforme pensam alguns comentaristas e articulistas, mantém, sob certos aspectos, estreita analogia com a tarefa do jurado de qualquer prêmio ou concurso literário (advirto que esse sucinto artigo se restringe ao campo da literatura, mas pode-se aventar a hipótese de que o problema se apresentaria com o mesmo viés se falássemos do ponto de vista de qualquer outra atividade artística). Entretanto, num certo momento, seus caminhos, o do crítico e o do jurado, se bifurcam.

O jurado, assim como o crítico, a partir de critérios principalmente estéticos (por agora vamos dizer que deveria ser assim) assume a responsabilidade de apontar dentre aquelas obras apresentadas à competição, as mais bem logradas a partir do que é específico dessa linguagem. Já o crítico, seja por seu próprio apetite, seja por dever de ofício, se dobra sobre a produção do presente e do passado e propõe leituras e análises (eu diria que se dispõe a uma interlocução) a propósito das valências compositivas desses exemplares e avalia, principalmente, os seus resultados artísticos, e, secundariamente, as tensões semânticas sugeridas.

Enquanto a decisão não vem a público, jurado e crítico estão seguros. “Deixemo-los lá, os dois, fazendo o seu trabalho de suma importância para continuação do sistema literário”. Tão logo o resultado, seja da análise, seja do julgamento ou da interpretação, se torne conhecido – e esse resultado, a princípio, acaba por separar, sempre, os melhores dos piores –, seu recorte passa a ser severamente criticado. Contudo, isso faz parte do jogo.

A diferença entre o jurado e o crítico é que o segundo dá a ver publicamente não só as obras literárias bem logradas que teve sob seus olhos. O jurado, por sua vez, faz uma crítica indireta, quase apaziguadora de conflitos, pois oferece (por agora vamos aceitar que é assim) ao leitor modelos do que considera um bom ou excelente trabalho literário ou de arte. No caso dos prêmios e concursos, exceto se algum derrotado/excluído não vem a público para lançar dúvidas sobre a decisão do jurado, nem sabemos quem morreu no caminho. O silêncio entre desdenhoso e vaidoso como que deixa tudo em panos quentes e, aparentemente, todos concordam que a justiça foi feita. “Eu? Não, não mandei nenhum original para esse prêmio. Nem sei quem ganhou”.

Assim, o crítico, ao menos dentro das condições do presente, enfrenta e produz alguns problemas, vejamos: (1) se ele escreve a favor de determinado autor – ou seja, diz bem do seu trabalho, livro, poema etc – acaba não fazendo bem, e não porque com isso talvez desaponte os desafetos do escritor analisado, mas apenas porque poucos sabem escrever “a favor” (sem tropeçar no compadrio) hoje em dia. De outra parte, essa ideia de “coletivo de escritores” reduz o “a favor” a um vergonhoso estilo laudatório que preserva mais o sujeito que elogia do que o elogiado, pois no momento seguinte o objeto dos confetes lançados terá de retribuir o gesto na mesma moeda. Escrever “a favor” (e as condições momentâneas apontam para isso) é quase sinônimo de relação corruptora.

E (2) se o crítico escreve contra, ele é um filho da puta (com o perdão da expressão, culto leitor) porque esse “coletivo de escritores”, todos eles conectados graças às redes sociais, esse coletivo de ativistas, forma um campo benfazejo onde prosperou e prospera a ideia – inclusive para que ninguém sofra um surto psicótico – de que não existem mais nem bons, nem maus escritores. O que importa é participar; ser um representante desse coletivo.

(*) Ronald Augusto é poeta, letrista e crítico de poesia. Formado em Filosofia pela UFRGS. Autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013), Nem raro nem claro (2015) e À Ipásia que o espera (2016). Dá expediente no blogwww.poesia-pau.blogspot.com  e escreve quinzenalmente no http://www.sul21.com.br/jornal/

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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