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7 de junho de 2017
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10:00

Dá para entender Gentile e Bolsonaro?

Por
Sul 21
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Raul Ellwanger

Queria ser psicólogo para entender Gentile e Bolsonaro.

Um diz que não estupra a deputada Rosario porque ela não merece. O outro esfrega uma ordem judicial no seu genital, retira-a dali e ordena que a deputada a introduza no ânus. Ambos são figuras públicas, seus gestos são vistos por muitas pessoas, inclusive crianças.

Imagem: Reprodução do Youtube

Ambos detestam a deputada não por qualquer aspecto sexual. Ambos a odeiam pelas posições políticas dela. Qual a correlação entre a referencia anatômica e as posições politicas ? Porque à discordância política se responde com a brutalidade física, sexual, moral ? Sofreria dano moral quem fosse objeto das ofensas de ambos ? É tolerável a uma família brasileira ver na televisão sua mãe ou irmã tratadas dessa maneira, por um parlamentar ou por um mediático ? Tais referencias anatômicas remetem à sexualidade ou são apenas corporais? Poderia Gentile esfregar papéis na orelha ? Seria a mesma coisa ? Ou mandar come-los com a boca ? Seria o mesmo ? Esfregar no olho e enfiar no nariz seria o mesmo ?

Ambos cidadãos não se caracterizam propriamente por atitudes e propostas construtivas para nosso país. Não conheço nenhuma, pelo menos. Ao defender a tortura (votação do impixmem) e o estupro, Bolsonaro se coloca por fora, no exterior de nossa Constituição, devendo na verdade ser indiciado e condenado por isto.

Pode-se dizer que Bolsonaro entende a violação (um tipo especial agravado de tortura) como uma punição, um castigo que ele (se quisesse) aplicaria na deputada. Julgando as atitudes da deputada no campo dos Direitos Humanos, decide que deve ser punida, e a pena imaginada por ele é a violação, o estupro. Poderia propor sua cassação, o exilio, a aplicação do pau-de-arara, a picana elétrica, enfim, a gama completa da violencia estatal legal ou ilegal. Arvorando-se ao lugar do Estado, auto nomeando-se juiz e criando seu próprio Codigo penal, decide puni-la com o crime hediondo do estupro. Contra supostos delitos de opinião expressos publicamente em sua atividade parlamentar rotineira, Bolsonaro levanta o extremo mais delituoso e cruel dos crimes de violação de direitos humanos, cometido por ignotos agentes do estado na escuridão dos porões. Não guarda proporção entre o delito por ele impugnado (defender os Direitos Humanos) e a punição extrema que na posição de juiz termina por expressar.

Na canção “Roda”, Gilberto Gil canta:

“…posso falar pois eu sei
Eu tiro os outros por mim
Quando almoço não janto
E quando canto é assim…”

Somos escravos de nós mesmos, daquilo que nos moldou. Bolsonaro é o que parece ser, julga os outros com seus olhos, olhos com que avalia o mundo, olhos formados na família e na escola. No seu amago, o estupro é normal, é um arbítrio do estuprador, que decide se estupra ou não estupra, a mulher é só um objeto mutilável, não é uma pessoa. Seria muito instrutivo conhecer os meandros da infância de Bolsonaro, suspeitando que ele mesmo possa ter sido vítima de uma educação totalitária e desumana. Suas propostas para a deputada são a expressão de seu pensamento, de sua personalidade, de sua pessoa. O modo natural com que maneja conceitos de alta crueldade estão na sua formação, no seu DNA, seus hábitos no dia a dia, talvez mesmo no recolhimento do seu lar. Pregando o estupro, Bolsonaro está punindo a vítima, ou está dando-se o prazer de punir a vítima através de um seu prazer (supondo que o tenha) ? Na sua formação, o próprio prazer é sinônimo do sofrimento do outro ?

Após realizar em suas cuecas canhestras manobras físicas com uma notificação judicial, Gentile diz
“Sinta o cheiro do meu saco…”

Que quer dizer isto ? Quer dizer que ele pune a deputada obrigando-a a fazer algo que não quer, fazendo-a sentir um aroma que ela não deseja ? Quer puni-la obrigando-a a ter intimidade e constranger-se com aspecto de sua sexualidade, dele Gentile ? Devemos mesmo considerar que a pobre gravação de Gentile num escritório à luz do dia muito pouco fala de sexualidade; talvez, fale do estado de pouca higiene que ele mesmo confessa ao dizer “cheiro” e não aroma, perfume, odor, atribuindo a este cheiro o caráter de punição. Seu fedor maltrata o outro. Maltrata a ele também ? Sua namorada, seus familiares, seus patrões ?

Ele prossegue com
“abra a bunda e enfie bem no meio dela …”

Que significa isto ?: Se antes ele dizia “sinta”, agora ordena que a vítima profane seu próprio corpo nele introduzindo algo indesejado, e que carrega o cheiro supostamente punitivo, vingador. Parece aproximar-se de Bolsonaro, ao invadir o corpo pessoal da pessoa punida com uma espécie de tele-estupro, feito de papéis e fedores. Como seu êmulo militar, o apresentador correlaciona de maneira pouco compreensível os alegados delitos de opinião da condenada com um ataque ofensivo ao corpo, à moral e à sexualidade da mesma. Incompreensível a correlação entre opinião e violação, desproporcionada a violenta “pena” do tele-estupro para punir idéias politicas.

Ambos vingadores tem em comum o foco nas partes íntimas, sejam suas ou da vítima. Por algum misterioso mecanismo psicológico, situam estas partes no terreno da dor e do sofrimento, no campo do infligir dor e sofrimento, no território da punição com extrema violência física e psicológica. Aqui é onde peço ajuda aos psicólogos: porque partes da anatomia que são o local de tarefas normais, dignas e apreciadas na nossa cultura, qual seja a genética reprodutiva e o prazer sensual, aparecem estigmatizados na voz de certas pessoas ? Que mecanismo faz com que órgãos da ma(pa)ternidade e do desfrute amoroso se transformem em locais de suplicio, dor, vergonha, constrangimento, punição, penalidade ?

É interessante notar que ambos eludem a concretização das invectivas: Bolsonaro diz que “não faz porque não quer” desde o Parlamento (onde tem foro privilegiado), e Gentile manda que a própria deputada faça o que ele ordena (desde o conforto do escritório). Melhor assim, que fiquem à distancia com suas bravatas e ameaças. Seriam capazes de realiza-las , teriam a valentia de ir à praça concretiza-las ? Seriam “machos” para isso, teriam virilidade para tanto ?

Gentile ao finalizar sua fala extrapola todos os limites de compreensão humana, dizendo de forma vibrante, exclamativa: “Eu quero gozar”. É impossível entender, absolutamente impossível.
Aos meus amigos psicólogos, fica a indagação: porque a nobreza da procriação e o prazer da sensualidade se associam ao sofrimento ? Suspeito que…Freud explica.

.oOo.

Raul Ellwanger é cantor e compositor.


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