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16 de junho de 2017
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10:00

Canções catarinenses: “Tem tainha”

Por
Sul 21
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Por Raul Ellwanger (do livro Nas Velas do Violão)

Nesta canção tive o prazer de colocar o nome de meu compadre Seu Antonio Manoel Martins, esposo de Dona Leoni (Lili), sendo esta doce e severa senhora filha dos lendários Dorvino Bernardino da Rosa e Eugenia Perpetua Rodrigues, todos nativos da Praia do Rosa, do Porto Novo da Ibiraquera, de reta cultura e ascendência açoriana.
Quando no outono o vento sul vai somando frios para fazer o inverno, surge a manta de tainhas entrando pelo costão. O lenço do vigia dá o alerta e nos ranchos precários saem os homens do letargo de alguns dias e noites para rolar a canoa até a prainha e o mar. Assim vai dizendo a letra, para logo pedir ao chumbelieiro cuidado com a rede pois cada um espera sua parte, conforme a tradição.

Gosto da sucessão descritiva das ações, desde “solta a canoa” até o “desce a rede”, onde palavras como estivar, chumbelieiro, cercar, remeiro, são bonitas e raras. Por toda a baía e a colina se alastra o grito de aviso, em especial das mulheres, alertando o povo de que se faz o cercamento da malha. Todos acorrem para ajudar no arrastão final e assim também têm seu quinhão, pequeno, mas sagrado direito de todos, como são também sagradas as funções hereditárias de patrão, chumbelieiro e vigia.

Na gravação que fiz para o disco Boa-maré, usei a viola Del Vecchio de dez cordas que herdei de meu parceiro Cao Trein. Sua sonoridade casa com a maneira de cantar e tocar desses açoritas-brasileiros, baseada nos quartetos heptassílabos que trouxeram das ilhas em suas cantigas de ratoeira. E combina também com a moda de viola que escutaram de madrugada nas rádios de São Paulo em seus “radiões” com até seis pilhas! Tem tainha é parte do ciclo de “canções catarinas”, reflexo pobre, mas sincero, de alguns épicos terno-de-reis que fizemos entre Pinheira e Siriú, com o Dé Daurino, Dionísia, Homerinho (sempre ele), o negro Baton, Toninho Dulisso, Maria Rita (a tipe), Ervino marceneiro, violeiro e mandador (improvisador) dos versos de saudação.

O prenúncio do inverno, o vento típico que faz andar a tainha desde o sul, o temor da rede vazia, culminam com o gesto do vigia, retratando em três versos intercalados por esperas instrumentais o nervosismo que perpassa todos os ranchos quando as canoas descem a estiva. O som das consoantes em “fogo faz frio”, as rimas fonéticas de “abril e arrecio” e de “jirau com sinal”, as três rimas sucessivas feitas no interior de cada verso desde “rancho/lanço, fogo/oco, frio/vazio’”, as lindas palavras sudestada, corso, alçou, estiva, jirau, fazem a alegria do compositor, acrescida quando Adriana Deffenti gravou uma bela interpretação desta canção.

Tem tainha

Raul Ellwanger

Solta a canoa
Toca a estivar
O patrão mandou cercar
Acorda os homens no jirau
O vigia deu sinal

Ó chumbelieiro
Não espanta o peixe
Desce a rede mão-na-mão
Cada remeiro, seu quinhão
Tem tainha no costão

Praia do Rosa, alvoroço que vai
É tainha do corso de maio
Alvorada, arrecio
Sudestada de abril
Até o peixe apontar pelo costão

Lá no rancho até o fogo faz frio
Se o lanço é oco, é vazio
Seja boa esta pesca senhor
Faça festa o pescador
Na volta do fogão

Que o vigia alçou a mão
Seu Antônio deu sinal
Tem tainha no costão.


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