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2 de junho de 2017
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10:00

Canções catarinenses: Num dia de sol

Por
Sul 21
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Por Raul Ellwanger (do livro Nas Velas do Violão)

Canção da mesma safrinha de Canta-passará, esta igualmente tem um compasso estrito de cinco tempos e igualmente é boa para dançar na praia, sacolejando de modo assimétrico conforme o acento ímpar vai trocando o pé de apoio musical. Após meses de trabalho em São Paulo, chegar à Praia do Rosa no rancho do engenho de farinha, sem água e sem luz, com seu tabuado de canela amarela e garapari vermelho, roça de mandioca e “pumau” de banana, maxuxo, “noga”, limão galego e café, ouvindo os coleiras e sanhaçus, era maravilhoso. Assim foi feita a canção, em parceria com Nana.

A letra navega pelas águas da exaltação da natureza, de suas boas lembranças, da saudade amorosa, do resgate do doce “tempo feliz” que já passou. Sem achados literários, vai na verdade servindo para o caminhar capenga e gostoso da música. Repetindo a estrofe temática, tem um atalho original ao final da segunda vez (a partir de “meu quintal”), quando evita a repetição inteira e normal, fazendo uma rápida e cômoda modulação de Dó maior para Mi maior. Entrando nesta outra tonalidade, expõe aqui a parte B, muito curta, chegando mesmo a parecer que se trata apenas de um alongamento extenso daquele final subvertido. Vá saber-se!

A telenovela Meu Pé de Laranja Lima, da TV Bandeirantes, adotou esta canção como tema e a fez conhecida. Durante uma apresentação na praça do popular bairro Restinga, em Porto Alegre, num domingo pela manhã, vinham as mamães com crianças no braço e uma cadeirinha de praia. Eu desfiava movimentadas chacareras e milongas, e nada do público reagir, o sol ia subindo no céu e cá embaixo nada acontecia. Foi quando uma das senhoras gritou lá de sua cadeirinha de alumínio  “Toca aquela da novela!”.   Assim fiz prontamente, derreteu-se o gelo e o xou tomou um bom caminho, servindo de lição sobre o poder que possui a mídia eletrônica.

Gosto sempre de destacar este assunto dos compassos originais, pois naquele momento supunha que podíamos os compositores brasileiros aventurar-nos ainda mais nas trilhas estupendas que a bossa nova abrira para a criação. Pessoalmente, com a bagagem colhida no sul da América, teria elementos de originalidade a acrescentar. Como se verá e ouvirá depois, eu estava completamente equivocado. A partir de um certo Roquenrio em 1985, as “chefonas” (majors) encerraram a brincadeira da boa música brasileira pós bossa nova, que teve seu esplendor no elenco da Odeon dos anos ’70. A partir dali, nossas canções foram gradualmente sendo confinadas em espaços reduzidos, alijadas da mídia que é seu caminho natural de difusão, desprezadas pela indústria cultural. Podemos dizer que atualmente a MPB vive na clandestinidade.

Num dia de sol

                                               Raul Ellwanger – Nana Chaves

Num dia de sol quem não quer
Um amor
Lembrar saudade que marcou o coração
Num dia de sol quem não quer
Viajar
No trem do tempo que ficou lá pra trás

Por onde voa meu sabiá
Meu quintal
Pra onde foi nosso amor
Só me resta lembrar
Desse tempo tão bom


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