Colunas>Paulo Timm
|
30 de abril de 2017
|
12:02

Uma semana para não esquecer

Por
Sul 21
[email protected]
Montagem: vermelho.org

Paulo Timm

Alguém já disse que há dias que parecem anos e anos que nem se sentem, tamanha a calmaria. Os dias que adensaram a semana que passou, no Brasil, inscrevem-se como históricos. Carregados de significações e consequências. Faz jus à advertência de um dos mais belos poemas do século XX, “Terra Devastada”, de T.S. Eliot: Abril é o mais cruel dos meses. Culminou com a Greve Geral do dia 28, que pode marcar uma inflexão da conjuntura, francamente conservadora, desde a saída de Dilma Rousseff da Presidência da República em maio de 2016.

Começou com a divulgação de Pesquisas que apontam apenas 4% de apoio ao Governo Temer, ao mesmo tempo em que prefiguram uma eventual vitória de Lula em 2018, malgrado sua alta rejeição, com anúncio de veto a um novo Governo seu por setores mais radicais da direita. Já ninguém duvida que o país está mais dividido, hoje, do que nas eleições de 2014 ou mesmo em 2016. O confronto, porém, já não é tanto entre PT x PSDB, tal como até há pouco. É um confronto de natureza mais profunda, tanto ideológica como social, agudizado pela dureza das medidas aprovadas pelo Governo Temer. As dimensões da Greve Geral o comprovam. Não por acaso, em recente entrevista, Lula até deixa escapar que poderia falar com FHC, mas não quer conversa com o Juiz Moro. No meio do caminho, pedras, lagartos e até algumas novidades positivas como a aprovação unânime pelo Senado do fim do fôro privilegiado, restrito, doravante, caso aprovado, também, pela Câmara dos Deputados, aos Presidentes da República, do STF, e das duas casas do Congresso.

O pano de fundo de toda a conjuntura atual foi a aprovação do teto dos gastos, que deverá derrubar a participação do Estado no PIB, dos atuais 35% para 20% em vinte anos, na perseguição obsessiva do Governo Temer pelo Estado Mínimo. Uma quimera ideológica alimentada por falsas ideias, fundadas na ineficiência da máquina burocrática, de que o Estado brasileiro é inchado por corporações privilegiadas e de que somos o país que mais paga impostos no mundo. Mais ao fundo, ainda, como critério de verificação das supostas verdades enunciadas, uma visão de que o Brasil não deu certo com o modelo dito varguista e que precisa mudar. Segue-se, daí, o discurso das Reformas, sobretudo a Reforma Trabalhista, previa aprovação da Lei da Terceirização e a Reforma da Previdência.

A Reforma Trabalhista, em nome da maior eficiência da modernidade, quebra algumas garantias da Consolidação das Leis do Trabalho. Foi aprovada na Câmara, depois de 14 horas de turbulentas discussões, graças a hercúleo esforço do Governo, que teve, inclusive, que dispensar, por um dia, vários Ministros, detentores de mandato, para que assegurassem esta vitória. Acredita-se que, no Senado, terá o mesmo curso.

Qual o sentido geral da Reforma Trabalhista? Dar maior flexibilidade à contratação de mão de obra e enfraquecer a sólida estrutura sindical, tanto pela retirada do Imposto Sindical, que lhes garante fartos recursos, quanto pela introdução das negociações diretas entre patrões e empregados. Mas qual o problema: o contexto. É quase um consenso entre pesquisadores de que a história da economia capitalista moderna se sucede em três tempos: Um primeiro, na era mercantilista, em que o mercado é um apêndice dos Estados (absolutistas); um segundo, da primeira revolução industrial até a segunda metade do século XX, em que Estado Liberal e Mercado Competitivo se equilibram, numa era de escassez de mão de obra, garantindo uma redistribuição de direito e benefícios entre Capital e Trabalho, com ápice no Pacto Social Democrata do Estado de Bem Estar na Europa, do Welfare State nos Estados Unidos e do Estado Providencial no Terceiro Mundo, no qual somos o melhor exemplo. E um terceiro tempo, que vivemos nos dias atuais, num mundo marcado pelo excesso de mão obra reprimido em nações balcanizadas e ampla volatilidade do capital, em que o Mercado impôs-se categoricamente sob sua forma financeira, usurária, sobre o Estado, com ele se confundindo. Nesta nova era, a sociedade como um todo se fragmenta, a sociedade civil se desintegra na pulverização da tecnologia e das imensas metrópoles, a opinião pública fica à mercê de poderosos meios de comunicação de massa e a consciência crítica fenece sob os pilares da distopia. Tem se mostrado como uma fase de declínio da democracia substantiva e de grandes riscos à sua sobrevivência, caso as alternativas populistas já em curso venham a ganhar novas batalhas eleitorais. É nesse contexto, mais geral, de instabilidade mundial, que se devem medir as proclamadas reformas no Brasil, e não tanto referidas à argumentos seletivos e referidos à modernização. Moderno, mesmo, é o regime – a democracia – instituído mitologicamente por Teseu, filho do Rei Egeu, na antiga Grécia, depois de ter vencido, no Labirinto de Dédalo, em Creta, o Minotauro, símbolo da besta humana devoradora de jovens ideais. A saída, enfim, não são as ditas Reformas, mas o retorno ao voto direto, secreto e universal.

.oOo.

Paulo Timm é economista, 74, pós-graduado CEPAL/ESCOLATINA – Prof. aposentado da UnB . Fundador do PDT.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora