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6 de outubro de 2017
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10:45

As raízes da corrupção

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Sul 21
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As raízes da corrupção
As raízes da corrupção
Cabe lembrar uma aguda observação de Millôr Fernandes: “pobre país que precisa de salvadores!” (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Paulo Muzell

Há mais de dez anos que o tema corrupção gera manchetes diárias na grande mídia do país. Começou em 2005, com a Ação Penal 470, e teve continuidade com a operação Lava Jato e suas “ações salvadoras” que prometiam extirpar os tumores que corroem as entranhas do país. Joaquim Barbosa e Sérgio Moro foram ungidos a “heróis nacionais”, “salvadores da pátria”. Cabe lembrar uma aguda observação de Millôr Fernandes: “pobre país que precisa de salvadores!”

Foram escolhidos como alvos prioritários Lula, o PT, a Petrobras e, por efeito dominó, as maiores empresas de engenharia do país. As consequências foram devastadoras. Fragilizado o governo Dilma foi possível inventar um ridículo pretexto para viabilizar o golpe jurídico-parlamentar. A Petrobras foi alvo de um furioso ataque com o objetivo de desvalorizar seu patrimônio, começar o seu desmonte, encaminhar sua privatização e entregar as reservas do pré-sal. O  ataque às nossas grandes empresas de construção civil ameaça seriamente o futuro da engenharia do país. O golpe colocou uma quadrilha de entreguistas no Palácio do Planalto. Rapidamente Temer mostrou a que veio: exterminar históricos direitos dos trabalhadores através da aprovação das reformas trabalhista e previdenciária. A crise se aprofundou, aumentou o desemprego, o salário mínimo perde poder de compra. Metade das famílias brasileiras é inadimplente. Para completar, foram congelados os gastos na área social – educação, saúde, assistência social – e abandonados os programas da indústria naval e da energia nuclear.

O economista Ladislau Dowbor concedeu, dias atrás, uma lúcida e esclarecedora entrevista que nos permite vislumbrar muito além do cínico moralismo destas campanhas midiáticas do tipo “mensalões” e “lava jato” que prometem o fim da corrupção e tentam convencer a opinião pública que estamos construindo uma sociedade mais justa onde “a lei é para todos”. Nada mais falso.

Dowbor observa, também, que nenhuma multinacional estrangeira ou conglomerado financeiro que opera no país foi objeto de denúncia na Lava Jato. Curiosamente, Moro e sua equipe escolheram alvos nativos, especialmente a Petrobras.

Há poucos dias o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) aprovou um recurso do Itaú que se negava pagar Imposto de Renda e  Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido num montante de 25 bilhões de reais decorrente da sua fusão com o Unibanco. Vinte e cinco bilhões de reais deixaram de entrar nos cofres públicos, escoaram pelo ralo, numa decisão suspeita que beneficiou um gigante do mercado financeiro. Cabe lembrar que o CARF está sendo investigado por indícios de que conselheiros estariam recebendo propina para “aliviar” grandes devedores.

Também alguns dias atrás a Câmara Federal aprovou uma Medida Provisória (MP) que normatiza as negociações de dívidas da Fazenda Federal, o REFIS. Segundo a opinião dos técnicos fazendários a MP é “um tapa na cara da nação”. Ao conceder redução de 90% dos juros devidos e 70% das multas são favorecidos os maus pagadores e estimulada a sonegação. Mais bilhões de reais vão escorrer pelo ralo, ou melhor, irão para o bolso dos grandes empresários.

Ladislau lembra que na crise mundial de 2008 o governo americano despendeu 4 trilhões de dólares para socorrer o sistema financeiro do país e na Europa outros tantos trilhões foram aplicados. Ele observou que não foi preso nenhum dos responsáveis pelo caos, os diretores e membros do conselho de administração do Bank of America, do Deutsche Bank, do Barclays, do Morgan, dentre outros. Pagaram multas com provisões existentes nas instituições e permanecem livres para cometer novas atrocidades.

Ladislau cita a Shell na Nigéria como exemplo típico do modo de operar das multinacionais. A Shell extrai o petróleo nigeriano e sobre sua venda e lucros gerados paga impostos ao país africano. A petrolífera vende o petróleo a preço aviltado para uma empresa laranja nas Ilhas Virgens e com isto paga muito pouco imposto na Nigéria. A empresa laranja vende o petróleo a preço cheio, com grande lucro numa ilha que não cobra impostos. Existem no mundo 60 paraísos fiscais utilizados pelas multinacionais para gerar lucros dessa forma. Há alguns anos atrás a Globo montou operação semelhante para não pagar impostos sobre os direitos de transmissão de uma Copa do Mundo.

Estimativa da Procuradoria da Fazenda Federal estima que anualmente são sonegados 500 bilhões de reais de impostos no Brasil. Em 2016 mais de 400 bilhões de juros da rolagem da dívida pública interna engordaram o lucro dos bancos. Governos estaduais e a União concedem ano após anos bilhões e bilhões de reais de isenções fiscais para as grandes empresas. Bilionários perdões de dívidas fiscais são prática contumaz. Num país em que tudo isso acontece e onde a agiotagem corre solta – o banco cobra mensalmente 5%, 6%, 7% ou até 14% de juros dos correntistas e remunera a poupança popular a 0,7% ao mês – é piada falar em extirpar a corrupção.

A Lava Jato anuncia que recuperou um bilhão de reais de ações ilícitas investigadas. Só o perdão do Itaú totalizou 25 operações.

A verdadeira corrupção está na brutal sonegação fiscal, na lavagem de dinheiro em paraísos fiscais que são utilizados para gerar lucros absurdos para as grandes empresas, na agiotagem oficializada do sistema bancário, no perdão de bilhões e bilhões de reais de dívidas dos maus pagadores de impostos. Práticas ilegais que concentram brutalmente a renda e a riqueza na mão de poucos.

Não é possível falar em justiça ou igualdade num país em que apenas 5 bilionários tem renda equivalente a quase metade da população, os 100 milhões mais pobres. Num país em que 27,5% das famílias tentam sobreviver com meio salário mínimo por mês.

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Paulo Muzell é economista.


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