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5 de dezembro de 2014
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13:36

“Mãos de Tesoura”

Por
Sul 21
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“Mãos de Tesoura”
“Mãos de Tesoura”

Por Montserrat Martins

Numa aparente “ironia do destino”, a presidenta reeleita foi buscar para a Fazenda um Ministro justamente com o viés “neoliberal” que – segundo a propaganda política que a elegeu – é daqueles que assustava os espectadores, na TV, como quem poderia tirar a comida da mesa do povo. Um episódio didático para quem ainda não havia compreendido que eleição é uma coisa, governo é outro. Tanta gente assustada, tantas ofensas nas redes sociais, tantas amizades desfeitas entre pessoas pró e contra o governo… para o governo entregar a chave do cofre a alguém cujo perfil havia demonizado durante toda a campanha.

Em primeiro lugar, se reconcilie com seus amigos. Se você é governista, admita (como a presidenta fez) que pode precisar de ajuda “técnica” de alguém de outro campo político. Se você é anti-governista, sinta-se contemplado pelo ecletismo governamental que, ao fim das contas, não foi tão ideológico assim e está preocupado em que o país volte a crescer. E reconhece, implicitamente, que gastava demais.

Também é prudente que você tenha um 2015 comedido: o próprio governo vai de austeridade no ano novo, pra você ter uma ideia o apelido do novo Ministro da Fazenda Joaquim Levy é “Mãos de Tesoura”. Uma analogia ao famoso personagem hollywoodiano mas se referindo ao perfil cortar custos desnecessários. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo – no que seria uma bela lenda urbana se não fosse verdade – “costumava protestar quando algum de seus assessores do Tesouro Nacional lhe comprava bilhetes de classe executiva em viagens internacionais, previsto pelo regulamento do setor público. ‘Com esse dinheiro, viajam dois’, reclamava”.

Levy já trabalhou nos governos FHC e Lula, por seu perfil técnico e estilo austero, uma espécie de workaholic que trabalha compulsivamente até tarde e dorme pouco. Outra história real que renderia uma lenda urbana é a de que “quando atuou no governo federal mandou contratar secretária em 3 turnos diferentes, a última costumava encerrar o expediente às 2 da manhã. Muitas vezes Levy trabalhava até o início da madrugada, voltava para sua casa, nadava alguns quilômetros e voltava ao trabalho. Ou dormia algumas horas no sofá do próprio gabinete para dali retomar mais um dia. E-mails enviados ás 3 h e ligações para cobrar resposta às 7 h costumam ser rotina até hoje”.

Falando agora em termos “técnicos”, o que a nova área econômica do governo quer fazer é “resgatar todo o tripé macroeconômico”, ou seja, os fatores pelos quais se controlam a inflação e se tenta induzir ao crescimento. Esse “tripé” é formado por política fiscal, regime de câmbio flutuante e sistema de metas da inflação. Não me pergunte como funciona isso, mas o que deu para entender é que o diagnóstico feito pelas oposições – de que o Brasil estava crescendo pouco e com a inflação alta – acabou sendo o mesmo diagnóstico do próprio governo, estão todos de acordo portanto. Um técnico austero para colocar ordem na casa.

O que causa escândalo no país, a corrupção, é essencialmente um desvio e um desperdício do dinheiro público de onde ele deveria estar sendo gasto. Há uma frase que é um verdadeiro deboche da nossa política, a de que nesse país não se coloca um simples paralelepípedo numa rua sem propina. Nesse contexto, não só a competência de Levy, mas também o seu estilo austero são necessários contra as várias formas de desperdícios. Um tipo “Dunga” da economia. Com o luto nacional pelo Chapolin Colorado, “quem poderá nos defender?”. Quiçá seja o “Mãos de Tesoura”.

Montserrat Martins é médico e bacharel em ciências jurídicas e sociais.


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