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31 de julho de 2017
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10:30

Prefeito, Mobilidade é Coisa Séria

Por
Sul 21
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Prefeito, Mobilidade é Coisa Séria
Prefeito, Mobilidade é Coisa Séria

Mauri Cruz1

Porto Alegre já foi referência internacional em política de mobilidade. Desde as intervenções no sistema de transporte coletivo realizada em 1989 pelo prefeito Olívio Dutra até o ano de 2005 quando foi, infelizmente, delegada a bilhetagem eletrônica para os empresários, o sistema de transportes de Porto Alegre gozou de um reconhecimento internacional de política pública em mobilidade urbana.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Nossa experiência contribuiu, e muito, para a aprovação do novo Código de Trânsito Brasileiro, em 1995, o Estatuto das Cidades em 2001 e a Lei de Mobilidade Urbana em 2012. A concepção filosófica que embalou esta experiência é a ideia de que a mobilidade é, ao mesmo tempo, resultado da forma de organização e funcionamento das cidades, como sua indutora. Isto quer dizer que, quem pensa a cidade, tem que ter um projeto de mobilidade. E esse projeto tem que ser público, não sendo adequado deixar as políticas de mobilidade ficarem à mercê dos interesses de mercado que, como sabemos, não tem a capacidade de pensar no todo, apenas concentrando-se em seus próprios e imediatos interesses.

Passados mais de 10 anos, Porto Alegre vem perdendo espaço em âmbito nacional e internacional nesta área. De referencia estamos sendo olhados com desconfiança e até com certa pena. Enquanto outras cidades pelo mundo avançam em políticas universalizantes de mobilidade, com fortalecimento dos sistemas públicos de transportes, a adoção de medidas de restrição ao automóvel, o incentivo a modais não motorizados e, em muitas cidades, a tarifa zero como medida que beneficia grande parte da coletividades por induzir o desenvolvimento das cidades, aqui em Porto Alegre o pensamento da gestão pública vai no sentido contrário.

Ignoram, que as cidades dependem de políticas eficazes de mobilidade para respiraram, sobreviverem, se reproduzirem social e economicamente. As políticas públicas de mobilidade tem efeito em todas as áreas da sociedade, inclusive, na segurança pública.

Pois bem, nas bastasse o desmonte que vinha ocorrendo nas políticas públicas de mobilidade nos últimos anos, agora o prefeito do PSDB, dentro do rol de ataque as políticas sociais, decide retirar direitos de estudantes, idosos e pessoas com deficiência e, de forma equivocada, autorizar as empresas a retirarem a função de cobrador no sistema de transporte coletivo urbano. O argumento: o preço da tarifa.

Ora, as empresas de transportes de Porto Alegre participaram de processo licitatório há pouco mais de um ano onde elas mesmas, por sua conta e risco, apresentaram os valores de tarifas a serem praticadas e, por causa destes valores, é que foram selecionadas em detrimento de outras propostas. Como empresários, devem ter responsabilidades sobre suas propostas. Além disto, em 2017, as tarifas de transporte de Porto Alegre foram majoradas para R$ 4,05, uma das maiores dentre as capitais brasileiras. Não parece correto, nem do ponto de vista legal e nem do ponto de vista econômico que haja necessidade da recomposição tarifaria.

Mais que isso, até hoje a EPTC não assumiu o controle sobre a gestão da câmara de compensação tarifaria e a gestão da receita pública oriunda da tarifa paga pelo usuários. Esta falta de controle público coloca em dúvida as reais condições econômicas das empresas de transportes e o equilíbrio econômico e financeiro do sistema de transportes.

Mais grave ainda é que, estas medidas “saneadoras” do pretenso desequilíbrio do sistema de transportes não vem acompanhada da necessária redução do preço da tarifa ou de medidas estruturantes de fortalecimento do sistemas públicos de transporte coletivo, pelo contrário, o que se vê é o sucateamento da Cia. Carris e a retirada paulatina da EPTC de seu poder de gestão do sistema, delegando-se cada vez mais poder ao setor empresarial em detrimento dos interesses coletivos.

O resultado desta política será o caos na mobilidade urbana de Porto Alegre. Serviços públicos essenciais somente funcionam bem, de forma duradoura e com sustentabilidade econômica e financeira se planejados, geridos, operados e controlados em rede. Caso contrário, os custos são elevados e o preço deste custo é pago pela população usuária.

A saída que cabe a comunidade porto-alegrense é organizar-se entorno da luta pela defesa do transporte público, de qualidade e com preço justo e de uma política de mobilidade que prepare a cidade para o futuro e não retroceda à décadas atrás quando o transporte de Porto Alegre era exemplo de má gestão e péssima qualidade. Para isso, temos que construir uma verdadeira frente ampla de defesa do transporte público e de uma Porto Alegre sustentável. Essa é uma tarefa que não podemos renunciar, sob o risco de inviabilizar a cidade onde vivemos.

.oOo.

1 advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade, mobilidade urbana e gestão de organizações da sociedade civil, é membro da diretoria executiva da Abong e colunista do Sul21. Foi Secretário Municipal dos Transportes e diretor fundador da EPTC.


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